Espaço Ciência
Luís Portela – Um olhar sobre a Ciência

Luís Portela é o chairman da Bial, uma das maiores empresas de farmacêutica na península ibérica.
Homem discreto e com uma capacidade de olhar a fundo os outros, é um cavalheiro com moldes à antiga, chega sempre antes da hora marcada e não aceita que, apesar de ter sido convidado para uma entrevista, não seja ele a pagar a conta.
Soma ao seu currículo designações que não precisariam ser descritas para dar peso à sua presença. No passado, vice-presidente da Fundação de Serralves e presidente do Conselho Geral da Universidade do Porto, foi condecorado Comendador da Ordem do Mérito, de que mais tarde veio a receber a Grã-Cruz. Também Professor Honóris Causa da Universidade de Cádiz, em Espanha, e das Universidades do Porto e de Coimbra, em Portugal; foi igualmente distinguido com o Prémio de Neurociências da Louisiana State University, nos EUA. Regularmente vai escrevendo livros que se revelam um sucesso de vendas e têm dado a conhecer a sua ligação a áreas mais sensoriais.
Nasceu a 28 de Julho de 1951 em Águas Santas, no Porto. Pensou ser frade, monge tibetano ou médico, na verdade o que queria era ser útil para os outros. E daí a Medicina, opção não muito bem vista para o pai, António Emílio Portela, que queria que seguisse economia ou farmácia para se dedicar à empresa que nascera em 1924 pelas mãos do seu avô Álvaro Portela. Depois de formado pela Faculdade de Medicina do Porto, chegou ainda a dar aulas de Psicofisiologia e a exercer atividade no Hospital de São João. Perdera o pai quando este tinha apenas 50 anos e Luis Portela 21, ainda enquanto estudante. Foi quando já tinha o plano de trabalhos acordado para seguir para Cambridge, onde faria o seu Doutoramento, que o sentido de família falou mais alto que a paixão profissional. Ainda tentou vender a sua participação na Bial e na verdade o que aconteceu foi o contrário, comprou-a e assumiu-se como gestor e presidente, deixando a paixão de médico e a sede de investigação apenas para o lugar dos sonhos.

Ao longo dos anos foi-se rodeando daqueles que caracteriza como grandes profissionais e que o ajudaram a colocar a Bial no patamar em que hoje se encontra. Diz que os riscos que correu ao investir na farmacêutica só foram possíveis porque a equipa era forte e cada vez mais plural, atualmente constituída por portugueses, Ingleses, franceses, alemães e italianos. Aliada a uma capacidade de grande inovação, Luís Portela importou novas tecnologias e conceitos que dariam à Bial igual estatuto de outras famosas multinacionais estrangeiras. Depois de sedimentada em Portugal, lançaram-se noutros mercados, África, América Latina, Espanha, Alemanha, Itália e Reino Unido.
Em 1994, nasceria a Fundação Bial, em conjunto com o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas e da qual Luis Portela é Presidente. O objetivo é incentivar a investigação científica, tanto do ponto de vista físico como espiritual.
Numa das muitas entrevistas que já deu, conta que nos mais de 30 anos de liderança nunca gritou com ninguém, responsabilidade talvez dos 20 anos em que praticou karaté, ou talvez pela calma interior que foi desenvolvendo nos muitos anos em que foi aperfeiçoando a meditação.

Luís Portela foi um dos convidados principais do último evento do Beyond Med que se realizou na Faculdade de Medicina da Universidade Lisboa. Dias depois, fez questão de marcar novamente a sua presença na última aula do seu amigo Mário Simões, Professor da Psiquiatria que agora finda funções com a sua reforma. Mas é também enquanto Bial e com um trabalho conjunto com outro Professor da Faculdade, Joaquim Ferreira, que há vários argumentos que nos ligam a Luís Portela, fazendo com que seja intrigante conhecê-lo pessoalmente.
Foi precisamente pelo novo medicamento que melhora os sintomas da doença de Parkinson e que teve a coordenação clínica de Joaquim Ferreira que começámos.

Sabemos do trabalho de investigação feito em parceria com o Prof. Joaquim Ferreira, que deu origem a um novo fármaco e traz boas notícias para os doentes de Parkinson. Estaremos a assistir a um crescimento destas parcerias entre investigadores portugueses e a Bial?
Luis Portela: Foi motivo de grande orgulho para nós podermos ter voltado a colaborar com o Prof. Joaquim Ferreira, que consideramos um grande senhor na área do Parkinson a nível mundial. Para nós não faria qualquer sentido termos colaboração com outros países e não ter colaboração direta com Portugal. Neste caso, uma coisa era querermos uma colaboração dele e a outra era o próprio aceitar essa colaboração, foi por isso uma honra que aceitasse esta colaboração. Também foi motivo de grande satisfação verificarmos que o trabalho que já tínhamos feito previamente, e que depois ele ajudou a concluir na parte clínica, foi bem-sucedido. Penso que estamos a oferecer um medicamento inovador e que vai trazer mais-valias aos doentes de forma importante. Relativamente à colaboração de outras pessoas, nós sempre privilegiámos a Academia Portuguesa. Temos consciência que apesar de termos mais de uma centena de investigadores a trabalhar para nós, são de 10 países europeus, essa equipa é relativamente pequena comparada com equipas de investigação de empresas multinacionais que têm largas centenas, chegam a ter milhares, de investigadores. Daí termos feito muita questão de nos envolvermos com a Academia e com as Instituições ligadas à investigação, a maioria das vezes universitárias, que nos apoiam e ajudam. Ao longo dos últimos 25 anos tivemos colaboração com 139 instituições diferentes, não só portuguesas, da Europa, Estados Unidos, Japão, Austrália, porque a Ciência faz-se em rede. Ao percebermos as nossas fragilidades fazemos pontes e com a Academia. E não fizemos só uma ponte, fizemos uma rede e felizmente com alguns centros portugueses, nomeadamente das Universidades do Porto, Nova de Lisboa, Coimbra e Beira Interior. Os nossos investigadores estão no coração dos projetos, mas depois temos de ir pedir apoio para dar continuidade. Avaliamos quanto tempo demora e quanto custa e avançamos.

Falemos de timings desde que nasce a ideia, até que o medicamento entra, na prática, para o mercado. Em números redondos falamos de quantos anos?
Luis Portela: Desde que se sintetiza uma nova molécula no nosso laboratório de investigação química, até que se consegue chegar ao mercado é um prazo médio, em Bial como na indústria farmacêutica em geral, entre os 10 e os 15 anos. Este medicamento da Doença de Parkinson demorou 11 anos, significa que temos conseguido encurtar os períodos.
Ouvi-o falar no Beyond Med sobre a importância de se fazer investigação, até para que a Medicina avance. Será que atuais estudantes de Medicina estão sensibilizados para a importância de aliar a investigação à clínica?
Luis Portela: Não convivo muito com os jovens médicos, agora o que posso testemunhar é que nas últimas duas décadas não tem sido muito fácil contratar médicos portugueses para a investigação que fazemos.
E porquê? Porque isso implica que estejam a tempo inteiro na investigação?
Luis Portela: Sim, de princípio não exigíamos isso, mas à medida que o trabalho se vai desenvolvendo, as nossas necessidades são de tal ordem que precisamos das pessoas a tempo inteiro. E por isso é que convido as pessoas, desafio os jovens, a vir conhecer a investigação em laboratório. Esta dificuldade de ter médicos portugueses na investigação tem vindo a diminuir, já vamos conseguindo ter mais alguns. Nas restantes faculdades temos muita facilidade de encontrar pessoas disponíveis e motivadas para investigação e que vêm de farmácia, biologia, química ou bioquímica, fazem doutoramentos e vêm fazer a sua carreira em Bial a tempo inteiro. Mas tem sido sempre mais difícil ter esta relação com os alunos de Medicina. Sabe que me parece que muitos dos jovens que escolheram Medicina sonham obviamente com o contacto com o doente, querem ser úteis ao outro, na prestação de serviços médicos e, provavelmente, dão um enfoque muito grande na carreira clínica e desviam-se da possibilidade de investigar; Mas depois também me parece que, durante o curso, as faculdades não foram procurando formatar, ou criando condições para alguns desses jovens se poderem interessar pela via da investigação. E parece que mesmo na carreira hospitalar o peso de avaliação final da investigação é muito reduzido.
E então não são estimulados o suficiente?
Luis Portela: Penso que não e depois assistimos a uma gestão economicista obsessiva dos últimos governos com a saúde. Quer-se é que se vejam muitos doentes, que não se desperdice o tempo, nomeadamente com a investigação. Esta parece-me ser uma visão algo desequilibrada, que os ministérios têm assumido e que devia ser contrabalançada pelo Ministério da Ciência que deveria alertar e sensibilizar os jovens para a carreira da investigação. E devíamos mostrar tantos casos brilhantes de investigadores que fizeram incríveis carreiras, saltando até alguns para áreas mais comerciais depois.
Saltamos um pouco de tema, mas é incontornável não se falar da Fundação Bial e do crescente investimento que se tem dado às áreas da Psicofisiologia e Parapsicologia. Este investimento foi uma “teimosia” sua, ou é um alargamento natural das novas áreas da Ciência?
Luis Portela: Não é uma teimosia minha, é antes uma paixão. Sabe que eu quando tinha 14 / 15 anos debatia-me com questões essenciais e que me fazia ponderar porque é que a Humanidade, sob o ponto de vista da fé, aceita tantas e demasiadas coisas, e essa mesma Humanidade, sob o ponto de vista da Ciência, renega a existência de fenómenos. Eu achava tudo isto muito estranho e entendia que o desejável era o caminho do meio. Tentar separar o trigo do joio, estudando sob o rigor do método científico a fenomenologia, apontada desde a antiguidade, demonstrando o que é que era verdade, o que era mentira, e o que é que se pode aproveitar disso para a existência e benefício da humanidade. Convenci-me que se fosse médico, depois poderia dedicar-me à investigação nessas áreas. Mas as coisas precipitaram-se e, com a morte do meu pai, acabei por assumir a Bial. O problema é que não achava ter vocação para gestor, os negócios a mim não me interessavam. Mas tinha muito respeito pela obra do meu avô e do meu pai. Estávamos nos anos 70 e a empresa estava numa situação difícil. Ainda tentei vender a posição que herdara do meu pai, mas como não encontrava compradores, resolvi comprar a maioria da empresa. Em 1979 era o Presidente da Bial, endividado até à ponta dos cabelos.
Isto significa que tive de deixar a investigação e os temas que queria explorar. Nessa altura prometi a mim próprio que se sobrasse algum dinheiro e se recebesse algum extra, tentaria ajudar aqueles que fizessem a carreira de investigação. Pensei que se um dia pudesse ajudar 6 ou 10 investigadores, já estaria a ajudar a Humanidade e teríamos mais frutos. Foi com esse sonho que criámos o prémio Bial em 1984 para a investigação em geral. E em 1994 convidámos o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas, para integrar uma entidade independente e sem fins lucrativos - a Fundação Bial - que gerisse, quer o prémio, quer as bolsas de investigação que estávamos a criar para os mais jovens e que ainda não tinham tanta oportunidade de se destacarem sozinhos. Claro que eu queria apoiar a Parapsicologia e a Psicofisiologia, mas não tinha coragem de fazer essa proposta.
Porquê?
Luis Portela: Achava que podia ser mal recebida pelo Conselho de Reitores. E foi para mim espantoso, quando fizemos as reuniões preparatórias com os representantes do Conselho de Reitores - que ainda hoje fazem, naturalmente, parte dos órgãos sociais da Fundação Bial -, que o Professor Nuno Grande, então Diretor do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, tivesse proposto que se apoiassem, precisamente, estas duas áreas. Eu ia caindo da cadeira abaixo e perguntei-lhe se ele tinha a certeza da decisão. E ele respondeu-me que se era a Bial que estava a investir, e sabendo que a minha área de investigação era a Psicofisiologia, e sendo a Parapsicologia uma área que eu queria explorar, então, que seria razoável procurar-se um esclarecimento acrescido dessas áreas sob o ponto de vista científico, assegurando ao Conselho de Reitores que tudo seria feito sob o rigor do método científico.
Calculo que essa foi uma das alturas em que lhe brilharam mais os olhos.
Luis Portela: Brilharam claro! Porque há coisas na vida que nos ultrapassam. Eu nunca seria capaz de propor essas áreas de investigação. Mas deixe-me dizer-lhe que, da ideia primária dos 6 /10 investigadores a apoiar, a outra coisa que foi fantástica na minha experiência na Fundação Bial é que já se conseguiram apoiar 1.350 investigadores, de 25 países diferentes. Há coisas na vida que podemos sonhar, mas que o pensamento não alcança.
Entendemos agora a ligação a estas novas áreas de investigação, mas como é que chega à Faculdade de Medicina, financiando um Laboratório - o LIMMIT – e que tem ao comando o nosso Prof. Mário Simões?
Luis Portela: Quando lhe disse que gostaria que houvesse uma investigação com rigor científico nas áreas da Parapsicologia e da Psicofisiologia, foi precisamente para que permita, por um lado, desmascarar alguns engodos e histórias mal contadas, e por outro lado, perceber alguns tipos de energias, desconhecidas, ou menos conhecidas do ser humano no seu atual desenvolvimento científico. Esta é a postura da Fundação e a minha. Não sou um homem de certezas, mas tenho a convicção de que esse tipo de investigação será útil. E não me cabe a mim, nem à Fundação defender o que é verdade, ou mentira. Cabe-nos apenas apoiar quem investiga e depois cada um faz o seu trabalho e desejando eu que sejam bem-sucedidos, sob o rigor do método científico. Claro que na Psicofisiologia e nas Neurociências em geral, Portugal tem gente boa e não nos faltam bolseiros candidatos. Na área da Parapsicologia aparecem grandes candidaturas, mas fora do país, EUA, Alemanha, Inglaterra, Itália, quase nenhumas portuguesas. Daí o meu apreço pelo Prof. Mário Simões que é dos poucos que tenta desenvolver esta área de uma forma séria, procurando desenvolver na Faculdade de Medicina um trabalho respeitado. Primeiro, foi ele que me fez um telefonema e depois tive um convite, do então Diretor da FMUL, o Prof. Fernandes e Fernandes para vir conversar com eles. Foi então que nos desafiaram para apoiarmos a constituição do novo laboratório (LIMMIT) e nós vimos isso com muita satisfação. E continuamos disponíveis para apoiar, com eles, o intercâmbio com instituições estrangeiras e já mais avançadas.
Facto é que na nossa cultura há ainda alguns entraves. Passa várias vezes a mensagem que já está na altura da Ciência começar a levar a sério a investigação nestas novas áreas. Mas ainda estamos muito longe disso, não estamos?
Luis Portela: Há certas áreas que às vezes não se sabe bem porquê, mas que há alguma dificuldade em serem desenvolvidas, criam-se determinado tipo de ideias, mitos e depois é difícil ultrapassar. As primeiras pessoas que defenderam que a Terra é redonda tiveram a vida muito complicada por causa disso. Temos muitos casos da evolução da Ciência ao longo dos séculos em que se percebe que as coisas são difíceis e esta área é assim. Mas também o que constato é que, ao longo das últimas décadas, tem havido uma relativa evolução. Deixe-me dar-lhe 2 ou 3 exemplos: a hipnose, a telepatia, ou seja, a transmissão de pensamento, ou a acupunctura, eram questões algo mal vistas há muitos anos atrás e hoje são métodos utilizados sem más conotações e um pouco por todo o mundo. Parece-me que devagar o Ocidente se vai abrindo a todas estas práticas.
“Aquém e Além do Cérebro” é um simpósio que se realiza de 2 em 2 anos, em que reunimos bolseiros e pessoas conceituadas das Neurociências e da Parapsicologia. Fomos percebendo que nos primeiros anos, há mais de 20 anos, estas duas partes não conviviam sequer. Com o tempo a relação foi mudando e hoje há muitas situações em que estes especialistas desenham projetos conjuntos e esta é a verdadeira maneira de se fazer Ciência. Por tudo isto digo que a Ciência não tem mais o direito de negar as coisas, devem arregaçar as mangas e ir à procura da verdade, esclarecendo a Humanidade.

Está bem, mas então o que é que responde quando lhe dizem que estes temas não são para a Ciência estudar porque não dão prova?
Luis Portela: Preferia que essas pessoas, em vez dessas afirmações categóricas, fossem para o laboratório e demonstrassem por que razão estas áreas não existem. Dizem muito, “mas isso não está cientificamente comprado” e eu respondo sempre, “mas também não está cientificamente comprovado o contrário”. O que me parece sério é que, sob o rigor do método científico, se mostre a verdade e a mentira.
Acredita que será ainda no seu tempo que vai ver comprovadas algumas das suas convicções pessoais?
Luis Portela: Eu gostava muito, mas não sei… Não sei se será no meu tempo.
Joana Sousa
Equipa Editorial
