Reportagem / Perfil
Joana Sousa, Professora da nova Licenciatura em Ciências da Nutrição – “Temos um know how de diferenciação na área da Nutrição que é único!”
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Quando Joana Sousa soube que ia entrar para o curso de Dietética da Escola Superior de Tecnologia de Lisboa (ESTeSL) sentiu uma grande desilusão. Tinha acabado de chegar à Reitoria quando, afixado naqueles enormes vidros, viu o seu nome alocado à sua 6ª opção de curso. O seu grande objetivo era as Ciências Farmacêuticas e não entrou por 4 décimas. Obstinada e com a ideia fixa sobre o seu futuro ideal, ao fim do 1º ano de curso onde revelara ter excelentes notas, tentou pedir transferência para a Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa. Entraram 15 alunos, mas nenhum deles era a Joana que tinha ficado colocada em 16º lugar. Essa foi a altura em que deu tréguas ao destino e entendeu que, se ele a contrariava tanto, então alguma mensagem haveria para descodificar. Emociona-se quando se lembra das palavras do pai, quando chegou a ponderar não ingressar no curso de Dietética e ficar a fazer melhoria de nota para tentar Ciências Farmacêuticas no ano seguinte, “se entraste foi por alguma razão, temos é de ser bons e dar o máximo em algo e portanto avança!”. Joana Sousa avançou sem nunca mais querer agarrar as Ciências Farmacêuticas, projeto muito influenciado por uma amiga de infância que queria seguir esta área e cuja mãe tinha uma farmácia.
Estava no 2º ano na ESTeSL quando conheceu, acabada de chegar ao curso, Catarina Sousa Guerreiro. Seguiram, na verdade, percursos semelhantes ao longo do curso e o facto é que terminado o seu papel de estudante, Joana foi convidada para ficar a dar aulas ao curso de Dietética e integrar o seu corpo docente. No ano seguinte Catarina seguiria os mesmos passos. “Sempre estivemos lado a lado ao longo do crescimento do curso”.
À época, o curso era uma licenciatura bietápica, mas Bolonha viria mudar o enquadramento em 2006, passando a ser uma Licenciatura de raiz. Em 2009, Joana e Catarina entram nas duas vagas para professor adjunto na área da dietética e nutrição que abriram na ESTeSL. Mal elas sabiam que iriam seguir um caminho conjunto e cada vez com mais responsabilidades.
Aceite que estava a Nutrição como parte enraizada na sua vida, planeou que o que lhe fazia sentido era a Pediatria, muito ligado ao facto de sempre ter adorado crianças, sendo até um objetivo de profissão, quando criança, ser educadora de infância. Os sonhos tinham agora encontrado o rumo certo, porque entrou onde quis e o seu primeiro local de trabalho como Dietista na altura, foi o Hospital Dona Estefânia, integrando o serviço de dietética e nutrição onde dava apoio ao internamento, bem como à consulta externa. Mais tarde seguiu o seu caminho na área hospitalar, mas, desta vez, com os graúdos do Hospital Militar de Belém. Diz que deixar a Pediatria foi das decisões mais difíceis da sua carreira. Estava nesta altura a entrar no Mestrado de Saúde Pública e seguiu o Doutoramento, também em Saúde Pública, com uma linha de investigação de interesse na área da Obesidade Infantil, problemática até à data desconhecida ao nível nacional. Foi a primeira pessoa a fazer o retrato da prevalência da obesidade infantil e de adolescentes em Portugal Continental, com uma amostra de quase 6 mil crianças entre os 10 e os 18 anos.
Mãe de dois filhos, o Martim e a Constança de 11 e quase 10 anos, respetivamente, são os seus mais aplicados seguidores, não gostam particularmente de doces e a bebida preferida de ambos é a água. À Constança, quando falta a salada, como acompanhamento na refeição, reclama. Tal como as metas traçadas para o futuro profissional, também as fez na vida familiar, mas facto é que o terceiro filho não aconteceu ainda. Pelo menos ainda!
Acha sempre que é rigorosa demais, principalmente com os seus, defende que nenhuma criança nasce com a vontade permanente pelo doce e que dar diversidade ao paladar é uma forma de educar, só é preciso é não desistir.
Foi sempre com este sentido de cuidados saudáveis que Joana Sousa foi percebendo o seu interesse pelas questões comunitárias e de saúde pública, sempre numa vertente muito ligada à criança. Não foi por acaso que se dedicou à Associação Portuguesa de Dietistas e que tanto se envolveu na Ordem dos Nutricionistas, tudo em prol da saúde nutricional dos portugueses. Ainda hoje Joana integra a Direção da Ordem.
Ensino, investigação e apoio à comunidade são os pilares onde assentam as suas ações e toda a preocupação.
Como é que vem parar à Faculdade de Medicina?
Joana Sousa: A minha ligação à FMUL já existia, ainda que de forma ténue, pelo facto de integrar o corpo docente do Mestrado em Nutrição Clínica, da parceria entre a FMUL e a ESTeSL. Foi após o desafio proposto à Professora Catarina Sousa Guerreiro que depois, me propôs para que com ela abraçasse este projeto que nasceu esta ligação mais próxima com a Faculdade. Era um projeto grande, de enorme envergadura, que implicava pensá-lo bem de raiz. Depois, confesso que na altura, fiquei um pouco apreensiva porque a minha ligação à ESTeSL era muito grande e duradoura (desde 1997). (Ainda hoje é grande o carinho que tenho por aquela instituição e sempre disse que a ESTeSL era a minha 2ª casa! Querendo ou não, senti que poderia existir uma concorrência direta à minha Escola do passado. Senti, no entanto que eram fases da vida e que não ia invalidar todo o meu percurso anterior. Saímos ambas da ESTeSL em 2017, e conseguimos ambas entrar por concurso público para dois lugares de professor na Faculdade de Medicina, eu como Professora Auxiliar e a Professora Catarina como Associada. Se a Professora Catarina tem uma vertente prática e clínica, eu estou mais ligada à vertente académica e organizacional. Nos últimos anos na ESTeSL estive envolvida em órgãos de gestão e em questões mais práticas relacionadas à organização da licenciatura e acabámos por desenvolver trabalhos e complementar experiências e conhecimento.
Da experiência académica que traz do passado isso permite-lhe, provavelmente, saber o que é que vos espera.
Joana Sousa: Vai ser um grande desafio acima de tudo. As coisas foram pensadas e estruturadas para o sucesso, mas é claro que o ponto de interrogação está sempre lá. Este curso tem uma mais-valia e uma responsabilidade muito grandes que é o facto de ter a cara da Faculdade de Medicina, com ligação a mais duas unidades orgânicas da Universidade de Lisboa, a Faculdade de Motricidade Humana e a de Farmácia. Traz-nos um know how de diferenciação na área da Nutrição que é único. Estamos numa fase em que me é muito difícil identificar as dificuldades atuais da Nutrição. Esta está numa realidade diferente desde há 5 ou 10 anos, sendo nos dias de hoje quase como uma moda, o que faz com que haja muita procura de formação nesta área. O único ponto que destaco como menos positivo e que identificámos quando fizemos uma análise SWOT (Strengths, Weaknesses, Opportunities, Threats) do curso foi a eventualidade de estarmos dentro “do chapéu” da Faculdade de Medicina. Estar agrupados à Faculdade é uma mais-valia, mas temos o handicap de ter uma imagem tão associada apenas à Medicina que poderá não ser fácil criar uma identidade própria das ciências da nutrição. É muito por isso que nos queremos bater. Se há uns anos isto poderia ser uma forma para aqueles que, eventualmente e por questões de média académica, não entravam em Medicina conseguirem entrar na Faculdade através das Ciências da Nutrição e tentar a transição entre cursos ao final do 1º ano, podendo desta forma criar um caminho paralelo, hoje a realidade é outra e o estudante terá sempre de terminar o ciclo de estudos. Claro que podem estar menos motivados, mas depois também nos cabe a nós mudar as esse panorama fazendo os estudantes sentir que estão a integrar uma formação que queremos de excelência e que muito contribuirá, também através deles pelos profissionais que serão, para a melhoria do panorama da saúde alimentar e nutricional em Portugal.
O que mudou nestes últimos anos que a faz dizer que os alunos também estão diferentes?
Joana Sousa: A Nutrição tem cada vez sido mais falada como uma estratégia, do ponto de vista da saúde. A alimentação é o fator de risco modificável que mais contribuiu para prevenir as principais causas de morte. Há uma preocupação cada vez mais presente nas pessoas. E infelizmente hoje em dia, grande parte das pessoas acha que percebe cada vez mais de alimentação tendo até aqui uma grande influência as redes sociais e o uso que algumas personalidades delas fazem. Isto criou mitos e alguns problemas em termos de saúde pública. Tudo isto nos dá mais vontade de marcar claramente a diferença porque queremos e devemos demonstrar e afirmar que é o Nutricionista que tem o know how suficiente para perceber, com base na evidência científica, e em função das características individuais e/ou populacionais, qual a intervenção alimentar e/ou nutricional necessária. A Nutrição cresceu muito em termos de interesse e impacto junto da população em geral e é o rigor nesta área que queremos que exista. A procura pelo bem-estar geral e pela prática da atividade física tem potenciado o interesse e o crescimento do conhecimento na área da Nutrição. Esta ligação entre a nutrição e a atividade física e o facto de termos a Faculdade de Motricidade Humana como entidade parceira deste projeto, diferencia claramente a oferta formativa e poderá eventualmente potenciar a procura deste curso dado o conhecimento especializado e diferenciável na área que poderá oferecer.
Fomos ouvindo falar ao longo do tempo de Dietistas e Nutricionistas e da luta para terem papéis iguais. Mas então quais são as diferenças?
Joana Sousa: Esta é uma situação que desde 2015 deixou fazer sentido. A Ordem dos Nutricionistas definiu que qualquer licenciado em ciências da nutrição, dietética ou dietética e nutrição, desde que essa formação fosse reconhecida pela Ordem, tem acesso à profissão de Nutricionista. Para os profissionais que exerciam a profissão de Dietista, existe a possibilidade (até outubro de 2018) de requererem a convergência para nutricionista. Isto foi possível porque, na realidade, as diferenças não existem. Portugal era dos únicos países, a nível da Europa, que tinha dois profissionais que do ponto de vista de nomenclatura eram diferentes, mas cujas competências profissionais eram idênticas. Ao nível europeu e mundial estamos a falar do Dietitian, sendo que em Portugal a profissão a que corresponde este profissional é o Nutricionista.
Estes profissionais desenvolvem a sua atividade profissional em três grandes áreas de atuação ou até mesmo áreas de especialidade: Alimentação Coletiva e Restauração, Nutrição Clínica e Nutrição Comunitária e Saúde Pública. São as três áreas com maior crescimento ao nível nacional e com enquadramento europeu e mundial.
Portanto os nossos alunos quando terminarem o curso serão Nutricionistas?
Joana Sousa: Serão Nutricionistas e com acesso à Ordem dos Nutricionistas. São licenciados em Ciências da Nutrição, com 240 ECTS (créditos), 4 anos e 8 semestre curriculares e estágio académico de 30 ECTS.
E o que podem eles ambicionar para o futuro?
Joana Sousa: A nossa Licenciatura teve em conta a articulação das diferentes unidades orgânicas, mas também foi desenvolvida tendo como base o referencial para a formação académica do Nutricionista, da Ordem dos Nutricionistas. Este referencial emana as orientações para aquilo que deve ser a formação de 1º ciclo para acesso à profissão de Nutricionista. Temos, claramente, um plano de estudos que trabalha competências para as três principais áreas de intervenção: Nutrição clínica, com a vertente da patologia e da intervenção nutricional; depois a vertente comunitária e de saúde pública, olhando mais para a perspetiva epidemiológica e com uma vertente de promoção da saúde coletiva ou individual; e depois a vertente da alimentação coletiva e da restauração, ou seja, através do controlo da qualidade alimentar e oferta alimentar para grupos específicos. Depois dentro destas três grandes áreas, podemos pensar em subáreas mais específicas e é aí que vamos ganhar muito na nossa parceria com as outras Faculdades (Motricidade Humana e Farmácia). A Nutrição no desporto é uma das áreas que mais está a crescer e que tem tido uma procura enorme e claro que a Faculdade de Motricidade Humana vai ser uma mais-valia grande.
Uma outra área muito interessante é a tecnologia e inovação alimentar. Existe nos dias de hoje um enorme crescimento da oferta alimentar que tenta responder à procura crescente de alimentos com características específicas. Temos tido, por isso, um cada vez maior desenvolvimento e aposta profissional nesta vertente técnico-científica de elaboração de produtos que possam corresponder a determinadas características nutricionais.
Falamos de que tipo de produtos?
Joana Sousa: São desenvolvidos produtos que possam responder a determinadas necessidades. Em qualquer superfície comercial podemos verificar que existe uma cada vez maior variedade de produtos sem açúcar, sem glúten, sem lactose, suplementados com micronutrientes específicos, entre outros. Todos tentam responder a determinadas características nutricionais específicas.
Mas será que temos cada vez mais essas intolerâncias alimentares, ou sempre as tivemos só que não as conhecíamos?
Joana Sousa: Isso é um tema, do ponto de vista de saúde pública, interessantíssimo e que receio que se possa tornar um problema daqui a 10 anos. As intolerâncias alimentares sempre existiram e sempre foram diagnosticadas. É verdade que podemos ter indivíduos com maior suscetibilidade, mas a verdade é que este tema também se está a transformar muito numa grande moda e num grande mito, fazendo com que as pessoas tenham determinadas convicções e receios, tomando atitudes muito radicais, retirando completamente da sua alimentação este tipo de nutrientes. Isto pode potenciar ainda mais aquilo que pode vir a ser a intolerância alimentar. Ou seja, se eu vou privar o meu organismo da ingestão daquele nutriente, durante muito tempo, fisiologicamente podemos reagir, inibindo os mecanismos fisiológicos necessários para metabolizar este tipo de nutrientes, podendo atrofiar a sua produção e atividade. Poderemos eventualmente estar a desenvolver uma intolerância secundária, por privação de ingestão? Temo que daqui a 10 anos exista, de facto, uma maior prevalência deste tipo de intolerâncias alimentares pela alteração do comportamento alimentar das pessoas muito centrado do eventual mediatismo e radicalismo de determinadas opções alimentares. Falta algum equilíbrio e bom senso, em contraponto com posturas cada vez mais radicais e abruptas para o organismo e que geralmente advêm de decisões individuais e sem acompanhamento clínico e nutricional. Às vezes é só por lermos um artigo, nem sempre escrito pelos profissionais competentes para tal, e porque este nos parece fazer sentido, que decidimos fazer mudanças alimentares, e que depois, na realidade, poderá ter implicações do estado de saúde do indivíduo.
Estamos numa altura em que fomos recentemente eliminados do Mundial de futebol, mas todos seguimos, de alguma forma, a prestação do país e essencialmente do Ronaldo. Ele é um fenómeno que podemos afirmar que não é só de motivação, ou de treino, porque a performance dele vai evoluindo, mesmo com mais idade. E parece que um dos seus grandes trunfos é a alimentação super calculada.
Joana Sousa: Ele perde peso, mas a percentagem de massa muscular, a massa magra, aumenta naquilo que é o seu peso total e é isso que também lhe permite ter melhor capacidade desportiva. Cada vez mais a performance desportiva e física vê na alimentação um papel chave. Temos também o muito falado caso de Messi, outro expoente máximo do desporto, que recorreu à ajuda de um nutricionista alterando os seus hábitos alimentares resolvendo ou mitigando problemas que estava a demonstrar em campo. E isto é estudado, a evidência científica tem crescido muito nesta área, dos estudos serem feitos com base em amostras relativamente pequenas. Também é uma área específica que pelas suas características não nos permite desenvolver e trabalhar amostras muito maiores. Mas, as que temos, vão-nos permitindo, nas diferentes modalidades, perceber a importância da alimentação e do seu impacto no pré-competição, no momento da competição, na pós-competição, e que todos estes elementos se tornam fulcrais para a melhoria da performance, num momento decisivo. Neste contexto, dou o exemplo do excesso de consumo proteico. Hoje em dia é senso comum a mensagem que para aumentar massa muscular devemos aumentar o consumo de proteína. Em contexto de atividade física de lazer, individual, quando não existe qualquer avaliação e intervenção nutricional é muito frequente que por auto iniciativa o individuo altere o seu padrão alimentar com aumento, na maioria das vezes desregrado, de alimentos que potenciam do consumo total de proteína ou outros nutrientes que mediaticamente são comunicados como potenciadores deste efeito. Isto tem um impacto preocupante, em termos de saúde pública, porque um comportamento continuado deste tipo não tem efeitos negativos no imediato, mas a longo-prazo poderá ter implicações de saúde muito negativas. Todos os nutrientes são fundamentais, mas cuidado com equilíbrio e as características e objetivos físicos e desportivos de cada um. Um acompanhamento nutricional especializado é fundamental.
Essa é uma mensagem importante não só para quem vem fazer o curso, mas de utilidade pública. Advertir para as consequências dos planos alimentares personalizados, sem conhecimento para os fazer.
Joana Sousa: Isso para mim é o grande problema quando falamos da alimentação e nutrição. E daí o meu fascínio pela nutrição comunitária e saúde pública. A Nutrição clínica intervém na presença da doença, em que o diagnóstico clínico existe, quando o problema já está instalado. A meu ver, a alimentação é muito mais importante na fase de promoção da saúde e quando estamos apenas a adquirir estilos de vida saudáveis. A aposta continua a ser muito mais no tratamento do que na prevenção, porque no tratamento os resultados são mais imediatos e mensuráveis a curto ou médio prazo, mas este não deve ser o caminho. A evidência científica mostra-nos que os ganhos na aposta na promoção da saúde alimentar e nutricional é um ganho a médio/longo prazo, que traz, a longo prazo, um impacto muitíssimo maior do ponto de vista de saúde global, e do ponto de vista de economia da saúde. É a área onde continua a falhar a maior intervenção.
Como é que se comunicam estas questões de bem-estar público e responsabilidade social?
Joana Sousa: Nos últimos anos a realidade nesta área tem também vindo a mudar. Desde 2012 que temos o Programa nacional de Promoção da Alimentação Saudável. Claramente em termos de estratégia nacional começa a revelar-se preocupação, interesse e conhecimento da importância da intervenção alimentar e nutricional. Acredita que desde a década de 80 que não se conhece o real padrão de alimentação da nossa população? Só o ano passado foi possível ter este retrato nacional através do árduo trabalho do Inquérito Alimentar Nacional e de Atividade física.
Existia alguma evidência científica, ao nível local ou regional, mas do ponto de vista global e nacional, não se conheciam os verdadeiros hábitos alimentares da população ao longo de todas as fases do ciclo de vida. Sem um bom diagnóstico torna-se mais difícil delinear uma boa estratégia de intervenção. Agora sim, começa a ser possível identificar populações de maior risco, mais vulneráveis e delinear uma melhor intervenção e acompanhamento alimentar e nutricional. Hoje já conseguimos saber quais são as faixas etárias mais críticas e em que contexto estão. Nesta fase o diagnóstico já está feito e isso permite-nos agora começar a crescer. Este acho que deverá ser o caminho futuro da Nutrição. Porque isso significará que já começámos a ter cuidados alimentares e nutricionais contínuos minimizando a intervenção nutricional quando o problema clínico já se encontra instalado. Obviamente que o crescimento da evidência científica, também terá de existir e será isso que nos irá permitir o aumento da eficiência nesta área.
Quer dizer-me quais são os principais focos de preocupação alimentar?
Joana Sousa: Hoje em dia diria que são vários os focos, mas podemos destacar dois grupos mais vulneráveis por razões distintas. Nós somos dos países da Europa com maior prevalência de obesidade infantil. Temos conseguido estabilizar estes indicadores nos últimos anos, mas a realidade atingida é ainda muito preocupante e em idades muito precoces. Em média, uma em cada 3 crianças tem excesso de peso. São números preocupantes, até pela ligação evidente da criança obesa com o adulto obeso, sendo a obesidade um dos principais fatores de risco para todas as doenças crónicas não transmissíveis. Do ponto de vista de saúde pública é sem dúvida uma prioridade e obrigada a uma estratégia concertada de intervenção. A ligação do nutricionista com a comunidade, nos centros de saúde, na autarquia, na escola, nas IPSS, é fundamental. Começamos a acreditar que isto poderá ser o futuro.
Os idosos também devem ser outro foco de preocupação. É verdade que temos a população cada vez com maior longevidade, mas não nos basta mais anos. Queremos qualidade de vida nos anos ganhos. A população idosa está cada vez mais desnutrida com todas as implicações clínicas que a evidência científica nos mostram que daí advêm.
Vimos muito recentemente e foi tornado público, que vão abrir 40 vagas para nutricionistas nos cuidados saúde primários. Continua a ser pouco, é verdade, mas é um grande ganho em prol da saúde alimentar e nutricional do cidadão. A verdade é que Portugal, nos últimos meses, tem sido apontado pela Organização Mundial de Saúde como exemplo de boas medidas a implementar na área da alimentação. Mas o que é que eu acho que falta? Que não sejam só medidas um pouco “avulso” e que exista uma aposta e compromisso sérios para desenvolvimento de uma política alimentar e nutricional em Portugal.
Insistir pelo menos 15 vezes de forma natural para dar um alimento novo, é o número que Joana Sousa diz ser razoável para ensinar uma criança a gostar de um novo sabor.
Metódica e com regras bem assentes, sabe que não consegue prever para já o sucesso deste novo curso de Ciências da Nutrição, mas sabe, também, que se fez tudo para criar uma forte identidade do embrião que em breve será bebé.
E este acarinhado bebé nasce já em setembro, logo dará os primeiros passos, e quase sem darmos pelo tempo passar estaremos diante de um promissor adolescente.
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Joana Sousa
Equipa Editorial