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Tiago Proença dos Santos – O Pediatra da Neurologia
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Encontramo-nos nas urgências de Pediatria, onde Tiago Proença dos Santos foi chamado para avaliar um caso na Unidade de Cuidados Intensivos Pediátricos. O Hospital de Santa Maria recebe muitas crianças com necessidades de apoio em cuidados intensivos. Sendo Santa Maria o centro de Neurotrauma pediátrico da zona sul do país (do Algarve a Coimbra) recebe, por isso, muitos doentes graves com complicações neurológicas.
Atualmente, os cuidados médicos prestados pela Pediatria vão desde que um bebé nasce, até aos dezoito anos. Santa Maria e alguns hospitais do país perceberam que, dentro deste vasto leque de idade, era preciso prestar cuidados diferenciados, aprofundando os diferentes conhecimentos das subespecialidades que complementam uma área generalista como a Pediatria.
Tiago Proença dos Santos é médico Pediatra com uma subespecialidade em Neurologia. Depois da formação de cinco anos como Pediatra, especializou-se mais dois anos em Neurologia pediátrica. Tirou o curso na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e quando terminou percebeu que tinha de sair para fortalecer horizontes. Foi no Hospital Egas Moniz que fez, na altura aquilo que se chamava ainda, o internato geral e apesar da “experiência gratificante” dessa mudança, as amarras à Faculdade permaneciam já que no seu quinto ano de curso se tornou Assistente de Bioquímica Médica (cadeira lecionada ao 1º e 2º anos).
Completado o internato geral, Tiago Santos voltava a Santa Maria para se especializar em Pediatria. E por lá ficou.
A dar aulas de Bioquímica desde 2003, acumulou mais tarde com as aulas de Pediatria.
Diz que a Pediatria não foi de início uma “verdade absoluta, ou a escolha óbvia” já que o seu primeiro foco eram as Neurociências. Dividido entre a Neurologia e a Psiquiatria, e depois de entrar mais a fundo nestas mesmas matérias, entendeu que ainda estava numa fase muito precoce da sua formação “para afunilar tanto o saber”, e foi a escolha por uma especialidade mais abrangente que a Pediatria lhe pareceu fazer sentido. Hoje, como bom Pediatra que é, sabe que uma das coisas que mais o convenceram foi o acompanhamento permanente que esta área faz aos seus doentes, “o que eu gosto aqui é a própria filosofia do seguimento. Noutras áreas generalistas o doente é referenciado para outras especialidades, perdendo-se muitas vezes o contacto de quem referencia. Já na Pediatria a interação mantém-se sempre, havendo “muita ligação às diversas especialidades complementares”. Mas há ainda outra mais-valia de se escolher esta área geral, o público-alvo (crianças e adolescentes) de Tiago Proença dos Santos nunca vem sozinho, tendo o apoio dos pais, ou outros familiares, e que, regra geral, asseguram que os tratamentos serão bem-feitos e os exames agilizados. “Aqui é raro o abandono de uma consulta. Os pais vêm, aplicam-se e às vezes até se aplicam demais já que nos pressionam para ter sempre as respostas prontas a todas as dúvidas e inseguranças”.
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Quando pensamos em Neurologia, se calhar por defeito, achamos que ela se foca em pessoas até de alguma idade, é um erro. Do que trata a Neuropediatria?
Tiago Santos: A Neuropediatria tem uma diferença substancial da Neurologia dos adultos. Enquanto um Neurologista de adultos vê o doente com um padrão de funções estabelecido, onde se instalam defeitos, na Neuropediatria temos doentes que aparecem com uma queixa, por exemplo que deixou de andar ou lhe dói a cabeça, mas temos também de levar em conta que há uma série de funções que não estão adquiridas no bebé e que se vão adquirindo nos anos seguintes. Ou seja, a criança pode não deixar de falar, mas na altura em que devia ter começado, esse fenómeno não aconteceu e portanto aquilo que vamos avaliar são todas as funções que dependem do sistema nervoso central e periférico e que passam pela própria diferenciação em termos de desenvolvimento da criança. Neste caso, temos de perceber os fatores de risco e os fatores protetores do normal desenvolvimento. Dou-lhe exemplos, um bebé aos dois meses tem de começar a segurar a cabeça, aos seis ou oito meses tem de começar a ficar sentado, entre os doze e os dezoito tem de começar a andar, e estas etapas todas têm que ser vigiadas. Qualquer alteração leva-nos a perceber as possíveis doenças ou perturbações neurológicas, numa fase precoce. Há outra coisa muito aliciante na Neuropediatria, em relação à Neurologia de adultos, com as crianças o cérebro ainda não está completamente formado, quando um bebé nasce ainda vai ter uma explosão de sinapses (terminações nervosas que ligam os neurónios) e de crescimento de funções no seu sistema nervoso central. Isto quer dizer que se uma criança tiver um AVC, ou outro insulto a potencialidade de recuperação é muito maior. Como a criança está numa fase de neurodesenvolvimento, desde que o diagnóstico de intervenção seja feito numa fase precoce, vai conseguir relocalizar as áreas lesadas e as suas funções vão ser potenciadas, sendo a recuperação mais impressionante, muito mais que nos adultos. Agora, claro que há doenças e situações arrasadoras e mortais, mas a minha visão do médico não é só tratar e curar doentes, passa também por ajudar a ter um diagnóstico, para perceberem o que lhes está a acontecer, e ajudar a gerir, com o máximo de qualidade de vida possível, aquilo que é o trajeto da criança e da família, perante uma doença grave.
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Pode acontecer ter um perfil de uma criança que aponta para um problema neurológico, por falta de evolução do sistema nervoso central, e perceber que não houve simplesmente qualquer estímulo para o seu desenvolvimento?
Tiago Santos: Pode. Eu diria que o sistema nervoso vive numa dialética permanente entre o biológico e os fatores psicossociais. E, portanto, a causa da patologia pode estar em qualquer dos lados. Quando existe um desses atrasos, investigamos sempre se houve um estímulo correto, se a criança está na creche, se está com uma ama ou uma avó que tem outras tantas funções e não está tão focada só na criança. Mediante isso tentamos aumentar o estímulo e intensificá-lo. O sistema nervoso não funciona sem a estimulação, nem a estimulação funciona sem o sistema nervoso. E ainda estamos longe de perceber todos os mecanismos que levem a que tudo funcione tão bem. Mas nas últimas duas décadas têm havido evoluções muito grandes e algumas das doenças, que eu ouvia falar nos bancos da Faculdade como incuráveis, agora já têm terapêuticas e os resultados permitem-nos sonhar com uma cura a prazo.
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Esse é um o eterno desafio do médico, estar sempre a acrescentar conhecimento ao que já tinham?
Tiago Santos: Sim, e esta é uma das áreas que mais exige atualização. Na Neuropediatria é, particularmente, necessário termos este esforço porque muitas das patologias com as quais lidamos são raras e é preciso estarmos treinados para as diagnosticar. Só se diagnostica o que se procura, e só se procura o que sabemos que existe.
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O que é que responde ao estereótipo que diz que uma mulher pode ser melhor Pediatra porque “gerou” uma criança e portanto é mais sensível ao que a criança tem?
Tiago Santos: Respondo que os Pediatras homens também podem ter filhos. E eu tenho três filhas. E já lidei com esse estereótipo sim, mas também já lidei com o contrário, com famílias que preferiam um Pediatra homem, porque preferem uma outra abordagem. Há preconceitos de parte a parte. Mas em traços gerais, claro que, eu acho que a visão entre homem, ou mulher, é modulada por uma sensibilidade diferente e não sei se é forçosamente mau ou bom. Em última análise, vivemos dessa riqueza de sensibilidades diferentes e faz-me mais sentido um serviço misto que partilhe diferentes vivências da criança. Há especialidades, principalmente algumas cirúrgicas, onde havia, predominantemente, homens e agora começam a aparecer mulheres e as especialidades ganham com esse acréscimo de sensibilidade.
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Pai de três filhas, passa o tempo a analisá-las sob o seu olhar clínico pediátrico?
Tiago Santos: Eu separo bem esse olhar, até sou mais “negligente” e não fico tão preocupado, relativizo muito mais. Acho que até as observo menos do que se não fosse médico desta da área. Também porque felizmente nenhuma delas teve uma patologia grave. Essa é outra boa notícia, ligada à Pediatria, na grande maioria das doenças das crianças, elas recuperam muito rapidamente e sem sequelas.
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Joana Sousa
Equipa Editorial