Reportagem / Perfil
Professora Ana Sebastião – Visita guiada às suas investigações do cérebro
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Escritos da Antiguidade que remontam a 5000 a.c., dizem-nos que quando morria alguém, se preservava cuidadosamente o coração, considerando que ele era o órgão responsável pela mente, pensamentos e emoções, fazendo do cérebro matéria pouco interessante e descartável. A História aponta para que só após Hipócrates, considerado o “pai da Medicina”, se passou a atribuir ao cérebro a responsabilidade de transportar a mente.
O cérebro tornou-se, desde então, alvo de profundas reflexões e estudos que foram avançando e acompanhando o ritmo das sociedades e dos seus médicos e investigadores.
Até hoje o único médico português a ganhar um Prémio Nobel (1949), Egas Moniz, é aquele que se aponta como a referência quando os seus sucessores nos explicam a razão de se terem apaixonado pelo cérebro.
Fomos conversar com a Professora Ana Sebastião, porque num mês que se fala de Neurociências, seria impensável não ouvir uma das mais fortes representantes da sua área e ainda mais estando na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Num gabinete quase sempre de porta aberta, recebe-nos com um sorriso e não aceita protagonismos excessivos, diz que é só mais uma peça, entre várias, de um todo ligado à ciência do cérebro, e recorda que no seu ADN de investigadora, há um ADN coletivo e que se deve ao passado histórico da Faculdade.
“Egas Moniz é o nosso elo e saiu desta casa. A descoberta dele muitas vezes foi mal usada, mal interpretada, numa altura em que a doença mental e a Psiquiatria estavam longe de ter respostas. O que o Prof. Egas Moniz, que supervisionava simultaneamente a Neurologia e a Psiquiatria, se apercebeu é que havia algo errado no cérebro, e que a doença mental era uma disfunção de conexões. Foi isso que o levou à sua hipótese da Leucotomia, ou seja, o corte de fibras brancas de comunicação, de determinadas vias cerebrais. Esta intervenção aconteceu em poucos doentes, mas eles ganharam alguma qualidade de vida, nesta altura não havia psicofármacos. Egas Moniz tinha uma frase que eu uso muito com os alunos e que diz que “as perturbações mentais provêm do desarranjo das sinapses [zonas de comunicação entre células nervosas], sendo estas a base orgânica do pensamento”. A Faculdade de Medicina tem muitas áreas de investigação e intervenção em Neurociências, desde a componente clínica, como a Neurologia e a Psiquiatria, à componente pré-clínica, onde o meu grupo se situa. Eu sou apenas uma das partes do todo”.
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Sabemos agora de onde vem a inspiração sobre as questões do cérebro, mas para percebermos como chega aqui, fale-nos um pouco do seu percurso.
Como aluna de Biologia, comecei por me interessar pelo comportamento animal, a Etologia. Sempre gostei muito dessa área. Contudo, quando se proporcionou concretizar a minha tese de Mestrado (o equivalente ao Mestrado, na altura), com o Professor Castro Caldas, desenvolvi um estudo de comportamento, mas de comportamento humano, de avaliação neuropsicológica de memória. Aí aprendi imenso sobre o sistema nervoso, sobre o cérebro, sobre o comportamento, sobre as áreas cerebrais associadas a determinados comportamentos. Foi, de facto muito enriquecedor! Mas percebi que a minha vontade de perceber os fundamentos das questões me tinha que levar para as células, para o sistema nervoso mais reducionista, o que se ajustava mais à minha formação em Biologia.
Depois, o Doutoramento já se afastou muito do comportamento, foi numa área da função sináptica, em junção neuromuscular. Foi desenvolvido em conjunto com o Prof. Alexandre Ribeiro e o objetivo era analisar o controlo da função sináptica, a comunicação entre neurónios. Neste caso concreto era entre um neurónio muito particular, o neurónio motor, e a fibra muscular, como modelo de comunicação entre duas células excitáveis. A minha tese foi desenvolvida no Instituto Gulbenkian de Ciência. Depois do Doutoramento voltei ao sistema nervoso central, um tema que para mim era muito estimulante para perceber as bases neurológicas do comportamento.
Dediquei-me durante muito tempo, e ainda agora nos dedicamos todos muito na nossa Unidade, a uma área que está muito envolvida em memória, o hipocampo. O objetivo é perceber como diferentes neurónios, no hipocampo, comunicam e como é que essa comunicação é controlada. É extremamente importante pensar como é que os neurónios comunicam, não só como se estimulam uns aos outros mas também como se podem inibir. O estudo da inibição da comunicação é tão importante, ou mais, do que a comunicação em si, porque é aí que está o controlo do sistema. Damos assim, muita atenção ao controlo inibitório do sistema. O controlo da comunicação neuronal, excitatória ou inibitória, tem sido o nosso campo de estudo, usando maioritariamente o hipocampo como área cerebral.
Progressivamente, talvez porque estamos numa Faculdade de Medicina, e porque as fontes de financiamento vão surgindo, dedicamo-nos mais a perceber as implicações em patologia. Isto é, o que está errado em várias patologias, o que está errado na comunicação neuronal. De facto, erros de comunicação neuronal estão subjacentes a muitas patologias, na sua origem ou nos seus sintomas iniciais. A epilepsia é o exemplo mais óbvio, pois há um desbalanceamento entre a estimulação e a inibição, se a causa é disfunção da excitação ou disfunção da inibição é variável consoante diversos fatores.
Há uma área de investigação grande, na qual estamos envolvidos, que consiste em perceber as causas da disfunção. A epilepsia é uma das patologias, a doença de Alzheimer é outra, também a esclerose múltipla, a esclerose lateral amiotrófica, são todas modelos de doença que nos interessam. Temos modelos animais e temos projetos em conjunto com outras unidades para investigarmos o que está errado nos neurónios.
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Nesta descrição que nos fez de algumas patologias, onde é que entra a molécula adenosina que sabemos que é tão especial para si?
A adenosina foi, por mim estudada, desde a tese de Doutoramento. A adenosina é um controlador da comunicação neuronal. Quando falamos em comunicação neuronal existem vários níveis. No nível básico, um neurónio comunica com outro neurónio, através da libertação de um neurotransmissor, que é a molécula de comunicação entre os neurónios. A outro nível, há uma série de moléculas que são os controladores, a adenosina é uma delas, e controla a quantidade de neurotransmissores que se liberta, a capacidade que o neurotransmissor tem de controlar outros neurónios. É assim, um controlador da atividade neuronal.
Para nós, que nos interessamos em perceber como é que a atividade neuronal se controla, é óbvio olharmos para a adenosina. Para além disso, é uma molécula com ações neuro-protetoras. Como muitas doenças do sistema nervoso implicam degeneração dos neurónios, a adenosina tem um papel importante nesse processo. Para além disso tem algumas ações exatamente opostas, ou seja, em determinadas situações patológicas podem promover ou agravar a lesão. É importante saber como é que algo que protege, em certa parte do percurso, vira o seu sentido de ação e começa a prejudicar.
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Já se conseguiu encontrar alguma parte desse percurso da molécula?
Já conseguimos, nós e outros, perceber que muitas moléculas de controlo neuronal ativam dois tipos opostos de recetores (que são outras moléculas) e o que acontece, muitas vezes numa situação patológica, é que o recetor que medeia os sinais benéficos começa a ficar deficitário e então começa a emergir o recetor que controla os sinais negativos. A base dessa alteração não é, ainda completamente conhecida.
O sistema nervoso é muito de equilíbrios. Para os alunos é muito importante perceber este equilíbrio. Um determinado fármaco, um medicamento para um determinado grupo de doentes, que visa corrigir o desequilíbrio, conhecido e que está estabelecido, pode produzir desequilíbrios num indivíduo que não precise dele. Por exemplo, o estudo da questão dos canabinóides interessa-nos nesse sentido.
Os canabinóides também são controladores da atividade neuronal, bem como a adenosina. Temos canabinóides endógenos no nosso cérebro. Obviamente, há patologias em que pode ser útil corrigir algumas disfunções desse próprio controlador. Mas estamos muito interessados em perceber como é que, em modelos animais, o consumo crónico de canabinóides pode desregular e desequilibrar o controlo da atividade neuronal. Para além disso, como é que dois controladores dessa atividade se controlam um ao outro, a adenosina e os canabinóides. Coexistindo nas mesmas sinapses como se controlam um ao outro. É uma área que, de facto, nos interessa muito.
Há pouco tempo publicámos um artigo que mostra que as disfunções de memória induzidas por canabinóides podem ser evitadas pela administração simultânea de um antagonista de um determinado tipo de recetor de adenosina. Agora estamos à procura dos mecanismos subjacentes a essa observação. Estamos a analisar a comunicação neuronal para tentar perceber porque é que isso acontece.
Os fatores neurotróficos também são uma área que nos desperta muita atenção. São fatores de proteção dos neurónios que também têm recetores que protegem e outros que podem agravar a situação de patologia. Por exemplo, na doença de Alzheimer há umas enzimas que cortam os recetores protetores e que os transforma em recetores de agravamento de doença. Estudar porque é que isto acontece, é muito importante para nós.
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No Instituto de Farmacologia e Neurociências coordena uma equipa de quase 40 pessoas. Fale-nos um pouco de como está organizada e quem a constitui.
Nós somos uma equipa grande. A razão de nos mantermos como uma equipa grande é porque privilegiamos muito a massa crítica de várias pessoas, pessoas diferenciadas, que podem conversar umas com as outras e dar contributos entre si. Cada uma das pessoas diferenciadas tem um grupo de estudantes.
Temos o grupo da professora Maria José Diógenes que está focado na doença de Alzheimer e na doença de Rett, que é uma epilepsia de desenvolvimento, que resulta também de um desequilíbrio da inibição, e que tem na sua origem uma disfunção parecida com a que se identificou na doença de Alzheimer.
O grupo da investigadora Sara Xapelli, interessado no controlo da formação de novas células neuronais. Neste momento sabemos que, ao longo da vida, há a formação de novos neurónios e de novas células de suporte dos neurónios. Em situações patológicas, muitas vezes, essa formação está alterada. Por exemplo, na Esclerose Múltipla, uma patologia do interesse do grupo, a formação de células do sistema nervoso que promovem o aumento da velocidade de comunicação entre neurónios, está comprometida mas está acelerada numa fase inicial da doença. O objetivo é perceber se podemos tirar partido desse momento de aceleração, para poder eventualmente evitar a progressão da doença.
O grupo da investigadora Cláudia Valente que está interessado em modelos de Epilepsia e na relação entre esta patologia e a neuro-inflamação. Sabemos que há neuro-inflamação na Epilepsia, o que se está a tentar perceber é se se conseguir travar as cascatas pro-inflamatórias se conseguirá travar, ou mesmo reverter, o desenvolvimento de desregulação. Estamos a manipular uma molécula que se situa mesmo no início da cascata inflamatória.
O grupo da investigadora Sandra Vaz está focado nos astrócitos, que são células do sistema nervoso que contribuem também para o controlo da atividade neuronal. O objetivo é perceber como é que estas células contribuem para a plasticidade sináptica. As sinapses não são sempre iguais, podem em determinada altura ficar modificadas, ficando mais reforçadas ou mais enfraquecidas. Este processo é muito importante nos contextos da memória, e é controlado por diversas moléculas, algumas libertadas pelos astrócitos.
O grupo do professor Alexandre Ribeiro está de momento focado fisiopatologia da esclerose lateral amiotrófica. Nesta doença existe numa disfunção do neurónio-motor. A disfunção acontece a vários níveis, central e periférico. O objetivo é percebermos os sinais iniciais da disfunção e a que nível ocorrem inicialmente.
O grupo que lidero diretamente estuda o controlo da atividade sináptica mais independente da patologia. Estudar como se controla a atividade excitatória e a atividade inibitória. Tentamos também perceber como é que os canabinóides influenciam as sinapses, como é que o consumo crónico de canabinóides causa disfunção desse controlo sináptico e como é que os canabinóides interagem com a adenosina para controlar a atividade sináptica, independentemente da patologia.
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Não bastando todos estes caminhos da investigação, tem ainda a coordenação do Projeto SynaNet. Um projeto Twinning que teve início em 2015 e que termina no final deste ano.
O que destacaria de fundamental destes 3 anos?
Como coordenadora do Projeto SynaNet vejo uma série de benefícios. É um projeto que envolve quatro Universidades. A Universidade de Lisboa, a University of Eastern Finland, a Universidade de Roma e Universidade de Lancaster. Os vários grupos estão interessados em perceber como é que as disfunções sinápticas têm implicações nas patologias neurológicas e nas patologias psiquiátricas.
Temos alguns estudantes de Doutoramento que fazem parte do nosso grupo que têm co-supervisores destas universidades. O facto de estarmos inseridos num meio que envolve investigadores interessados, por um lado, em as doenças neurológicas, e por outro em doenças psiquiátricas, faz com que haja um intercâmbio de interesses.
No Projeto SynaNet, o interesse comum são as disfunções sinápticas, e um dos objetivos consiste em promover o intercâmbio de alunos que estudam essas disfunções entre os vários grupos. Durante três anos, tempo de duração do projeto, há financiamento para o intercâmbio dos alunos entre as quatro escolas. Estes acabam por ser a via de comunicação entre os investigadores mais séniores. Há projetos de Doutoramento que são co-supervisionados pelos vários membros do SynaNet.
Os alunos podem aprender novas técnicas, participar em workshops, e assistir a Summer Schools desenvolvidos pelas várias escolas. Este projeto faz com que os alunos aprofundem os seus conhecimentos e interesses.
O financiamento para a mobilidade dos alunos acabará em dezembro de 2018. Mas, entretanto iniciaram-se uma série de colaborações que não acabarão nessa data.
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Depois é, também, Diretora do Colégio Doutoral Mente-Cérebro, que tem como objetivo potenciar a capacidade organizacional, científica, formativa e técnica da UL no estudo da mente e do cérebro. Como foi o crescimento deste Colégio na Universidade?
O Colégio Mente Cérebro, que conta com a participação da Dra. Rita Aroeira como gestora do Projeto, é uma estrutura que tem financiamento da Universidade de Lisboa. O objetivo da sua criação foi a colaboração entre várias unidades da Universidade, pondo a dialogar pessoas ligadas à investigação da mente ou do cérebro. Foram criados Programas de Doutoramento, com base em três pilares: o Programa de Ciência Cognitiva, o Programa de Neurociências Integradas e o Programa de Cérebro, Robótica e Cognição. Assim, um dos objetivos foi colocar os estudantes dos vários programas doutorais a conversarem entre eles e a beneficiarem desses contatos. A interação entre os vários investigadores dos diversos programas também é positiva. Temos casos de co-orientação de vários projetos e entre os vários orientadores. Vamos ver qual será o futuro do Colégio-Mente Cérebro, e como pode criar ainda mais sinergias.
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Mas há também aqui uma preocupação cívica de se ir falar de Ciência para a sociedade…
Essa também é uma das funções do Colégio, aliás uma das funções e interesses da Rita Aroeira. Desde há muitos anos que estamos envolvidos na semana internacional do cérebro, acontece na 3ª semana de março em todo o mundo e o objetivo dessa semana é por os investigadores a comunicar com a sociedade. Há uma organização internacional que dinamizou esse processo e em Portugal o primeiro membro da organização foi o Prof. Alexandre Ribeiro. A primeira semana em Portugal data de 1998; houve várias atividades, íamos a escolas, mas eramos só dois ou três e estávamos ainda há muito pouco tempo na Faculdade. Depois passou para um outro patamar, quando a Sociedade Portuguesa de Neurociências se envolveu nessa atividade e foi quando fui Presidente da Sociedade de Neurociências, e aí, já em 2004, comecei a envolver mais a sociedade nesta atividade. Nessa altura contei com dois apoios muito fortes, o Prof. João Malva, da Universidade de Coimbra e que vibra muito com estas questões, e obviamente o Prof. Alexandre Ribeiro que manteve sempre o seu apoio. Envolvemos a Ciência Viva neste projeto e nessa altura entusiasmaram-se com a nossa ideia e as coisas funcionaram muito bem. Desenvolveram-se plataformas em que as escolas se podem inscrever, através da Ciência Viva, para nós podermos ir às escolas. Isso foi de tal maneira um sucesso que tivemos de começar a travar as escolas, porque tínhamos já mais encomendas que possibilidade de ir. Isto passou a ter um caráter nacional porque a Universidade do Porto ia às escolas do Porto, a Universidade de Coimbra, em Coimbra e nós em Lisboa. Onde é que o Colégio entra aqui nesta questão? Como dinamizador da parte de Lisboa, porque na Universidade de Lisboa passámos a contar com mais envolvimento para além no nosso grupo ou mesmo da nossa Faculdade. Através do Colégio a participação na semana internacional do cérebro estendeu-se a toda a Universidade de Lisboa. Outro patamar ainda acima, e em que o Colégio tem estado muito envolvido, é na organização de mesas redondas para o público em geral. Há uma história muito engraçada e que foi a primeira mesa redonda que a Rita organizou. Estava um dia de chuva terrível e o tema era a doença de Parkinson e eram esses doentes que deveriam vir ao nosso encontro, e por isso imagine a dificuldade de movimento e deslocação. Eu nessa manhã disse à Rita que não íamos ter ninguém presente por causa da chuva, e, no entanto, a sala estava cheia. As pessoas, de facto, algumas com a doença e outros enquanto cuidadores, marcaram presença e foi um sucesso. Já houve sobre a doença de Alzheimer, sobre o Sono. O facto de nos conhecermos uns aos outros, acaba por convencer outros colegas a participar nestas mesas redondas, totalmente pro-bono, apenas pelo prazer de interagir com a sociedade, de nos abrirmos ao exterior.
Onde acho que ainda precisamos de investir mais é na interação com os municípios e na componente da sociedade mais organizada. A Câmara de Lisboa (CML) já tem várias ações com a Universidade de Lisboa e mesmo com o Colégio Mente-Cérebro, porque se falarmos de áreas como o envelhecimento ativo, faz sentido, por exemplo, integrar a parte urbanística. Ainda há poucos dias estive em Kuopio, na Finlândia, e vi um cartaz turístico que dizia que o investimento para o desenvolvimento de parques diminui muito os custos com doenças do foro psiquiátrico, e que ter uma vida saudável e mais em contacto com os parques, combate por exemplo a depressão, doença muito crítica nos países do norte. Concluem que poupam muito dinheiro ‘gastando dinheiro’ em parques. Em relação à CML ela tem demonstrado interesse em interagir com a Universidade de forma a ligar as questões urbanísticas, com as questões da mente e do cérebro. Mas precisamos de dedicar mais atenção ao assunto. É claro que as doenças neurodegenerativas, a vida ativa e a mobilidade são questões muito críticas e, portanto, há um interface entre as “estruturas da sociedade” e da Universidade, que nós gostaríamos de ampliar. Já temos algumas coisas, mas é uma porta importante para o futuro, porque é importante expandir. E uma das funções do Colégio é precisamente essa, dizer “nós estamos aqui e podemos ser úteis mas precisamos de vocês” (Câmaras, Juntas de Freguesia). Para sermos reciprocamente úteis a vários níveis. Estas atividades de divulgação da Ciência são interessantes também para que a sociedade saiba o que fazemos e assim sabemos o que esperam de nós, por outro lado os alunos treinam a falar de Ciência numa linguagem simples. Porque a dificuldade da Ciência é fazê-la simples, e isto aprendi com o Prof. Alexandra Ribeiro. Porque mesmo que uma informação seja muito complexa, devemos torná-la simples para que todos a percebam. E de facto, estes acontecimentos para a sociedade permitem estas aproximações para comunicar a Ciência de forma simples, mas não simplista. O Colégio tem esta capacidade de ser aglutinador entre estudantes e também entre investigadores, para que todos possamos contribuir para dar a conhecer a Ciência ao exterior. E até para a Universidade tem frutos porque aumenta a sua visibilidade quer de estudantes, quer de professores.
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Passou-nos um pouco esta ideia de missão social, mas sabemos que tem também uma missão enquanto líder, porque é conhecida por ser muito zelosa e orgulhosa com o trabalho das suas equipas. Sem nunca fechar os horizontes para que cada um busque o seu próprio caminho.
Essa é a função de qualquer pessoa que está numa carreira universitária. Nós temos que ir formando outros e esses outros também irão formar outros e assim vão tendo a sua própria autonomia e capacidade de formar. Estas coisas funcionam assim em pirâmide. Eu acho muito triste alguém chegar ao fim da carreira e não deixar sucessores. E esses sucessores podem não ficar no mesmo local de trabalho que nós, podem e devem ir para outros locais, mas é importante ir criando uma continuidade. Herdei este espírito do meu supervisor o Prof. Alexandre Ribeiro que sempre soube fazer isto. Soube espalhar colaboradores por todas as universidades do país, ele tem praticamente Professores Catedráticos por quase todo o país. Outro aspeto é termos sempre alguém que possa continuar a nossa obra, se depois vem mais alguém e que se junta a essa obra, isso já não dependerá de nós, mas formar pessoas é a nossa missão. E formá-las com autonomia, isso é inerente à nossa profissão, não tem propriamente mérito. Eu acho é que há demérito se as pessoas não fazem isso. Esta continuidade gera frutos, porque depois alarga aos alunos que vão dialogar e alarga a base de influência. E pode até facilitar que se captem verbas. Trabalhar em Ciência é uma forma de deixar um legado. O legado pode ser só em publicações, mas é muito importante que seja também em formação de pessoas… Essa foi a grande diferença que eu senti, apesar do aumento de responsabilidades e da carga de trabalho, a diferença entre estar só na investigação e orientar apenas um ou outro estudante de Doutoramento, e depois passar para a Universidade e aí há muito mais responsabilidade. Mas há mais capacidade de ser visível aos estudantes, de ter mais missão social, e isto torna-se numa bola de neve. A expansão é muito maior porque se vão criando vários círculos. Falando da equipa, a razão de nos mantermos muito juntos é a massa criativa e a partilha dos mesmos meios e ferramentas de trabalho. O mesmo animal é utilizado por várias pessoas, cada um usa a área que mais precisa para o seu trabalho e isto garante que se poupem recursos. Partilhamos também fármacos, anticorpos e no fim isso acaba por reforçar a equipa e evitar que cada um trabalhe no seu cantinho, independentemente da interação com o outro.
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E é verdade que ainda gosta muito de vestir a bata e ir para a bancada?
(Ri de felicidade) Gosto. Tenho pouco tempo para isso, mas gosto. Quando há uma avaria nos setup’s e tenho de ir para lá ajudar, não fico contente com a avaria, mas fico contente por ir. Mas há uma coisa que percebi a determinada altura é que para desenvolver determinadas atividades e experiências, é preciso ter a cabeça toda focada naquilo, não se pode estar sempre a interromper. A rentabilidade da atividade experimental reduz muito quanto nos desfocamos, quando interrompemos, porque a concentração é fundamental. Mas ainda gosto muito de ir para a bancada e de manter essa proximidade. A parte que gosto mais é estar com os estudantes a analisar e a desenhar experiências e às vezes penso que tenho pouco tempo para eles…
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Nota de agradecimento – E equipa editorial agradece a preciosa colaboração da Doutora Rita Aroeira para a recolha de informação e preparação da entrevista e todo o apoio prestado durante o processo.
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Ana Raquel Moreira e Joana Sousa
Equipa Editorial