Reportagem / Perfil
O sentido de ser - Professor Fausto Pinto
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Apareceu de bata, escondendo um fato sem blazer, mas que mostra que cuida da imagem, a pele dourada denunciava que as férias da Páscoa não foram passadas em Portugal. No pulso trazia um relógio da Apple e que está sempre ligado ao seu inseparável iphone. É confiante e isso nota-se na voz e na forma como olha nos olhos e recebe os outros. Encontrara-o apenas uma vez numa reunião de trabalho e por isso estendi a mão e voltei a apresentar-me, “sou a Joana e temos uma entrevista”, interrompeu-me rapidamente e disse que não precisa de ver muitas vezes uma pessoa para a fixar e que sabe quem elas são. Característica de um líder, diria eu, mas também de um anfitrião.
Habituado a falar para públicos, gosta de ser ouvido, mas gosta, também, que o interpelem, com ideias que não sejam as suas, é como se fosse um jogo de ténis, onde se trocam bolas e que são as matérias que não sendo iguais, precisam ser respeitadas mutuamente.
Homem pragmático, diz, dos dez problemas que lhe apresentam, reduz apenas para um, é por isso um “realista otimista”. Mas ser assim dá trabalho, dá muito, e é por isso que me diz a sorrir que o “o melhor improviso leva duas semanas a construir”.
Corre por ideias e causas e coloca metas diferentes a si e às pessoas em quem aposta incondicionalmente, mas corre também de manhã bem cedo e ao ar livre, forma que encontra para matar saudades de cidades marcantes como o Rio de Janeiro, Budapeste, ou Telavive. No entanto, é Lisboa que o arrebata sempre e é a ela que volta no final das dezenas de viagens que faz. Vive no Chiado e corre junto ao Tejo.

Fausto Pinto é o homem do coração. Porque é do coração que trata. E é com o coração domesticado pela razão que dirige os que dele dependem.
Diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, desde julho de 2015, é médico Cardiologista e Diretor do Serviço de Cardiologia do Centro Hospitalar Lisboa Norte e, desde há pouco mais de um ano, conduz ainda o Departamento de Coração e Vasos.
Grande promotor da globalização entende que a Medicina é um mundo com uma linguagem universal, diz em tom de brincadeira que se fossem os cientistas e médicos a governar, o mundo seria seguramente diferente e sem tantas barreiras.
Explicou-me que se morre, sim, de coração partido, mas que também se morre por extrema alegria. E que os enfartes causados por desgosto acontecem por ordem do cérebro que faz com que uma parte do coração deixe de contrair, apesar de nada o bloquear nas artérias para que subitamente pare. Contou-me, também, que num coração cujas válvulas já possam ter alguma fragilidade, apanhar uma infeção, mesmo que seja noutra parte do corpo, pode deixar mazelas no coração e piorar as suas válvulas. Aprendi, ainda, que o número de batimentos cardíacos tem relação com a longevidade. E que um coração transplantado muda o seu ritmo cardíaco após chegar à sua nova morada do peito.
Se a Antiguidade defendeu que a “alma” estava no coração e não no cérebro, hoje é mais do que claro que é o cérebro que dá ordens ao coração, ainda assim, é no peito que continua a bater a resposta ao amor, ao medo, ou à incerteza.
Quando me fala dos filhos ensina-me que se ama, mesmo quando os corações não se ouvem a bater por perto. Estar perto não implica estar ao alcance do olhar, apenas ligados por coração.
Tem momentos de silêncio, e que é o mesmo que dizer, momentos de música. Apesar de muito eclético, talvez a paixão ao Jazz, lhe tenha sido incutida pelo pai que chegou a tocar saxofone, numa orquestra em Santarém. No silêncio que é curto, mas que precisa, está ainda a leitura, Julian Barnes é um dos seus autores do momento e também lhe fala ao coração, porque “mais vale um amor sofrido do que nunca ter amado”.
Tinha muitos motivos para querer conversar com o Professor Fausto que vira sempre a conduzir a maior parte dos eventos a que assistira. Queria fazer-lhe perguntas sobre o coração, ou não fosse esse o tema do mês. Mas havia outra inevitabilidade na conversa, a confirmação, clara, da sua recandidatura à Direção da Faculdade de Medicina.
Pedi que me levasse na sua viagem de vida, onde tentaria acompanhar o raciocínio e algumas reflexões, talvez insegurança de não saber qual é a pergunta certa para se começar uma conversa com ele.
Formou-se em Medicina na Faculdade com uma nota final de 18 valores. Sempre quis ser médico apesar de não ter herança direta na família. Nem por isso o pai Engenheiro deixou de ser a sua grande referência de vida, e apesar da irmã mais velha ser Economista, ainda assim a ciência ficou marcada na família, com a irmã mais nova que se tornou Cientista, acabando por ir para os EUA. Na sua personalidade há mistura das raízes de um pai nortenho, com as alentejanas vindas da mãe, mas quando peço que se auto defina entende ser às vezes mais anglo-saxónico, numa vertente mais luterana (postura mais espartana e de modéstia), com umas pinceladas humanistas que se herdam mais a sul da Europa.
Entende que se cresce na vida por aprendizagem com aqueles que chama de roll models. Talvez tenha sido Silveira Machado, Assistente de Medicina no 4º ano, que conquistou o coração do aspirante a médico para querer tratar do coração dos outros. Entra, então, para o Hospital de Santa Maria e cria laços com aquele que acaba por ser o seu mentor, e que na altura era o Diretor de serviço, Fernando Pádua. Pessoa que o acompanhou sempre ao longo da vida e apoiou bastante, “servindo de referência a vários níveis, quer na integridade, quer como profissional”. Mas a sede de mundo que lhe conhecemos hoje já vinha do passado, não é em vão que diz ser “uma pessoa do mundo” e por isso era imperativo sair do país por uns tempos e sedimentar conhecimento.
É com o apoio dos Professores Fernando Pádua e Mário Lopes que chega a Stanford, em dezembro de 89, com uma bolsa da Fundação Gulbenkian e onde fica como interno de cardiologia. Mas o prazo alargou, na medida em que foi mostrando os seus sucessos, acabou por permanecer por três anos e meio. Aí encontra a sua inspiração internacional, o Professor Richard Popp, acaba a especialidade de Cardiologia e faz um estágio em Cardiologia de Intervenção. A tentação de ficar no novo mundo era grande, num país onde “o potencial individual de cada pessoa consegue ser puxado ao seu máximo”, desenvolveu um entendimento sem fronteiras e onde as culturas não se atropelavam. “Havia gente de todo o mundo, iranianos, paquistaneses, chineses e não havia o mínimo de preconceito, as pessoas trabalham com uma linguagem global”. Foi aqui, também, que se afirmou internacionalmente, criando uma rede de contactos que traria consigo para o resto da vida. Mas regressa a Portugal, porque o coração lhe falava sobre afetos pessoais e por sentir que tinha de dar ao país aquilo que o país já tinha investido nele. Em apenas meio ano conclui o Doutoramento, já que trazia dos EUA um trabalho pioneiro feito sobre o coração transplantado e onde foram feitas as primeiras ecos intravasculares nesses mesmos corações transplantados.
Apenas com 36 anos faz a Agregação Universitária que lhe confere, não só elevado título académico e reconhecimento do seu já vasto currículo, mas torna-o também um dos mais jovens doutorados e agregados, na área clínica.
Seguiu toda a carreira hospitalar, sempre em Santa Maria, e académica, seguindo passo a passo todas as etapas e crescendo na medida dessas mesmas etapas. Chega, em 2014, à Direção do Serviço de Cardiologia, do maior hospital do país, desde então lutou sempre pela integração da parte académica, dentro da clínica. Como uma sequência onde uns elementos não funcionam sem os outros, foi sempre tentando fortalecer o triângulo entre a prestação de cuidados médicos, formação pré e pós-graduada e a investigação.
Foi marcando posições claras sobre a importância de poder haver diferenciação numa estrutura académica, com ligação a um hospital universitário. “Para se poder estar num mundo competitivo na área médica”, sabe que precisa de uma “forte estrutura única e não só dividida por três” (a respeito do CAML).
A par do caminho percorrido no país, foi estabelecendo o paralelo internacionalmente e através da maior sociedade cardiovascular do mundo, a Sociedade Europeia de Cardiologia, onde é atualmente Presidente cessante (Past President). Composta por sociedades científicas de 56 países, 6 Associações das principais sub-especilaidades em Cardiologia, 15 grupos de estudo das diferentes ramificações da Cardiologia e 5 councils que tocam áreas tão diferentes como as Ciências Básicas, ou a Hipertensão, todos têm um número representativo de votos em função da sua dimensão. Em números redondos dá um colégio eleitoral de 400 votos. Votos esses que dão ou tiram a liderança a alguém. E deram-na a Fausto Pinto, que foi o Presidente de 2014 a 2016.
Habituado a chefiar equipas e projetos desde tempos mais atrás e já dentro desta Sociedade, nem sempre tudo foi ganho à primeira. “Lembro-me de uma eleição em 2006, era candidato e perdi por um voto e é precisamente nas alturas em que corre menos bem que é muito importante a persistência. Quando sabemos o que queremos, pode, por vezes, levar mais algum tempo, mas é importante ter foco naquilo que se quer atingir e persistir. O caminho na vida nem sempre é uma reta entre dois pontos”. Foi nesse caminho mais acidentado que foi recolhendo as suas maiores lições e diz que foi isso que o permitiu ser Presidente, a forma como tudo lhe aconteceu e para a qual não tem respostas científicas, fez-me lançar a primeira pergunta de uma estimulante viagem de palavras e experiências.
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Diz-me, então, que o que lhe foi acontecendo na vida foram acasos. O que nos acontece é tudo por acaso? Como é que um católico explica o divino à Ciência?
Fausto Pinto: A melhor resposta que lhe posso dar é que leia o discurso do Papa Francisco, no congresso em Roma, congresso esse onde terminei a minha Presidência e onde o conheci pessoalmente. E ele fez um discurso absolutamente interessante sobre esta conciliação entre a Religião e a Ciência. A conclusão é que uma coisa não é incompatível com a outra, aliás, é como se fizesse parte da missão do Cientista fazer o seu trabalho. Sendo o desenvolvimento da Ciência um instrumento para melhorar e cuidar da vida dos outros. A Religião não deve ser folclórica, deve ser uma manifestação íntima da pessoa e, por isso, eu talvez não tenha tanto a visão convencional e do aparato que alguns lhe dão, talvez eu seja mais intimista. Mas no fundo todo o aparato que eu falo é feito pelos homens. Eu sou mais introspetivo e tenho um diálogo mais íntimo, mais resguardado. Sabe, é aliás mais fácil a negação, imagine o computador que se desliga e para ele não há mais vida após ser desligado. É mais fácil de explicar, mas é também mais simplista. Eu tenho uma postura de grande respeito, na vida, pela diferença e de grande tolerância pelo pensamento diferente do meu, respeito e só exijo ser respeitado.
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É verdade, falei com pessoas próximas do Professor e com as quais trabalha de perto e todas elas me deram uma informação comum. “É um excelente ouvinte e ouve muito os outros, nunca muda de temperamento, nunca impulsivo, transmite grande calma. Depois de consultar as opiniões daqueles em que confia, toma uma decisão e quando a toma, não hesita mais. Pode até levar muito tempo a decidir, mas avaliadas todas as perspetivas, decide e ponto final”. Diria que são descrições de um excelente líder.
Fausto Pinto: Os melhores líderes de nós próprios são os que nos rodeiam. Liderar pessoas é das tarefas mais difíceis quando se ocupa um cargo de liderança, é mais fácil tomar decisões sobre temas mais abstratos e que não impliquem pessoas. Podemos ter características inatas, mas é preciso trabalhar muito para apurá-las. Pessoalmente, acho sou flexível, mas não demais. Também não sou frio, mas também não sou demasiado exuberante. Procuro ser temperado e moderado. Como conheço o mundo e contactei com as mais variadas pessoas e as suas diferentes culturas e cargos, isso ajudou a moldar aquilo que poderia existir de inato, mas que precisava de ser desenvolvido. As pessoas gostam de ter segurança e eu acho que sou determinado, mas não cego, há diferenças, isto para dizer que passo segurança às pessoas que trabalham comigo. Mas é importante não nos acharmos os donos da verdade e por isso, às vezes, é preciso tempo para pensar e decidir. E quando decido não há avanços e recuos.
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Acho que se torna incontornável perguntar-lhe se já ponderou muito e decidiu apresentar já a sua recandidatura à Faculdade.
Fausto Pinto: Sim, podemos já falar da minha recandidatura, até porque a eleição, que será marcada pelo Conselho de Escola, está para muito breve, meados de Maio, ou Junho.
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Espera encontrar adversários pela frente, ou acha que uma vez que é um mandato de continuidade, deve anunciá-lo sem uma oposição?
Fausto Pinto: É um direito que qualquer pessoa tem de concorrer, se reunir as condições e terei todo o gosto em debater as ideias. Num sistema democrático, como é o que temos, não há vencedores garantidos e eu sei que são estas as regras do jogo. E eu gosto do confronto de ideias, é útil e positivo. Neste caso concreto da Faculdade de Medicina, eu acho que para poder implementar um programa mais completo, três anos é curto. Só é possível haver dois mandatos e eu vou recandidatar-me porque sinto que tenho algo ainda a acrescentar e a complementar com o que já foi feito. Entretanto, o próximo mandato, e que foi agora aprovado em Conselho de Escola, pode passar para quatro anos.
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O que é que vê como necessidade de cumprir e que ainda não tenha sido cumprido?
Fausto Pinto: Eu não diria que não foi cumprido, até porque o tempo é finito. Mas há que traçar prioridades, seria pouco correto num tão curto período de tempo prometer demasiadas coisas que depois não conseguiria fazer. Mas o programa eleitoral da altura está praticamente cumprido. É claro que há aspetos que, mesmo cumpridos, podem ser sempre melhorados e nesse sentido há áreas a dar continuidade e continuar a adaptar. Algumas até pela sua natureza, como é o exemplo do Departamento de Educação Médica, tem sempre que ser readaptado. Depois há outro trabalho que foi iniciado e que agora terá de ser adaptado e implementado, falo da Avaliação do Ensino Clínico, é preciso uma proposta mais específica para implementação nos próximos tempos e que precisa desta mesma continuidade.
Mas depois há aqui outro ponto que queria dar destaque e que entra no âmbito do CAML (Centro Académico de Medicina de Lisboa). Esta Instituição devia ter um tipo de gestão diferente, mais virada para uma gestão mais focada e integrada. Devia ser de gestão única. Era importante um gestor único do CAML, olhe um pouco à imagem do modelo Holandês.
Ainda desta ideia do CAML é importante reforçar que o acesso à informação e às tecnologias também é muito importante; é preciso fortalecer sinergias com as várias indústrias. Isto daria maior apoio à investigação clínica. Quanto mais nos internacionalizarmos, mais redes podemos criar.
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Podemos falar das novas áreas que quer anunciar?
Fausto Pinto: (Ri) Isso significa que vou abrir o meu programa eleitoral. Uma das áreas que eu gostava de concretizar em pleno é a concretização do ensino clínico, gostava de reformular os próprios métodos pedagógicos, o ensino integrado deve ser constantemente repensado e é importante a integração entre as várias áreas. Há depois um programa que se prende com o desenvolvimento dentro da Universidade e cujo tema é “Por uma Universidade Saudável”. É um programa de prevenção onde a Faculdade de Medicina terá um papel importante, conceito esse que já vem desde a criação do Centro de Reabilitação Cardiovascular da Universidade de Lisboa; mas vamos ter também o desenvolvimento da área da Nutrição e que vai começar este ano com uma licenciatura em Ciências da Nutrição.
Gostava de repensar toda a pós-graduação, o IFA (Instituto de Formação Avançada) tem trabalhado bem, mas sobretudo depois de Bolonha e com o Mestrado Integrado, a forma como os Mestrados devem ser desenvolvidos e integrados, implica que toda a programação pós-graduada deva ser repensada.
Depois há áreas de continuidade e que dizem respeito ao ensino, aos alunos e à relação com as Associações de Estudantes e procurar dar as melhores relações quer de estudo, quer de integração.
Há, também, grande foco à volta do novo edifício Reynaldo dos Santos e que tudo indica ainda ser inaugurado no decorrer deste mandato, e que vai ter alguns aspetos muito importantes, alguns relacionados com a parte pedagógica, mas outros em que eu gostaria que se desenvolvesse mais a área de investigação.
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Mas quando fala em investigação é clínica?
Fausto Pinto: Eu entendo que a investigação, numa Instituição Académica Médica deve ser vista como um todo e, como tal, não deve haver compartimentos estanques. Sou contra o isolamento de determinados grupos, sobretudo em estruturas modernas e colaborativas. Devo dizer que tem havido uma boa colaboração com a Direção do iMM, onde aliás grande parte das pessoas são também da Faculdade, tem havido uma maior integração que é muito positiva em termos institucionais. Fizemos um concurso conjunto para o emprego científico da FCT (Fundação para a Ciência e Tecnologia), o que é um bom exemplo do que se tem feito. Neste sentido, acho que vamos ter ainda uma maior colaboração entre os vários grupos.
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Portanto o novo Edifício nunca será um concorrente do iMM?
Fausto Pinto: Não, nunca foi essa a ideia. A concorrência deve sempre ser saudável e não vejo de outra forma.
Vamos ter áreas de colaboração do Instituto Superior Técnico, com o desenvolvimento da área da Bio-imagem, da Medicina Regenerativa, como, aliás, já temos a funcionar com integração de equipas. Esta é uma das áreas que quero que se torne mais estreita.
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Enquanto Diretor a sua relação com os alunos é tranquila ou pode passar por pequenas turbulências entre o que são as expetativas deles e as suas ideias?
Fausto Pinto: Todas as relações têm momentos de tensão e são muitas vezes estes, que fazem os processos avançar. As ideias dos alunos, que são jovens muito inteligentes e muito capazes, e a sua colaboração e visão para a Faculdade são muito importantes e sempre levadas em consideração quando são tomadas decisões que os implicam.
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Falámos há pouco daqueles que trabalham mais de perto com o Professor, mas depois há um vasto número de colaboradores desta casa e refiro-me aos não-docentes, com quem falei, e que o descrevem como alguém muito humano, porque tem preocupação em dar algumas regalias de horários, bem como outras regalias extra às que o Estado já dá. Isto é um privilégio impensável para o privado, por exemplo.
Fausto Pinto: É gratificante ouvir isso. No fundo significa que as pessoas são sensíveis àquilo que é feito. A Medicina também me ajuda a ter uma visão muito humanista. Dirigir pessoas implica ter na equação humanizá-las. Eu até escrevi isto no meu programa passado, qualquer pessoa que trabalhe num ambiente com condições de trabalho agradáveis, trabalha melhor. E, por isso, se quisermos pensar na eficácia da atividade das pessoas, quem está e se sente reconhecido, valorizado, estimulado, vai trabalhar muito melhor. E aqui falamos independentemente da posição que ocupa, tanto faz se é um Professor Catedrático, ou se é um auxiliar. Agora, claro que há regras, mas as pessoas são sempre as pessoas e há que as valorizar. Para além destes elementos que referiu, nós criámos bolsas para valorizar mais o trabalho. É muito importante que as pessoas gostem do sítio onde trabalham, porque em última análise favorecem a Instituição. Acho que há uma crise de valores, socialmente falando, e estando nós numa Instituição como a Faculdade de Medicina, que forma médicos, temos de saber transmitir um conjunto de valores que devemos respeitar e desenvolver. E sabe, se calhar, ter cinco filhos também ajuda a ser mais sensível a estas questões humanas.
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Ia falar-lhe dos filhos, precisamente. Como é que uma pessoa que passa a vida a cuidar dos outros, do coração dos doentes, das várias equipas de áreas diferentes, em que altura essa mesma pessoa consegue cuidar da sua família?
Fausto Pinto: (Fica em silêncio algum tempo) Sabe… (continua a refletir) cada um de nós é um todo e eu sei que não há seres perfeitos, mas a capacidade que cada um de nós tem de poder criar o seu próprio equilíbrio, é a resposta a isso. O grande truque da vida é o equilíbrio interior que estabelecemos, ele é individual, não há padrões, apesar de poder haver bons exemplos. E essa foi uma busca que eu fui fazendo ao longo da vida e nisso eu tenho tido sorte porque, apesar de haver sempre algumas nuances, fui sendo capaz de encontrar o meu equilíbrio. Mas este equilíbrio foi sendo possível graças à família que tenho e isso passou pelos pais que tive, mas também graças à mulher fabulosa que tenho e que tem sido uma companheira. Mas é também graças aos meus filhos. Deve-se também aos próprios colegas de trabalho. Esta gestão do equilíbrio também se treina, sabe? Uma das características que eu tenho é que não sou um micro-manager, não gosto muito do detalhe dentro do detalhe. Eu sou um macro-manager, quanto mais se é micro, mais tempo se perde. Nisso a liderança é, mais uma vez, muito importante, porque eu delego e confio. Vejo nas minhas equipas as pessoas capazes de poder desencadear os processos de trabalho e delego. Se não fosse assim seria impossível fazer tudo. Eu já tive um casamento antes deste e por isso já tive os meus momentos menos fáceis…
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O que está a querer dizer é que nem sempre soube gerir tão bem o seu tempo pessoal?
Fausto Pinto: Há um aspeto muito importante, é que quando se tem filhos e crianças claro que, devemos ter mais atenção àquela questão do quality time, ou seja, o tempo que disponho para estar com os meus filhos é, de facto, de enorme empenho e qualidade. Eu tenho cinco filhos fantásticos, sou um homem com sorte e esta sorte vem com muitas aspas porque dá muito trabalho a construir. Atingi aquilo que queria atingir e sinto a vida de forma positiva… (Pensa) Mas quando se tem filhos e se passou já por um divórcio há sempre um pequeno complexo de culpa que se tem em relação às crianças e esse foi o único ponto que acho me causou preocupação no passado. E nessa altura pergunta-se, será que passei com eles o tempo suficiente? Será que prestei a atenção que devia ter prestado? Embora depois isso seja racionalizado e transformado no tal tempo que é de qualidade. Neste momento já é muito difícil juntar os meus filhos todos, a mais velha (do grupo dos 3 mais velhos) vive em Inglaterra e já é casada e já tenho uma neta; os outros mais velhos também já seguem muito a sua vida, por isso só nas grandes ocasiões é que nos juntamos todos. Mas de uma forma ou de outra estamos todos perto e eles sabem.
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Os mais velhos já não precisam tanto de si, se calhar…
Fausto Pinto: O precisar … depende do que quer definir como precisar… Aquilo que uma pessoa pode dar a outra não precisa de ser o estar fisicamente presente. A presença física pode ser mais importante quando são mais pequenos, mas quando crescem temos outras formas de estar perto, mesmo sem estar lá. Mas eu acho que nenhum deles lhe diria que sentiu falta de amor. (Os olhos brilham e ficamos uns segundos em silêncio).
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Chegou a pensar-se que o coração era a alma do corpo. Eu sei que não é, mas é do peito que vem a emoção…
Fausto Pinto: Porque aquilo que sente vem de um estímulo que é muito rápido e que é consequência de uma libertação de hormonas e é por isso que o coração acelera mais ou menos.
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Então o maestro do corpo é o cérebro, não é o coração?
Fausto Pinto: Pois é.
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Mesmo para um Cardiologista?
Fausto Pinto: (Dá uma gargalhada) Mas não se vive sem coração e o cérebro precisa dele para viver. Mas a génese dos sentimentos está aqui (aponta para a cabeça).
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Falámos no seu gabinete da Direção da Cardiologia, rodeados de quadros que certificam os seus méritos profissionais e as suas passagens pelo mundo. Sei que nem tudo o que tem para contar da sua vida profissional está ali. Mesmo atrás da sua cadeira e ao centro de todo o aparato académico e científico estava outro mérito em destaque, o retrato da família, desenhado pelo Ricardo, o seu filho mais novo. Desde há dois anos que usa este desenho como postal de Natal e que envia aos amigos. Mas é também o retrato dos afetos que conseguiu que passasse, como mensagem primordial, para aqueles que lhe arrebatam o coração, todos os dias, os filhos.
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Joana Sousa
Equipa Editorial
