Espaço Ciência
Sérgio de Almeida e a sua nova arma no combate ao cancro da mama
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Sérgio de Almeida tem 39 anos e é um dos investigadores principais do iMM e Professor da FMUL. Nasceu em Castro Daire, mas cedo foi estudar para Viseu e cedo também percebeu que precisava de alargar a cerca das suas vivências para ganhar experiência e conhecimento. Formado em Bioquímica na cidade de Coimbra, fez o doutoramento em Ciências Biomédicas no Porto. Porque queria ser cientista, sabia que tinha de fazer o pós-doutoramento e foi por isso que seguiu para Lisboa. Escolheu o Laboratório de Carmo Fonseca no iMM. Depois disso, foi crescendo por si e lançando dúvidas, colocou questões e procurou respostas. Lançou perguntas de investigação básica, designação aliás que aprecia pouco porque afirma convicto que a “investigação é boa, ou má, depois o resto advém daí”. Das questões que colocou elas viriam a ter impacto no cancro, mas quando põe ideias em cima da mesa e lança novas perguntas, não está a canalizá-las de propósito para o cancro, já que a sua área de trabalho é sobre o ADN.
Atualmente investigador principal (group leader) do iMM, Sérgio de Almeida recebeu recentemente uma bolsa do Fundo iMM-Laço, totalmente comparticipada pela Pioneer, para uma investigação em cancro da mama, coincidências de estudos que se cruzam em ideias comuns. “Tudo começou com um projeto de investigação muito fundamental, com uma publicação que tivemos no início de 2017 e que toca muito levemente no tema do cancro. Um processo que descreve questões fundamentais e que entretanto nos fez perceber que tinha todo o potencial para se transformar em alguma coisa com grande relevância e nomeadamente ligada ao cancro de mama, mas não só”.
Com um valor de 25 mil euros do Fundo iMM-Laço, para poder afinar o foco no cancro da mama, Sérgio conta com outros financiamentos, o último da FCT (Fundação para a Ciência e Tecnologia), o que lhe permite ter investigações continuadas e com uma equipa de 8 elementos que trabalha consigo. Já não está tanto na bancada como no início, mas ainda o faz quando precisa de ensinar algum método aos que acabam de chegar, na sua equipa já tem quem ensine por ele, ainda assim volta às origens sempre que é preciso esclarecer ou ajudar os mais novos. Da bancada o que mais lhe dá saudade é o momento em que dizia “eureka, eu descobri isto e fui o primeiro a vê-lo ao microscópio”, agora coordena para que outros possam estar na bancada e fazer essas mesmas descobertas que ele. Ensinar é uma função que adora e não delega para segundo plano.
Esta paixão por explicar o porquê das coisas, faz sentido para que alguém, que também é Professor de Biologia Molecular da Célula do 1º ano e de Oncobiologia do 3º, na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.
A trabalhar no 3º piso do edifício Egas Moniz e onde fica o iMM recebe-me para falarmos da investigação que está a desenvolver para o Fundo iMM-Laço, mas rapidamente percebo que a sua paixão não é só a Ciência, mas o contacto diário de desafio entre um aluno e um verdadeiro Professor e isso sente-se porque explica a Ciência de tal forma que todos ficamos a achar que, afinal, ela é fácil.
Disse-me que está sempre à procura de perguntas, qual foi a pergunta a que tentaram responder para esta investigação que veio tocar no tema do cancro da mama?
Sérgio de Almeida: Eu uso a metáfora de um navio, para explicar o objetivo da investigação e porque é mais fácil de entender. Nós vamos estudar um cancro de mama muito específico que é o hormono-dependente, o mais frequente, geralmente aquele que as mulheres mais ouviram falar e que à partida tem um bom prognóstico. O tratamento é hormonal, não sendo tão agressivo como os tratamentos baseados em quimio e radioterapia. A dúvida que colocámos, e comparando estes cancros a um navio, foi a seguinte: um navio que está a navegar a uma velocidade muito alta num mar muito agitado, muito provavelmente, vai deixar entrar água. Agora imagine que esta água são lesões que as células do cancro acumulam no seu ADN. Estas células proliferam tão rapidamente que vão acumular muitas lesões. E o que é que acontece? Tal como um navio tem uma tripulação encarregue de deitar água fora para o navio não se afundar, nós também descobrimos que nas células que estão a proliferar muito rápido, também há moléculas que vão prevenindo o efeito da lesões no ADN, permitindo assim que elas consigam continuar a proliferar e o tumor a crescer.
Então a pergunta que fizemos perante este cenário foi: como é que podemos afundar este navio que navega a alta velocidade? Vemo-nos livre da tripulação que tira a água e com isso afetamos muito pouco todos os outros barquinhos que estão à volta que vão a uma velocidade muito mais baixa e assim veem muito pouca água a entrar. Se a estratégia fosse atirar ainda mais água até o barco afundar, causaríamos danos nos barquinhos à volta. Esse seria o efeito de um tratamento como a quimioterapia, ia criar mais lesões ainda com muitos efeitos secundários. Ora foi isto que descobrimos. Se eliminarmos esta tripulação numa célula normal, ela continua a sua vida normal porque não está a proliferar a uma velocidade tão grande. Se forem células do tumor da mama hormono-dependentes e ficarem sem esta tripulação, ou seja, sem esta molécula, então as células morrem.
Mas isso seria um avanço excecional.
Sérgio de Almeida: E nós achamos que é. Estamos, aliás, neste momento em conversações para fazer a transferência da tecnologia e da propriedade intelectual para que possa ser materializado. Mas isso já vai além do que fazemos aqui no Laboratório e envolve outros parceiros e outros recursos financeiros. Mas em laboratório, in vitro e em cultura de células, nós vemos que se tivermos uma cultura de células que não é cancro de mama hormonodependente, e uma cultura de células que é hormonodependente, eliminamos esta molécula nesta cultura hormonodependente e as células morrem; nas outras as células continuam a sua vida perfeita. Então o que achamos é que temos aqui uma terapia que é altamente específica e diz a nossa previsão que terá muito poucos efeitos secundários.
E sabe como vão eliminar essas moléculas?
Sérgio de Almeida: Em laboratório e em cultura de células nós conseguimos fazer diferentes abordagens experimentais para eliminar as moléculas. Podemos interferir com a expressão do gene que dá origem a esta molécula, isto em laboratório é possível, mas na pessoa é mais complicado. Mas claro que há sempre a hipótese de desenvolvermos uma droga, um agente químico, que vai inibir seletivamente a molécula. A nossa intervenção termina quando identificarmos um druggable target, ou seja, um alvo que fica inativo com um químico. A nossa prova de conceito que é a validação da hipótese original está estabelecida, ou seja, aquilo que é a nossa experimentação in vitro, isso podemos dizer que já está conseguida. E isto aconteceu neste último ano com os fundos desta bolsa (iMM-Laço).
A seguir a esta pergunta há sempre outra pergunta que vem a seguir?
Sérgio de Almeida: Perguntas não nos faltam…
Um Group Leader vai para a bancada?
Sérgio de Almeida: Pode ir, eu vou quando é preciso ensinar e algumas coisas gosto de ser eu a ensinar, porque gosto que as coisas fiquem feitas exatamente da mesma maneira que eu faço. Mas vou cada vez menos, porque tenho a sorte de ter pessoas que ensinam quem chega. Não vou para a bancada fazer experiências como dantes, mas sento-me com as pessoas na bancada para analisar resultados, isso faço muito.
Explicava-me há pouco que dá aulas aos alunos de 1º ano da Faculdade e depois aos de 3º. Vê diferença de evolução entre um ano e outro e do envolvimento deles enquanto alunos?
Sérgio de Almeida: Vê-se muito bem a diferença. Eu dou aulas ao 1º ano, no 1º semestre. Apanho-os muito amedrontados, muito assoberbados com a Anatomia que os consome bastante, porque é uma cadeira muito exigente. E no 3º ano já dou aulas a muitos que apanhei no 1º ano e é muito interessante, porque principalmente ao nível da autoconfiança e da postura deles na aula, é espetacular. Eles crescem mesmo! Ficam muito mais confiantes e acreditam mais naquilo que sabem, apresentam e discutem temas com mais autoridade e já não dão tudo como garantido e perguntam-nos muitas vezes porquê.
E é desafiante para si, enquanto Professor, ter alguém que lhe tenta contra-argumentar e mesmo rebater ideias?
Sérgio de Almeida: Mas é exatamente assim! E se não for dessa maneira as aulas nem sequer têm interesse. Se for para chegar lá e debitar matéria, então o Professor Universitário nem precisa de ter nenhuma formação especial, qualquer pessoa pode passar um conjunto de slides e dizer o que é importante estudar. Se não houver esta interatividade entre o Professor e aluno e se o Professor não satisfizer esta curiosidade do aluno, em que o Professor tem que ter uma preparação e um conhecimento muito mais alargado, então servimos para muito pouco.
O seu desafio é ter esse lado de discussão?
Sérgio de Almeida: Sim é isso mesmo que me faz gostar de dar aulas. Eu gosto cada vez mais de dar aulas. No início, como vinha mais desta carreira de fazer investigação tinha receio que dar aulas me fosse roubar tempo para investigar. Mas percebi que não. Dá-me cada vez mais prazer dar uma aula. Porque os alunos fazem, por vezes, perguntas que são coisas que nunca tínhamos visto daquela perspetiva. Eu lembro-me sempre de Sydney Brenner, ele é um homem muito respeitado na comunidade científica e escreveu uma carta que começava a dizer: “eu acredito muito no poder da “ignorância”. Acho que podemos sempre saber demasiado”. Esta frase reflete muito bem as oportunidades que nós temos de aprender com alunos, nem que sejam do 1º ano, porque esta “ignorância” é sinónimo de ingenuidade e não de iliteracia. Mas ele continua nessa carta e diz que são esses alunos que chegam ao campus, ainda muito novos, que muitas vezes fazem as grandes descobertas. Quem está há muito tempo a trabalhar no mesmo tema já sabe demasiadas razões pelas quais uma determinada experiência não vai funcionar, já tem o pensamento muito enviesado. Um miúdo que chega de novo faz uma pergunta e vai tentar responder a essa pergunta. Às vezes a resposta é surpreendente e é algo que ninguém estava à espera. É por isso que no meu Laboratório, e isso é muito visível nas nossas publicações, não publicamos sempre no mesmo tema, obviamente temos um denominador comum, mas saltamos de sub-tema. Eu tento não estar demasiado tempo a trabalhar no mesmo assunto porque depois só fazemos uma investigação incremental e isso faz-nos andar apenas em círculos. Se escolhermos novos temas temos de estudar muito, mas permite-nos fazer novas perguntas que se calhar, para quem está há muito tempo na área, acha básico, mas isso é mais desafiante.
É pela sede de caminhar em território desconhecido que muitos cientistas, investigadores, professores e médicos tentam encontrar explicação para aquilo que ainda ninguém percebeu. Fintar os limites impostos pela natureza e perseguir os desafios que o corpo humano nos impõe é aquilo que os move.
Aquele que foi um dia também um jovem aluno, que decidiu que a sua terra não lhe bastava para crescer, hoje defende e educa os alunos e os seus próprios filhos que é com base na confiança que se alcançam os patamares de maior qualidade. Sérgio de Almeida busca a excelência e acredita nas gerações que se seguem para fazer mais, para continuar a fazer melhor.
Os 25 mil euros do Fundo iMM-Laço permitiram-lhe fazer os testes nas culturas in vitro e validar a prova de conceito.
Na soma das vontades de todos estes Laboratórios é imperativo que se acrescentem os fundos e os apoios do Governo e só assim, mesmo que não seja nas nossas gerações, outras poderão vencer o cancro da mama e outros cancros e tantas outras doenças. E só assim o círculo da descoberta continuará a existir.
Saiba mais sobre o seu trabalho de investigação do Fundo iMM-Laço:
https://youtu.be/AxxzKCMsWpI
Joana Sousa
Equipa Editorial
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