Reportagem / Perfil
Viver diariamente com o cancro – o depoimento de Sandra Lucas
Encontro-a no Centro de Investigação Clínica do CHLN/ Hospital Santa Maria, Grupo de Ensaios do Serviço Oncologia, um projeto integrado no Centro Académico Médico de Lisboa (CAML).
Sandra Lucas tem 39 anos, veio trabalhar para Santa Maria em 2013 como Coordenadora de Ensaios Clínicos na área do cancro da mama. Alta e sorridente nota-se a sua presença que faz com que seja forte e contagiante.
Entrou para Santa Maria precisamente quando se deparou com a sua doença. Com uma filha pequena e tendo chegado subitamente ao fim do seu anterior emprego na ASAE, veio a uma entrevista para avaliarem se tinha o perfil certo para integrar o Grupo de Ensaios Clínicos do Serviço de Oncologia. Cheia de determinação, disse que estava a começar um novo caminho na sua vida e que o projeto a motivava a todos os níveis, a competência foi-lhe diagnosticada e ficou.
Tinha a expectativa de que tinha tido um cancro com intuito curativo e que pertencia aos 70% dos casos de cancro de mama que encontram cura. Mas num abrir e fechar de olhos, essa realidade desmoronou. A sua doença recidivou, tendo saído do seu órgão de origem. Diagnóstico: doença metastática, ou seja com estadio IV. A Sandra passou a fazer parte do grupo dos 30%.
A primeira vez que foi confrontada com este tema foi há 6 anos, a filha Madalena tinha 2, deixara de amamentar um ano antes e como o leite da mama direita secou, acabou por amamentar só da esquerda, facto este que a fez perder espírito crítico de avaliação de simetria mamária, quando apalpava um volume estranho nunca lhe pareceu completamente inusitado “achei que era uma mastite mal curada”. Associado ao facto de ter amamentado e porque não tinha antepassados genéticos, nem fatores de risco, nunca pensou que a doença lhe batesse à porta. Um dia, a fazer uns vapores no banho, lembrou-se de apertar o mamilo para ver se ainda tinha restos de leite, e saiu-lhe uma pinga de sangue. Rapidamente se dirigiu ao seu obstetra, que a encaminhou para a imagiologia para fazer uma ecografia mamária e uma mamografia que mostrou evidência de uma massa estranha. Seguiu-se um pedido de biópsia. Daí até receber um telefonema com os resultados dos exames foi um tempo de espera curto, de apenas oito dias. Tinha carcinoma invasivo da mama. Fez um pacote de tratamentos que incluíram Quimioterapia Cirurgia e Radioterapia e quatro meses depois de terminar todos os tratamentos do seu cancro, repara numa mancha na pele na parede torácica.
Ainda tentaram fazer tratamentos com antibióticos, na esperança de matar aquilo que desejavam ser uma infeção, mas nova biópsia viria a mostrar que era uma metástase de carcinoma da mama, e no re-estadiamento um gânglio na axila contralateral.
Mais tarde, com uma nova massa na mama direita, percebe que tinha progressão da doença, desta vez para a outra mama.
A doença voltara e mostrava-lhe que não era para lhe dar tréguas, a sua capacidade de lutar persistia na mesma medida.
Diz a sorrir que se há tratamento, então não há que ter medo. Mas mesmo que não houvesse, não haveria razão para preocupação, pois seria uma perda de tempo, um tempo precioso que deveria ser usado para melhores recursos. Vê o cancro como algo tão relativo quanto um despedimento, ou o fim de um casamento, como me repete por algumas vezes, “são situações que a vida nos oferece para desenvolvermos algumas ferramentas”.
Quando acabámos a nossa entrevista a Sandra foi fazer mais uma sessão de quimioterapia, diz que está em família porque desce umas escadas dentro do Hospital onde também trabalha e que já volta porque gosta mesmo de trabalhar e tem ânimo para isso. A quimio pode ser oral ou injetável depende do tratamento, mas num contexto curativo a toxicidade não é tão importante como para o doente crónico, este não deve receber tanta toxicidade para poder estender as linhas terapêuticas por mais tempo. Sandra é um destes casos crónicos. De mês a mês faz análises para avaliar a toxicidade dos fármacos no seu corpo e para tentar antever alguma progressão da doença. Aparentemente controlada atualmente, já fez sete linhas diferentes de tratamento para poder dominar o cancro.
Passou pelas fases todas que uma doença destas causa, mas que imaginação alguma alcança, a não ser a de quem passa pelo processo. A Sandra permitiu que entrássemos na sua vida mais profunda, falando de todo o processo do que é viver com um cancro. Falámos de tudo sem pedir licença às perguntas, ou desculpa às palavras.
Como é que se recebe a notícia que se tem um cancro?
Sandra Lucas: Ninguém está preparado para uma notícia destas. Mas depois podemos escolher como olhar para as adversidades da vida. Ou como vítima, ou então como facilitador de crescimento. Eu escolhi a segunda hipótese. Na altura, fiquei em pânico e claro que nos primeiros tempos tive que me permitir a chorar porque sabia que não era uma boa notícia. Descobri então um livro que dizia “Da medicação à meditação” e eu pensei que precisava daquilo porque era onde me implicava, e isto porquê? Porque tenho a responsabilidade sob mim própria. A mensagem principal que passava era que uma pessoa com uma doença podia ter saúde, e que uma outra sem doença, podia não ter saúde alguma, fazendo o apelo de se usar a saúde para recuperar da sua própria doença. Eu sentia-me cheia de saúde e por isso fez-me todo o sentido. Agora… há que dizer que, inicialmente, foi um choque.
Depois de se receber o diagnóstico o que é que se segue?
Sandra Lucas: Telefonaram para eu me apresentar numa consulta de Senologia, cirurgia mamária, e aí fui informada que tinha um tumor invasivo e que o gânglio que tinha sido submetido a biópsia, tinha metástases na mama. Como o tumor tinha 06.7 cm, primeiro precisava de começar por uma terapêutica neoadjuvante, ou seja, quimioterapia antes da cirurgia, isto para diminuir o tamanho da doença. Tudo isto para tentar que a cirurgia não fosse tão invasiva. Depois da cirurgia veio a radioterapia. Mas na verdade já estava de início decidido que ia ser uma mastectomia com esvaziamento axilar. E assim foi. Fiz uma mastectomia radical modificada. Fiz os tratamentos todos certinhos e estava pronta para seguir a minha vida já com uma história. Mas a doença voltou…
Porque fazia parte dos 30% onde pode reincidir a doença?
Sandra Lucas: Exatamente. Mas eu ainda tive esperança que, como estava perto da cicatriz da mastectomia, fosse uma recidiva local. Na sequência dos exames imagiológicos de re-estadiamento, para ver se havia a doença em mais algum lado, fui fazer uma PET (Tomografia por Emissão de Positrões, técnica de imagem de medicina nuclear que utiliza moléculas que incluem um componente radioativo), e percebi que a minha doença era sistémica. Estava num gânglio da axila contralateral e na pele e como o meu sub-tipo de tumor tem um índice proliferativo muito elevado, tive de voltar a fazer quimioterapia.
Deixe-me ver se percebi bem o que se passou consigo. A Sandra que fazia investigação de ensaios clínicos na área do cancro da mama tem a perversão de ter nas mãos uma doença que conhecia tecnicamente de trás para a frente… O excesso de informação foi o seu grande inimigo?
Sandra Lucas: No meu caso não, porque eu preciso de ter conhecimento para me sentir melhor, isso permite-me gerir melhor tudo. E apesar de confiar plenamente no meu médico, eu não lhe deposito totalmente a responsabilidade da minha doença, eu também me sinto responsável, cada um tem o seu papel. Eu acho que a literacia do doente, o facto de ele saber o que lhe acontece na alimentação, os fundamentos, as terapêuticas, dá-lhe um certo descanso. O que não invalida que não continue a ter fé e deseje ser um outlier, que é um ponto fora da curva, e ver que os estudos também têm uma certa heterogeneidade isto porque um doente pode ter uma doença que se manifesta de uma forma e depois de outra e cada doente é um caso isolado.
As biópsias foram-lhe dolorosas?
Sandra Lucas: (Sorri) São um bocadinho dolorosas, pode-se levar anestesia, depende do local onde faz. Doem fisicamente e moralmente. Fisicamente porque é como um arpão que vai buscar um bocadinho da nossa carne e cria uma cicatriz. Moralmente porque depois vem a espera da notícia e isso traz uma dor silenciosa.
O que é que acontece depois de se fazer uma biópsia que no seu caso não vinha acompanhada de boas notícias?
Sandra Lucas: Há uma reunião multidisciplinar da mama, composta por vários cirurgiões que operam mama, um anatomo-patologista, um imagiologista, um oncologista, um radiologista e um radioterapeuta; entre eles discutem, perante a biópsia, e exames imagiológicos a melhor estratégia para o tratamento das várias áreas onde vamos andar. Consoante o doente e o tipo de cancro a ordem de tratamentos é diferente, bem como a medicação e dosagens. No meu caso, decidiram que eu devia começar pela quimioterapia, nessa altura qualquer coisa que me dissessem era uma esperança e assim fiz tudo como me sugeriram. Isso significa que a primeira coisa com que tive de lidar foi com a queda do meu cabelo, a minha imagem ficou diferente, confrontei-me com os meus medos. Quando falamos em quimioterapia parece um grande palavrão e a pior coisa do mundo, mas não é, já faço quimio há seis anos e estou aqui normal e ninguém adivinharia.
O que veio a seguir à quimioterapia?
Sandra Lucas: A cirurgia. Fiz uma mastectomia. Precisei de algum acompanhamento psicológico porque tive alguma resistência ao início, achava que como era muito bem-disposta não precisava nada de ajuda. Mas aceitei ser ajudada por uma psicóloga, a título preventivo, porque estava com algum receio de me confrontar com a minha assimetria da mama. Ela foi uma ajuda espetacular, porque não é fácil lidar com o nosso corpo, aprendi que ele é um verdadeiro veículo. Então tive que me habituar a pensar que sou uma alma e tenho um corpo, mas é apenas um corpo, um meio de transporte pessoal.
Ajuda ter alguma base de crença, de fé, seja em que sentido for?
Sandra Lucas: Ajuda imenso, porque o medo apodera-se da nossa vida e temos tanto medo de tudo, que até temos medo de não acreditar em nada. Depois andamos em busca de sinais para nos agarrarmos a qualquer coisa, até que percebemos que temos que acreditar em nós próprios. Eu acho que tudo acaba por fluir se a pessoa se render, isso quer dizer, não estar em luta. Tem que haver uma aceitação, uma conquista de tempo e de nós próprios. Aprendemos a viver o dia-a-dia e a valorizar outras coisas. Nesta fase em que fiquei sem uma maminha, também é importante falar do suporte imenso que recebi do meu marido e da minha filha, do amor incondicional que me amparou. O que eu sempre senti com ele é que, se fosse a um casamento careca e de pijama, ele faria sentir-me uma princesa.
Terão tido as mulheres essa mesma sorte de ter alguém ao lado?
Sandra Lucas: Nem todas têm as mesmas oportunidades, mas é importante dizer que estes são bons fatores que facilitam, o que não quer dizer que se não os tivesse, não fosse da mesma forma. Nós temos de ser os protagonistas da nossa história e implicarmo-nos nos vários desafios que ela nos oferece.
O essencial tem que estar na Sandra, é isso? E nas outras mulheres o mesmo.
Sandra Lucas: Exatamente. Nós temos que ter responsabilidade sobre nós, temos que arregaçar as mangas e ver qual é o caminho. Temos que tentar que o nosso lado zangado não se apodere de nós, convém não sermos furacões só porque estamos zangadas. Todos na vida temos o lado sol e o lado sombra, e é na sombra que devemos ir à procura da luz.
Quando é que se conseguiu ver ao espelho depois de ter sido operada?
Sandra Lucas: Uma das coisas que me aconteceu é que se por um lado não me queria ver ao espelho, por outro já não tinha aquilo que me matava, supostamente… Sentia que o pior já tinha passado. A cirurgia é muito importante no processo oncológico porque nos tira algo que faz mal, é a saída do tumor. Eu lembro-me do meu medo de olhar ao espelho, mas por outro lado como tinha amamentado, já não tinha umas maminhas perfeitas. Então tentei ver pelo lado positivo, já retirei uma quando fizer reconstrução, volto a ter umas maminhas como dantes. No meu caso, como ia fazer radioterapia e tinha de dar descanso à pele, não fiz reconstrução. Depois, como acabei por ter recidiva na pele, acabei por não fazer nada, porque valorizo muito mais a vida do que a estética. Como tempos depois se verificou que havia cancro na outra mama, tive de fazer nova mastectomia.
(Suspiro) Uff…
Sandra Lucas: Não tem mal, veja as coisas pelo lado positivo, assim podia usar as próteses que quisesse e de forma simétrica, porque ficariam as duas iguais. Esteticamente, sou mais feliz assim, porque todos os processos que fazemos fazem diminuição de massa e isso causa ainda mais assimetria. Só precisei de comprar duas próteses iguais.
E teve de voltar a passar por todo o processo igual de tratamentos?
Sandra Lucas: Não, desta vez não foi igual porque, na verdade, a minha doença tinha evoluído de local para sistémica, ou seja, doença metastática. Por isso, os tratamentos já não têm um intuito curativo, a estratégia terapêutica assenta num propósito diferente.
As cicatrizes pesam-nos no decorrer da vida?
Sandra Lucas: Perante esta doença relativizamos tudo, até o nosso corpo. Passamos a vida a lidar com o “perfeito” e com as nossas crenças sociais, os sonhos que a mãe tem para nós, os sonhos da religião, os da escola, os da sociedade… isto deu-me oportunidade de ver o meu próprio sonho e perceber que o corpo não tem assim tanto impacto na minha vida. As cicatrizes não me preocupam, porque fazem parte da minha história.
Como é que se comunica a uma filha, que é também uma menina, que o corpo da mãe não está bem igual ao corpo que ela vai ter?
Sandra Lucas: Quando isto começou, a Madalena tinha dois anos e eu falava em inglês para ela não se aperceber, mas ela começou a perceber tudo e um dia olhou-me fundo nos olhos e eu percebi que ela estava com medo e sabia que se passava alguma coisa e que eu não estava a confiar nela. E então sentei-a perto de mim e disse que tinha um “dói-dói” na maminha e que tinha de a tirar. Ela limitou-se a perguntar se ia doer. Eu respondi que não ia doer nada. Quando isto aconteceu pensei que também tinha de a preparar para a minha queda de cabelo e então fizemos um cabeleireiro lá em casa, primeiro rapámos o cabelo ao pai, depois ela cortou o seu próprio cabelo e parecia uma esfregona e depois rapámos o meu. Depois decidimos que eu não ficava bem assim e fomos à procura de um cabelo de uma boneca. E passei a usar uma cabeleira.
Optou por usar cabeleira na rua, foi?
Sandra Lucas: Sim, porque nessa altura uma pessoa está muito fragilizada e o olhar dos outros, mesmo que não seja castrador, é de pena e sofremos imenso com isso. Mas quando a pessoa já se consegue afirmar e pôr um lenço giro e falar do assunto, então já se pode assumir a situação de outra forma.
A Madalena lidou bem com a sua imagem sem cabelo?
Sandra Lucas: Lindamente. No primeiro dia da mãe, depois de estar assim, estava completamente sem cabelo e tínhamos uma festa na escola. Cheguei lá e vi um estendal de t-shirts e percebi que era uma para cada mãe, não imagina… eu só transpirava das mãos e ela olhou para mim e perguntou baixinho “estás com o cabelo da boneca?’”, eu acenei que sim e disse que era um segredo só nosso. Sabe que aqui há uma quantidade de medos, os meus, os dela e o dos outros que não querem ser confrontados com a doença. Mas correu tudo bem e eu consegui pôr a t-shirt sem perder a peruca. Todos os dias aprendi a colocar um lenço e a fazer conjunto com um colar que ficasse a condizer e pensava para mim, “estás a ver? que bem que ficas!”. Sabe que a vida é para ter trabalho, não se pode desistir, nem descuidar.
Já olhava para o mundo dessa forma ou precisou de passar por este processo todo para aprender a viver a sério?
Sandra Lucas: (Sorri) Eu sempre fui muito brincalhona e otimista, mas o que estava por detrás disso não é o que está hoje. Tive de fazer muito trabalho interior e arranjar ferramentas para saber lidar com isto tudo e não me limitar a tomar medicação para me esquecer do que estava a passar. Eu não tomo antidepressivos, nada, é tudo trabalho meu, mental. Aquilo que descobri é que as pessoas fogem muito das suas feridas de alma, das memórias da infância. Sem pensarmos, enquanto crianças, desenvolvemos imensos sentimentos que nos causam dor, como a injustiça, humilhação, abandono, traição e vamos construindo máscaras para viver com eles da forma menos dolorosa e portanto, isto de estar sempre a rir era uma máscara de um comportamento que me definia. Mas o que estava na base de tudo era o medo, da não-aceitação. Esta doença foi o facilitador para eu chegar à minha essência e que hoje me faz rir de uma forma muito mais honesta. Hoje a minha felicidade está muito ligada às minhas conquistas e ao meu amor-próprio. Precisei de pagar muito para chorar, fiz terapia e precisei de tempo para me ver por dentro. Precisei de ver por detrás do meu ego, de fazer perguntas e de me confrontar com o medo de morrer, por exemplo. Precisei de me isolar para me resgatar, essa foi a minha salvação.
A Sandra tem medo de morrer?
Sandra Lucas: Há sempre algum receio residual do desconhecido, mas já não tenho esse medo, porque tenho vivido como se fosse sempre o último ano, ou o último mês e faço exatamente aquilo que gosto e não estou sempre a protelar coisas. Ainda este fim-de-semana fui saltar de para-quedas, eu não fui cair, fui voar porque me atirei de 5 mil metros, assim tive imenso tempo para voar porque demora a abrir o para-quedas. Ficamos um minuto em queda livre e assim temos a sorte de voar.
Como é que vai ser a sua vida amanhã?
Sandra Lucas: Igual à vida da Joana, porque a Joana também não sabe o que vai ser. Ambas sabemos o que foi o passado, mas nenhuma de nós sabe o que nos espera. Passamos imenso tempo da vida a pensar no passado e agarrados a essas memórias e sempre a pensar no futuro. E o presente, que é o momento mais maravilhoso porque agora não me dói nada e estou a ter uma conversa maravilhosa consigo, não damos valor. E eu dou muito valor hoje em dia. Então, por que razão tenho eu de pensar no amanhã? Se há riscos? Há. Mas há que agradecer o hoje. Desapego e gratidão foram dois conceitos que aprendi.
size="30"
Hoje em dia a Sandra usa próteses externas, por sua opção não colocou implantes porque acha que vai agredir a pele e promover a disseminação da doença que neste momento só está na pele.
Todos os dias resolve muito bem a sua realidade, apesar de ter presente que as coisas dão trabalho, sabe que é a gratidão que lhe dá o realismo para não viver com demasiada expetativa do amanhã e agarrar o hoje tal e qual o recebe.
Sobre a Madalena, vai-lhe colocando migalhas no caminho para que possa, sozinha, seguir as pisadas sem precisar de ninguém. Diz-me que, “mais do que lhe criar raízes, tem criado asas para que saiba voar sem a mãe”, discretamente vai criando álbuns completos com fotos de ambas e preenchendo livros com receitas que são para ficar, já escreveu a fita da queima de fitas, não vá a presença física falhar.
Sandra sabe que passa mensagens e exemplo de esperança e determinação e por isso não se cansa de repetir a sua história. Vai trabalhando com outros doentes e é uma espécie de porta-voz informal de um grupo de doentes, os doentes metastáticos, os tais 30% que não têm intuito curativo, apesar de contarem com tratamento. Explica que não há voluntárias para a doença metastática porque, se por um lado esta nunca expira, por outro as doentes vêm a possibilidade do seu pacote de vida ser mais reduzido e aqui o tempo ganha outro valor, para ser gerido de uma forma mais egocêntrica. O estigma de que quem tem um cancro de mama em estadio precoce, faz das doentes vencedoras, acaba por ser esmagador para aquele grupo em que a doença volta e isso não as torna perdedoras, “só que o seu pacote de vida está mais pesado”.
Sente falta que a Portugal cheguem mais ensaios clínicos, para que se possam criar mais linhas de tratamento, hipóteses de mais tempo de vida a quem está doente, “nem que sejam 5 meses”. Tem esperança que daqui a 5 anos se tenha descoberto muito mais sobre o cancro e as suas formas de tratamento. Enquanto esse tempo não chega vai multiplicando os meses e fintando o tempo enquanto se ri com ele.
O tempo que quer apanhar e caminhar lado a lado, à espera que lhe chegue a resposta. Uma resposta sobre a cura para o seu corpo, já que a alma já lhe deu tréguas.
size="30"
Joana Sousa
Equipa Editorial