Espaço Ciência
Colesterol inimigo do sistema imunitário contra cancro da mama - Professor Sérgio Dias

A ideia de estudar os efeitos do mau colesterol em doenças oncológicas tem sido explorada há várias décadas, mas foi Sérgio Dias, e a sua equipa do Instituto de Medicina Molecular (iMM) João Lobo Antunes que descobriu que elevados níveis de colesterol diminuem a capacidade do sistema imunitário contra células cancerígenas da mama.
Sérgio Dias: Nós estudamos, já há uma série de anos, a importância dos lípidos (as gorduras) em cancros. O meu grupo está interessado nisso há mais de 6 anos e dentro dos lípidos sistémicos, que se podem medir em circulação, o colesterol foi sempre de grande interesse. Porquê? Porque o colesterol acaba por, mesmo noutras situações oncológicas, ter diferentes funções: cria inflamação. Todos conseguem associar os níveis de colesterol elevados às doenças cardiovasculares, aos enfartes, aos avc’s, mas esta relação entre a inflamação e o cancro, é uma ideia já relativamente antiga na investigação, em oncologia. Há uns anos, nós começámos por mostrar que a molécula do colesterol – que é complexa, tem a parte de proteína, a parte lipídica- ao interagir com células de cancro da mama, quando as células de cancro da mama estão expostas a níveis elevados de colesterol, absorvem esse colesterol, e utilizam-no como fonte de energia para se dividirem mais. Portanto, os tumores da mama, expostos a colesterol elevado, acabam por proliferar mais, progredir mais rapidamente.
E é aqui que os laboratórios de Sérgio Dias e Bruno Silva Santos, também investigador e Vice-Diretor do iMM, se cruzam. Se o laboratório de Bruno Silva Santos vem dizer que os linfócitos T, multiplicados muitas vezes por eles próprios (cerca de 1 bilião) e com compostos químicos e biológicos, reforçavam o sistema imunitário contra o cancro, Sérgio Dias e o seu Lab. dizem que o colesterol pode atenuar esta mesma eficácia dos linfócitos.
Sérgio Dias: Neste estudo mais recente, o que viemos a demonstrar é que o efeito pró-inflamatório do colesterol, ou seja, de promover a inflamação, exerce também efeitos no sistema imunitário. Então o que é que mostramos? Através de uma estudante que temos em comum, a Neidy Rodrigues, e onde tenho o papel de orientador e o Bruno de coorientador do seu Doutoramento, ela foi estudar que efeito teria níveis elevados de colesterol sobre um subtipo de linfócitos que tem efeito anti tumoral, no nosso caso concreto, o cancro da mama. O que verificámos é que estes linfócitos, expostos a níveis elevados de colesterol, deixam de funcionar normalmente, ou seja, não conseguem exercer o seu efeito antitumoral. A sua capacidade de reconhecimento das células tumorais e depois de desencadear uma resposta, libertando fatores que matam essas células tumorais, fica severamente diminuída. A nossa mensagem do artigo é que, se houver uma tentativa de desenvolver estratégias imunoterapêuticas, ou seja, imunoterapia contra cancros, como é o caso do cancro da mama, na presença de níveis elevados de colesterol, se o hospedeiro tiver níveis de colesterol elevados, essas respostas antitumorais, poderão ser diminuídas.
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E o que são níveis de colesterol elevados?
Sérgio Dias: Eu diria que falamos sempre acima de valores acima 200mg/dL. Há pessoas que têm, por genética familiar, hipercolesterolemia, essas pessoas conseguem ter níveis, na mesma escala, de 600 / 700mg/dl. Nós fazemos os testes de laboratório em ratinhos e se nós lhes provocássemos esse tipo de hiperlipemia, eles teriam problemas graves cardiovasculares, porque a inflamação dos vasos seria muito elevada.
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Os linfócitos que estamos a falar são apenas os T, estudados por Bruno Silva Santos?
Sérgio Dias: Ele estuda há alguns anos um subtipo de linfócito T, os gama delta. Nós no artigo até deixamos em aberto que o efeito do colesterol, sob outras populações de células do sistema imunitário, poderá não ser o mesmo. Nós estudámos apenas em concreto este subtipo de linfócito. Por ser de interesse do grupo dele e pela ideia de imunoterapia que ele desenvolveu, com a base na produção, no isolamento e na otimização dessas células, para depois transferir para pessoas. Em modelos animais de cancro da mama essas células funcionam exatamente dessa forma, ou seja, se nós transferirmos células gama delta, linfócitos ativados para animais com cancro, essas células vão diminuir severamente o crescimento do cancro, vão destruir os tumores.
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Porque é que se focou inicialmente no cancro da mama?
Sérgio Dias: Por duas razões, uma porque queríamos tentar perceber o efeito da gordura, dos lípidos, sobre tumores hormonodependentes. Porque há uma relação muito conhecida, da parte da Bioquímica, entre a produção de hormonas e lípidos, onde os níveis lipídicos são importantes para garantir uma produção hormonal adequada. Depois, do ponto de vista epidemiológico, estudos mais antigos, tentaram estabelecer uma relação, nomeadamente em mulheres, entre níveis lipídicos elevados e maior risco para desenvolver cancro da mama. O meu grupo realizou um estudo, que começou ainda eu estava no IPO, em que, a um grupo de mais de 300 mulheres com o diagnóstico com cancro da mama, (excluindo aqueles casos de hipercolestrolemia familiar), aquelas que tinham os níveis lipídicos acima do limiar normal, tinham tumores mais agressivos clinicamente, com presença de metástases, com mais proliferação das células. Logo a conclusão que apresentamos no artigo resultante do estudo foi da relação entre níveis lipídicos (colesterol) elevados e tumores de mama mais agressivos clinicamente.
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Sérgio Dias é Biólogo de formação. Fez o curso da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, doutorou-se no Cancer Research UK e fez o pós Doutoramento na Universidade de Cornell, nos EUA. Depois de oito anos fora, regressou ao país, onde criou um grupo de investigação no IPO de Lisboa. Aí manteve-se praticamente por doze anos, altura em que decidiu mudar para o iMM, depois de um desafio lançado por João Lobo Antunes que queria apostar fortemente na área da Oncologia. Atualmente acumula ao seu principal papel de Group Leader, a pasta do ensino, dá aulas de Oncobiologia na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.
No seu ADN tem a fórmula certa que junta a coragem ao espírito empreendedor e de mudança. Decidiu-se pelo instituto de investigação mais forte do país, para se debruçar no cancro, que é visto no iMM como uma doença sistémica, onde se integra “o hospedeiro e a forma como ele lida com o seu cancro”.
Há 4 anos no iMM fala da Ciência com os pés bem firmes no chão que pisa, mas sem perder a magia da curiosidade científica.
Os pés estão firmes na terra porque sabe que, para que as investigações possam ter continuidade, os investigadores precisam de subsídios cíclicos que só acontecem se fizerem candidaturas. Sabe, também, que os financiamentos podem ser nacionais, ou estrangeiros, de instituições privadas ou públicas. E podem acontecer, ou não. E mesmo no melhor dos cenários, e havendo financiamento, sabe ainda que não se abrem concursos todos os anos e por isso a espera é longa e deve ser bem gerida financeiramente. Ainda assim, e apesar de todos os estrangulamentos que a economia e o país têm sofrido, o Estado ainda é o que financia maioritariamente os ordenados e as bolsas das pessoas que com ele trabalham.
Num artigo recentemente publicado pela Cornell University, onde tirou o pós-Doutoramento, fala-se precisamente de um estudo que pesa o talento versus a sorte, medindo se o trajeto aponta mais para o sucesso, ou para o fracasso dos tantos cientistas que precisam de financiamento para continuar a investigar. Dos vários métodos estudados, concluem que o financiamento não deve ser elitista, promovendo apenas os que já são os mais conceituados pela comunidade.
Será a Ciência maioritariamente o caminho dos visionários, ou de pessoas que tiveram apenas sorte no projeto que escolheram? E se o cenário atual é menos promissor, por que razão seguem eles, mesmo sem nunca saber onde vão chegar?
Ao perguntar como se encontra a motivação certa para continuar a investigar doenças como o cancro, que teimam em não dar tréguas, a resposta é imediata “Ah isso é muito fácil, nós somos um grupo de pessoas que partilham valores e características que nos estimulam e ajudam a continuar: a curiosidade é o gozo de estudar, pensar em experiências e de chegar a conclusões ”.
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Joana Sousa
Equipa Editorial
