Momentos
Professora Isabel Pavão Martins - Uma conversa no final do Mandato
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É médica neurologista no Hospital de Santa Maria e duas das suas áreas de interesse são o estudo das cefaleias e o das funções cognitivas. Na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa dá aulas de Neurologia e dirige o Laboratório de Linguagem, que estuda a linguagem bem como outras funções mentais, debruçando-se, particularmente, sobre as lesões cerebrais.
Desenvolve, ainda, no Departamento de Educação Médica (DEM), um trabalho de formação de docentes. Tem diante de si, diz-nos, um vasto caminho a percorrer. A sua ambição é criar uma maior abertura e internacionalização da Faculdade.
Durante três anos foi presidente do Conselho Pedagógico da Faculdade de Medicina. No dia 11 de dezembro deixou essa pasta, passando-a para as mãos do Professor Joaquim Ferreira.
Com um olhar tolerante de um azul vivo, assume uma postura de rigor generoso. Numa conversa breve, entre agendas que nem sempre se conciliam, Isabel Pavão Martins fez um balanço do essencial deste seu mandato. É-lhe intrínseca uma natural sabedoria que só o tempo e a experiência trazem.
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Qual é o papel do Conselho Pedagógico?
É o único conselho na escola que tem paridade absoluta entre alunos e professores, éramos 6 - 6 com direito a voto, com situações em que, se não estiverem professores a votar, os alunos ganham. Tem de haver diálogo e consenso.
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Nestes três anos e olhando para trás, o que é que destaca, o que a leva a dizer “missão cumprida”?
Foi sobretudo mudar um pouco e tornar mais visível o pensamento da casa em relação ao ensino. Muitas vezes os médicos, e acho que isto se passava na maior parte das faculdades, achavam que bastava ser médico e ter uma especialidade, ou ser investigador e pronto, já podiam dar aulas. E eu acho que cada vez mais o ensino é, também, uma formação. O ensino está a mudar no mundo inteiro, basta ver a Comissão de Ensino da União Europeia. Tudo mudou com as novas técnicas de informação e comunicação. Os alunos já não estudam em livros e isso está a mudar a forma como se ensina Medicina. A grande mudança no ensino tem sido liderada pela Universidade de Harvard, mas também no Canadá, e eu queria transmitir isso aos nossos docentes. Insistimos bastante com as Notícias do Pedagógico (lançaram notícias semanais do Pedagógico que pudessem ser lidas em telemóveis, sobre anúncios, notícias de eventos, destaques de prémios, entre outras ideias) e o Manual da Pedagogia, com o desenvolvimento do Dia da Pedagogia, que este ano já teve 250 inscritos, fundamentalmente, pessoas da casa. E depois surgiu o Departamento de Educação Médica, quando começámos não existia, quer dizer, estava sem funcionar e veio melhorar as práticas pedagógicas. Envolver os alunos na prática da Educação Médica é uma condição da excelência na prática das escolas médicas.
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Sentiu resistência pela parte dos Docentes quanto às novas abordagens do ensino?
Há um bocadinho de resistência. Ninguém gosta de mudar, de sair da sua área de conforto. Às vezes vê-se duma forma depreciativa, “o que é isso do ensino médico e para que é que ele interessa?” E, no entanto, como tudo está a mudar, temos de mudar também para não ficarmos obsoletos. Dentro da Universidade de Lisboa, o melhor exemplo é o Instituto Superior Técnico (IST), que está sempre a fazer ações de formação dos docentes. Implementaram questionários e balanços semestrais, para ver como está a ser prestado o ensino, ouvindo a opinião dos alunos e integrando-a na avaliação dos docentes.
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A Faculdade nunca tinha tido este tipo de questionários?
Tinha, mas eram promovidos pela Associação de Estudantes. E agora estão presentes e os docentes terão que os ver e aceitar como parte integrante da sua rotina. Isto é uma quebra da mentalidade. Já não é só o professor a decidir, vamos ouvir os alunos e eles podem ter uma palavra a dizer. Tem, no entanto, que haver limites estabelecidos, não são de repente os alunos que nos vêm ensinar o que deve ser ensinado. Queremos formar médicos de qualidade e quem está do lado do médico já formado tem, obviamente, muito mais experiência, muito mais conhecimento. Mas os alunos também são importantes. Hoje em dia podem aceder a tudo na internet, assistir a aulas de uma Universidade Americana, e já não são os mesmos alunos de há 20 anos.
Uma das críticas que se levanta, ainda, é termos poucas respostas por parte dos nossos alunos. Começamos com 15% e já estamos em 40% de adesão. Mas para se ser representativo, há que se assumir responsabilidade e isso envolve os dois lados: o aluno que deve ser sério na sua avaliação e o professor que olha para essa avaliação e incorpora as sugestões dos alunos. Exemplo disso foram os dois professores que foram eleitos como os melhores este ano: Prof. Carmo Fonseca e Prof. Luis Costa –oncobiologia - regularmente ouvem opiniões e incorporam novas ideias e novas formas de ensino. São exigentes, mas agradam os alunos porque os envolvem. O Beyond Med, (antigo Dia da Pedagogia e Educação Médica, é um evento anual que promove a reflexão acerca da atual realidade do Ensino nas escolas médicas em Portugal, entre docentes e discentes, e o dia em que revelaram os professores eleitos) é um dos grandes eventos para eles, pelo seu envolvimento, pelas propostas que fazem nos temas em debate.
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Reparei que ao receberem o Prémio Prof. Doutor João Gomes Pedro (prémio que quer premiar a excelência no Ensino), uma das características que os alunos mais destacaram foi, precisamente, a exigência, o rigor.
Os alunos não gostam do facilitismo. Repare, os alunos de Medicina que vêm para cá são os melhores do secundário, o atual diretor do Técnico, Arlindo Oliveira, diz uma coisa interessante: os alunos, nas escolas de onde vêm, estão habituados a ser alunos de 18 valores e de repente vão competir com os melhores, são os melhores com os melhores e passam de alunos de 18 a alunos de 14. Isso desestabiliza-os. A adaptação no primeiro ano é muito difícil, mas obriga-os a ter o tal rigor e a estudar de outra forma. E a escola tem de lhes dar as coisas organizadas para eles poderem ser bons. Porque os excecionais são excecionais em todo o lado, mas nós temos de formar quase 400 médicos por ano e não só uma franja de génios. A nossa preocupação deve ser essa média maior de alunos.
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Olhamos para a relação entre Professor e aluno nesta Faculdade e sentimos que há um respeito mútuo e que os Professores olham os alunos como os fiéis seguidores dos seus ensinamentos. Também vê assim?
Sim, talvez, a Medicina é ensinada de uma forma um pouco tutorial. Claro que, com quase 400 alunos por ano, não se consegue essa relação tão direta com todos os alunos. Mas a relação tem muito esta história do aprendiz como a pessoa que está diretamente em contacto com o tutor, e talvez isso atribua características especiais à Medicina. Primeiro é o nosso aluno, depois o nosso ajudante, depois o nosso parceiro. Não acontece com todos, claro.
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Agora que deixa este mandato, fica saudade?
Saudade fica, porque foi um tempo de aprendizagem na escola e, até, pessoal, mas é importante rodar e conhecer novos departamentos. Eu mantenho-me, mas agora do lado das Neurociências e da Neurologia, que é a minha área. Vou agora passar para o departamento de Educação Médica, onde, aliás, já estou. Este departamento debruça-se sobre as técnicas de ensino, as formações dos docentes, em criar as melhores condições de ensino. A Prof. Madalena Patrício é a Diretora do Departamento de Educação Médica. Continuamos com as formações, ainda há pouco tempo esteve cá o Professor Richard Fuller (Director de Programas Educacionais em Inglaterra, no Leeds Institute of Medical Education) a dar um workshop sobre testes de escolha múltipla. Estive nessa formação e foi muito interessante. Ele esteve também no Beyond Med, deu novas técnicas sobre avaliação e dos alunos usarem os próprios telemóveis para se informarem. Nós temos alunos que, hoje em dia, sabem que terão de ter formação ao longo da vida. Aquela ideia de que se tira o curso e após o curso se fecham os livros e se vai fazer a prática clínica, isso acabou. Três anos depois já há coisas novas, a medicação mudou, os critérios de diagnóstico são outros. Portanto, a Faculdade deve treinar o aluno para, ao longo da vida, continuar sempre a sua formação e daí as técnicas de usarem cada vez mais os seus próprios smartphones. Hoje em dia a informação é tanta que, por vezes, o excesso de informação pode ser inútil, porque lidamos com um tipo de doente diferente, que também andou a ver tudo na internet. Ou seja, nós, médicos, detemos uma autoridade que é o conhecimento sólido e científico e não todas essas coisas que qualquer um pode ler.
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Quando fazemos um plano de metas sabemos que, ao longo do caminho, vamos desistindo de algumas. Foi o caso?
Eu acho que a formação de alguns docentes não foi completa, que podíamos ter feito mais, mas como apareceu o departamento de Educação Médica, foi uma área que achámos que não era nossa, delegámos.
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Joana Sousa
Equipa Editorial
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