Investigação e Formação Avançada
Inês Zimbarra Cabrita - A Investigação ao serviço da Cardiologia

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O espaço da CETERA é especial. Escondido num corredor do enorme edifício do Hospital de Santa Maria, tem uma aparência discreta e subtil, mas de rigor e bom gosto.

Um lugar quase todo branco, com leves pinceladas de harmonia que convida a trabalhar. E é normal que este espaço seja assim, porque espelha o papel da sua Coordenadora, Inês Zimbarra Cabrita. De carácter discreto e reservado tem noção que estas características lhe permitem garantir uma minúcia e exigência na execução das suas funções, fazendo questão que estes valores se estendam a todos os elementos da sua equipa. Só assim, com uma equipa focada e motivada, é que se consegue percorrer o caminho do sucesso.

Inês Zimbarra Cabrita chegou a Santa Maria em 2012 para criar o GAIC (Gabinete de Apoio à Investigação Cardiovascular), projeto pensado pelo Professor Fausto Pinto. Só mais tarde nasceria a CETERA (Academic Consulting Research Organization), que se debruça na promoção e monitorização da investigação noutros hospitais a nível nacional. Ambos são departamentos da AIDFM (Associação para Investigação e Desenvolvimento da Faculdade de Medicina), fundada em 1995.
A Cardiologia estava a crescer e Fausto Pinto sabia que criar um Gabinete de Investigação era um passo lógico dentro do Serviço de Cardiologia do Hospital, o GAIC justificava-se, por isso, cada vez mais. É nessa altura que a escolha de Inês Cabrita faz todo o sentido.
Conheceram-se quando Inês decidiu ir fazer um Mestrado em Ultrassonografia e procurou Fausto Pinto para lhe passar uma carta de recomendação. Licenciada em Cardiopneumologia queria candidatar-se à Imperial College London, onde faria uma especialização no National Heart and Lung Institute. “Marquei uma reunião com o Professor, sem o conhecer e expliquei o que pretendia e ele foi logo muito prestável e deu-me todo o apoio”.
Foi uma bolsa da FCT que lhe permitiu ir estudar para Londres. Fausto Pinto seria assim um dos orientadores da sua tese de Mestrado, ao mesmo tempo que outros dois orientadores da Imperial College. Depois de terminar o Mestrado ficou em Inglaterra, de forma autónoma, por mais um ano. Foi aí que se abriu a porta para tirar um PhD (Doutoramento), num grande projeto com um dos seus orientadores, o Prof. Simon Gibbs. Olhando para trás sabe que tomou a decisão certa em ficar, mas hesitou durante algum tempo porque sempre desejou regressar a Portugal. “Na altura cheguei a vir a uma entrevista ao Hospital da Luz, que me ajudou a tomar a decisão e acabei por me manter por lá”.
Porque queria manter a relação ao seu país e precisava de ter novo coorientador português na bolsa da FCT de Doutoramento, fortalece os laços a Fausto Pinto.
Foi Londres que lhe deu o modelo que viria a trazer para Portugal, apesar de ter consciência das diferenças entre países, “Londres tinha centros já mais avançados e de maior dimensão. Tinham por exemplo camas dedicadas para os doentes que participavam nos ensaios, enfermeiras e secretariado exclusivos só para investigação, ou seja, a carreira de investigação era feita a tempo inteiro e em exclusivo só para esse propósito”.
O regresso ao seu país era agora inevitável porque Inês Cabrita esperava o seu filho António e queria construir um caminho nacional. Foi já em Portugal que escreveu a sua tese. “Foi nesta sequência que o Professor (Fausto Pinto) me convidou a criar o GAIC, porque percebeu que há funções necessárias na investigação que não são executadas por médicos que não têm tempo suficiente, nem, muitas vezes, o conhecimento necessário para dominar algumas questões mais burocráticas e regulamentares”.

Este Gabinete de Investigação contava com Inês Cabrita para a gestão e coordenação de toda a organização da investigação clínica cardiovascular, era o casamento perfeito para alguém cuja área de formação estava também ligada ao coração. “Há muitas burocracias e questões particulares que se escondem atrás de um estudo clínico ou projeto de investigação, a parte regulamentar, a ligação às Comissões de Ética, mundo que vive à parte da prática clínica diária”.
Pioneiro em Portugal, o GAIC começava a mostrar a importância de haver uma coordenação de estudos profissionalizada, mas também a importância de ter uma base de dados, agora vasta, que reunisse toda a atividade científica incluindo as dezenas de artigos e publicações científicas do serviço.
Os primeiros tempos não foram fáceis, começar um projeto sozinha era um desafio já elevado, mas implementá-lo numa casa tão grande e com um triângulo entre Hospital de Santa Maria, Faculdade e Investigação, era ainda maior. Os primeiros passos seguiam-se, então, através da recolha de informação suficiente e necessária que permitisse estabelecer os mecanismos estreitos para poder começar a andar com destreza.
A equipa começou a ser construída, para dar suporte ao trabalho desenvolvido inicialmente. Depois dos primeiros tempos de Inês sozinha, o GAIC foi crescendo e em 2013, Francisca Patuleia Figueiras, que Inês conheceu dos tempos de Londres e quando ambas terminavam o doutoramento, integra a equipa como Gestora Científica do GAIC .
Em 2014 Fausto Pinto é convidado a implementar um ensaio clínico que implicava envolver vários hospitais a nível nacional, altura em que nasce a CETERA, nome que nasce da palavra “etecetera” e que pretende dar significado a um projeto de continuidade. De um só ensaio clínico, expandia-se mais um departamento, precisamente para poder trabalhar para o exterior do Hospital e da Faculdade, chegando a outros hospitais do país inteiro. Inês e Francisca abraçam este projeto académico inovador que as faz crescer na área da investigação clínica.
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Como podemos distinguir o GAIC da CETERA?
O GAIC dá apoio aos estudos clínicos que decorrem aqui no Hospital, e por isso é um serviço para as equipas de investigação, enquanto gabinete de apoio. Atualmente tem quatro Coordenadoras de Estudo a tempo inteiro e uma a tempo parcial. É uma atividade interna no hospital.
A CETERA, por outro lado, vai implementar, gerir e conduzir um estudo/ensaios clínicos em qualquer hospital do país, com monitores dedicados que vão verificar se o ensaio está a ser bem conduzido, agindo sempre em representação do Promotor ou Financiador, e sempre do “lado de fora”. É uma atividade externa ao hospital. Tanto o GAIC como a CETERA são departamentos inseridos na AIDFM, com um propósito comum, a promoção e incentivo à Investigação Cardiovascular. No total, são dez elementos, com algumas pessoas comuns ao GAIC e CETERA, uma consultora médica de Cardiologia, e também pessoas externas como tradutores técnicos por exemplo.
Como é que nós trabalhamos na CETERA? Somos contratados por um promotor, que por exemplo poderá ser Laboratório da indústria farmacêutica ou uma Instituição Académica, que quer implementar um ensaio clinico em Portugal, e que subcontrata uma equipa externa para os representar nos seus ensaios/projetos e recebemos por isso. Somos, portanto, intermediários, assumindo os contactos iniciais e depois dando continuidade ao projeto, mas sempre como consultores. Mas pode acontecer que quando nos pedem este serviço, um dos centros envolvidos no ensaio clínico possa ser o Hospital de Santa Maria, aí a CETERA continua o seu papel como entidade externa (do lado do promotor) e não colide com a equipa do GAIC que pertence à equipa de investigação no centro (do lado do hospital), porque são equipas e funções distintas.
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Na verdade o que fez foi exportar uma fórmula de sucesso, estudada em Londres, e aplicá-la em Portugal?
Este é o conceito que existe, precisamente, na Imperial College e que tem um centro de investigação com equipas multidisciplinares, incluindo os monitores que fazem o trabalho externo e com coordenadores de estudo que acompanham e apoiam os estudos que ali decorrem. O modelo é perfeito e muito profissional.
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Passado o embate do arranque inicial, qual é o retrato atual das equipas?
Quando o GAIC foi criado, estávamos a participar em dois ensaios clínicos, atualmente temos a decorrer mais de 100 estudos clínicos dos quais trinta são ensaios clínicos com medicamento. Este crescimento foi muito grande porque os promotores (quem propõe os estudos) que estão externos ao centro viram que existia um Gabinete que lhes podia dar apoio e resposta célere, garantir a coordenação interna eficaz e foi isso que fez a diferença. Em relação à CETERA, a equipa trabalha atualmente com 14 hospitais diferentes do país, envolvendo mais de 25 equipas de investigação distintas. Nós servimos de rede, somos quem lhes dá resposta e executamos toda a parte burocrática e regulamentar, que é obrigatória, para além da monitorização dos dados. Os processos são longos e as respostas são lentas e se nós, que já estamos dentro dos processos, demoramos a obter resposta, imagine quem não conhece os procedimentos de cada hospital em especial os promotores internacionais que desconhecem os processos locais e específicos de cada centro.
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Quanto tempo pode demorar um ensaio clínico?
Desde o dia em que somos contactadas até ao close out podemos estar a falar de três, quatro, cinco anos. Por isso veja como é um trabalho muito exigente e com muitas frentes ao mesmo tempo. E as várias fases dos ensaios tem vertentes muito distintas, à medida que ele avança. Até o centro estar ativo e apto a recrutar os doentes, podem ser meses de preparação, a chamada fase de setup. Demora meses para ter todas as aprovações e a documentação necessária à investigação. Depois temos toda a gestão do “dossier do investigador” que tem de estar completo, atualizado e alimentado em tempo real desde que o ensaio se inicia. Claro que há estudos mais curtos, mas note que um estudo curto nunca dura menos de um ano.
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Outra área paralela que desenvolvem e que tem muito interesse são os cursos que dão a médicos, técnicos superiores, enfermeiros, investigadores. Que finalidade têm estas formações?
Tanto no GAIC como na CETERA sentimos a necessidade de dar informação muito específica a alguém que quer desenvolver uma investigação. E não diz só respeito à parte burocrática e de regulamentação que eles precisam de ter, é sensibilizá-los que quando investigam, toda a responsabilidade cai sobre eles.Nós somos facilitadores e agilizamos processos, mas se alguma coisa corre menos bem, é importante que percebam que a responsabilidade é totalmente do Investigador Principal. Temas como a legislação, regulamentos, boas práticas clínicas, obrigatoriedade de reportar os eventos adversos dos doentes, tudo isso tem timings e consequências, expostas na lei da investigação clínica, mas que nem sempre são bem conhecidas. Apesar de, com o passar do tempo, muitos investigadores estarem autónomos nestes conhecimentos, o que sentimos é que em Portugal se conhece ainda pouco sobre estas dinâmicas. Começamos com as formações o ano passado, com pessoas que já integravam equipas de investigação e ensaios, com um curso intensivo de dois dias, com uma parte inicial sobre os vários tipos de estudo, informação regulamentar e procedimentos de condução dos ensaios clínicos. Existe também uma forte componente prática onde o formando tem disponíveis os dossiers e documentação (anonimizados) com casos práticos, para que vejam a aplicação real dos casos. Se todos estiverem bem informados, nós trabalhamos melhor e o doente beneficiará de uma equipa de excelência.
Nos passados dias 19 e 20 de Março, tivemos já a 3ª Edição do curso “Clinical Research: What is all about?”, com a presença de 12 participantes. E nos dias 4 e 5 de junho teremos um curso todo em inglês dedicado também a profissionais que não são portugueses.
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Para investigar é preciso tempo, financiamento e melhor conhecimento das boas práticas clínicas. Inês lamenta que o país ainda não dê todas as condições necessárias para que se motivem mais os investigadores, mas sabe que os passos se dão devagar e atualmente considera que a Investigação realizada no Departamento de Coração e Vasos contempla equipas de excelência, a todos os níveis.
Os cinco anos que viveu em Inglaterra deram-lhe uma noção de mundo que acha fundamental para quem quer criar mudança, foi essa abertura ao exterior que tentou implementar e foi isso que a fez rodear-se da equipa que tem. Das candidaturas que recebeu até hoje, 90 % são mulheres. E é por isso que por agora tem uma equipa constituída só por mulheres, quer no GAIC, quer na CETERA, mas também em todos os hospitais. Escolheu todas e traça-lhes um perfil organizado, de conciliadoras, cuidadoras, mantendo um contacto muito próximo com o doente e estando sempre dispostas a perceber as particularidades dos outros. Vêm de áreas diferentes dentro das Ciências e costumam entrar sem experiência, todas elas têm uma paixão, o mundo dos ensaios clínicos.
Para o futuro, o GAIC e a CETERA estão a desenhar um curso para coordenadores de estudo e para funções de coordenação para as equipas dos hospitais.
Quanto à CETERA, a carteira de clientes tem continuado a crescer, com parceiros da indústria farmacêutica e de dispositivos médicos e universidades estrangeiras que fazem convites para que Centros portuguese participem em estudos clínicos de elevado prestígio. Outra componente importante é o apoio em toda a implementação de um projeto de investigação original a alunos de um programa de Doutoramento, que através de bolsa de estudo ou apoios da indústria procuram alguém profissional que lhes dê esse suporte nas aprovações regulamentares, realização de documentos do estudo, inserção de dados, entre outros.
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Se em alguns dias a motivação falha, agarra-se aos resultados do Departamento e às equipas que coordena e que diariamente dão tudo em prol da investigação com qualidade, e sabe que conta com Fausto Pinto, a pessoa que a escolheu. Espera que, cada vez mais, GAIC e CETERA sejam departamentos facilitadores para a investigação e em última análise, criadores de mudança para que a Cardiologia continue no topo do progresso.
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Joana Sousa
Equipa Editorial
Créditos de algumas fotos: Studio Catarina Zimbarra
