Do lado de cá
A Paula da Pediatria conhece a casa como ninguém! A news@fmul foi conhecê-la.
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Quando falamos de Pediatria, todos na Faculdade de Medicina conhecem a Paula. A Paula da Pediatria. Fomos conhecê-la e saber porque é que associamos este departamento também a este nome.
Paula Belmonte, a trabalhar há 22 anos na Faculdade e há 21 na Pediatria, recebeu-nos na Sala Polivalente. Um espaço amplo, cheio de luz e com um ar acolhedor, tem uns puffs e uma mesa ao centro “serve para tudo esta sala”, diz-nos e de facto parece uma mini sala de um qualquer jardim-de-infância. Estamos no piso 6 do HSM, na pediatria!
“Depois de estar um ano na FMUL, a Dra. Isabel Aguiar um dia ligou-me para casa e perguntou-me se queria ir para uma clínica fazer o serviço administrativo. Como já tinha o 12º ano achei que devia aproveitar a proposta. Fui falar com a Dra. Helena Calado, na altura Secretária da Faculdade, que me convidou a vir trabalhar para a Pediatria. Obviamente aceitei!” e foi assim que tudo começou, entrou no dia seguinte a ter tido esta conversa. Abraçou a área do zero, entre papéis e documentos e aprendeu, com a ajuda das colegas também do hospital, como fazer todo o trabalho da clínica universitária e não só.
Na altura, a sua função era secretariar as três disciplinas da Clínica, os seus programas, os contatos necessários, as notas nos dois semestres e o contato entre alunos e docentes. Passados alguns anos a Professora Teresa Bandeira apresentou-lhe um desafio, “pôr a funcionar a Biblioteca de Pediatria”. Fez uma formação em Bibliotecas e acumulou mais este trabalho. Entretanto, chegou mais um colaborador, o Pedro Mendes, e foram assumindo mais algumas funções, nomeadamente aquelas que estavam mais diretamente ligadas ao Departamento e não apenas à clínica universitária. E assim, nasceu este contato tão estreito com o hospital. Neste momento, tem à sua responsabilidade boa parte da formação no Departamento de Pediatria, não só dos alunos do Mestrado Integrado, como também dos Internos.
Quando lhe perguntamos por uma pessoa que a tenha marcado diz-nos “foram muitas, não foi só uma”. A trabalhar desde logo com o Professor João Gomes Pedro, diz que aprendeu muito com ele. Numa relação profissional, por vezes, difícil tirou dela muitos ensinamentos, porque afinal foram muitos os anos em que trabalharam juntos e foi o Professor que lhe ensinou uma máxima, que a marcou e a tornou a profissional que é hoje: “Não quero que me traga problemas, quero que me traga soluções. Porque aqui todos são importantes, todas as pessoas são importantes. A diferença é que eu, enquanto médico, se errar, posso matar um doente, mas a Paula, enquanto administrativa, se errar também pode ajudar a matá-lo.” “Isto impôs-me uma responsabilidade muito grande e percebi, no imediato, que era assim que se tinha que trabalhar, pensar nos problemas mas arranjar as soluções.” Diz-nos ainda, com um grande sorriso nos lábios “esse foi o princípio do meu fim, porque a partir daí quando tenho uma situação difícil, ou me falta um professor, quando alguém me diz que não pode, eu nunca levo isso como um problema, eu tento arranjar uma solução. Não consigo funcionar de outra forma.” Aprendeu, cresceu e hoje assume muitas responsabilidades que a levam a questionar-se “será que devo ser eu a fazer isto?” Também a Professora Maria do Céu Machado lhe reconhece o trabalho e a dedicação, não é por acaso que a apresenta como “a pessoa mais importante do departamento”. Com medo de parecer pretensiosa, Paula Belmonte explica-nos que se habitou a só levar as situações graves aos seus dirigentes “se chega a eles é porque é grave, senão não lhes chegam problemas.” É assim, e só sabe ser assim! Habituada a trabalhar sozinha, independente, tem no controlo das coisas um dos seus “defeitos”. Confessa-nos que mesmo em casa gosta de controlar tudo, é a sua maneira de estar, no trabalho e na família.
Outra pessoa que a marcou foi o Professor Paulo Ramalho, é com orgulho que fala dele, “uma pessoa muito terra-a-terra ligado mais à área assistencial, aos doentes. A sua maneira de ser sempre me encorajou muito em termos profissionais, e foi um dos diretores que mais me marcou.” Para além dos Professores, Paula confessa que também os internos a marcaram. “Todos sabem quem é a Paula, mesmo quando já saíram daqui e estão noutros hospitais, ligam e pedem para falar comigo. Tudo isto nos marca. Tenho uma pediatra, a Dra. Cristina Camilo, que no meu primeiro ano no serviço ela estava a fazer o 6º ano, e hoje já é docente da faculdade e uma médica com muita experiência e é uma grande amiga!”
“Trabalhar com as Regentes atuais também é um desafio, muito diferentes entre si, obrigando a uma adaptação permanente mas que me enriquece muito, como profissional”, diz-nos ainda.
Numa era em que tudo muda com tanta rapidez perguntámos-lhe como vê os pediatras de hoje em dia, como foi a evolução do aluno de há 10, 20 anos atrás e o de hoje. Confessa-nos que vê muita diferença. “O sistema obrigou os alunos a mudar. Posso dar o exemplo que os primeiros alunos com quem privei ficaram muito próximos e tenho alguns como amigos. Os alunos de agora são mais distantes, já são diferentes! Há muita competição e são obrigados a ser mais distantes das pessoas com quem convivem diariamente. Claro que há exceções, mas o sistema leva a um distanciamento entre as pessoas e infelizmente isso sente-se nos serviços, na área académica e na área hospitalar.”
Quando entrou na Pediatria, a Inês sua filha tinha um ano. A resposta que nos deu quando perguntámos como é que uma mãe, com um bebé de um ano, aprende a lidar com a realidade de uma unidade hospitalar pediátrica, confessa-nos que foi “extremamente difícil! Porque a Inês esteve também aqui internada na Pneumologia Pediátrica, durante uns tempos, foi aí que conheci a Professora Teresa Bandeira. Tive muita dificuldade em lidar com algumas situações, primeiro porque a minha filha era muito pequena e depois porque se passam coisas que não fazemos ideia que acontecem, e deparamo-nos com essa realidade que até então ignorávamos. Mas ainda bem que já tinha a Inês, porque se tivesse vivido uma gravidez depois de cá estar, seria muito mais complicado. Eu não conseguia atravessar o piso 6, onde estava a Oncologia e a Neurologia pediátrica. Áreas essas muito difíceis. Demorei muito tempo até conseguir atravessar este serviço, anos! Agora acaba por ser natural, porque nos habituamos. Ao início não nos passa pela cabeça que há crianças tão doentes! E quando somos mães pensamos muito, porque de um momento para o outro as coisas acontecem, tudo muda porque nestes serviços vemos crianças que também já foram saudáveis!”
Inevitavelmente criam-se ligações e quando não há sucesso vem o sofrimento, “Temos crianças connosco meses, e algumas vezes o final não é o esperado e isso ainda mexe muito comigo, porque conheço a criança, conheço os pais. Continua a ser difícil essa parte. Mas ao longo dos anos ganhei resistência, resiliência, tive que ganhar porque, de outra forma, não conseguia continuar aqui a trabalhar!”
A Pediatria é feita de perdas, mas também de alguns sucessos, recorda o caso de um menino dos Palops “um caso muito complicado que precisava de um transplante de medula. Este menino esteve muito tempo à espera, esteve muito mal, mas fez o transplante, correu tudo bem. Hoje é um homem, está em Angola. Costumo falar com a mãe pelo facebook e sei que ele está bem agora. Estes casos enchem-nos o coração! É espetacular! Depois há aqueles que nos marcam porque estamos muito tempo com eles e acabam por partir! As crianças passam aqui tanto tempo, que a família deles somos nós também e também eles são um bocadinho nossos! Mas temos é que pensar nos casos que correm bem, e nas crianças que vemos crescer, mesmo dentro das suas limitações, crescem e desenvolvem-se e isso é fantástico! Temos o caso de um outro menino, que tem hemofilia, e esteve várias vezes muito mal, mas recuperou e hoje vem cá várias vezes e tem imensa vida, está muito desenvolvido, e isso é tão bom! É nesses que nós pensamos e nos ajudam a andar para a frente! A pediatria é muito pesada porque quando corre mal é mesmo muito mal, mas quando corre bem, é muito bom!”
Perguntámos-lhe se acha que os Pediatras são médicos especiais, ao que responde de imediato “sim! São muito especiais! São uns heróis! Infelizmente tive contacto com a Medicina de adultos, por causa dos meus pais que estiveram internados, e por isso acho ainda mais que os Pediatras são especiais. Um médico de adultos vê a pessoa e vê a doença e não cria ligações. O Pediatra cria ligações com o doente e com a família do doente. Por isso, penso que sofrem mais mas também ganham resiliência mais depressa. Os nossos pediatras, e como no serviço há muitos doentes crónicos, têm doentes a vida toda, eles veem os doentes crescer quando há sucesso. Muitas vezes já são adultos e vêm cá, e mantém-se uma relação que dura quase para sempre.”
Para além dos médicos, o departamento de Pediatria tem muitos outros profissionais que são os anjos da guarda das crianças que lá chegam, enfermeiros, assistentes sociais, educadoras, dietistas, psicólogas, professoras, “somos uma família” diz-nos, “embora eu faça parte da Faculdade, funcionamos como um todo. A minha biblioteca está decorada com materiais das educadoras. O departamento começa na minha biblioteca e segue lá para dentro… Quando falo da Pediatria falo do meu departamento e isso é sinal que somos um todo e só conseguimos funcionar assim.”
Se lhe perguntarmos se se via a trabalhar noutro sítio, reponde-nos claramente “Não! Embora às vezes me sinta mais cansada, ou quando estou estourada e penso “tudo eu” digo que tenho que mudar de trabalho. Mas não me vejo a fazê-lo, trabalharia em qualquer sítio, mas não seria tão feliz! Tenho uma ligação muito grande a este serviço, às pessoas que aqui trabalham, estas são as minhas pessoas. O facto de também estar ligada à formação pós-graduada também me ajuda a sair da rotina do dia-a-dia. O meu envolvimento acaba por ser diferente. Tenho, por exemplo, um curso a decorrer neste momento em que sou eu que faço tudo, desde inscrições, recebo, confirmo, os pagamentos, os programas, articulo com os preletores e até faço o coffee-break! O que me estimula, porque me faz fazer coisas diferentes e faz contactar com outras pessoas. Eu adoro pessoas! A minha biblioteca é a menos convencional que existe. Lá acontecem reuniões, trabalhos, aulas, consultas, conversas, tudo! Os alunos vêm ter comigo, conversam e vão estudar para lá mas já sabem que não é um espaço de sossego! Não consigo estar fechada num gabinete. Adoro o que faço e adoro este sítio!”
A conversa durou uma hora que passou a correr e é assim sempre. Quem conversa com a Paula da Pediatria sente que ela é tão feliz onde está que mesmo a realidade que a envolve se esbate no sorriso que a caracteriza.
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Ana Raquel Moreira
Equipa Editorial