Reportagem / Perfil
Pedro Simas – Há vírus que levam à cura
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O quadro cheio de fórmulas matemáticas e a mochila da UnderArmour largada em cima da mesa mostram que uma pessoa é um somatório de coisas e não apenas um estereótipo.
É um cientista de formação académica, mas procura nos desportos radicais o ponto de equilíbrio. Prefere ficar em segundo ou terceiro lugar nas provas físicas porque “é preciso sentir sempre o sacrifício para se ser o melhor”.
Espero na sala onde trabalha com a sua a equipa de investigação, enquanto percebo que troca, com um dos elementos, impressões sobre o comportamento dos ratinhos numa experiência.
Chama-se Pedro Simas, se falarmos com o cientista que lidera um grupo de investigação do Instituto de Medicina Molecular (iMM) e que, em coordenação com Harvard, analisa o vírus quimera como o passaporte para cura de algumas derivações de cancro. Mas é o João Pedro, se falarmos com o homem que talvez um dia regresse à terra do pai, nos Açores.
Inicialmente de poucas palavras, dá-me a conhecer alguns artigos publicados sobre o seu projeto de investigação de vírus herpes, que pode existir em 90% da população mundial, mas nunca se manifestar e que, degenerando numa “infeção viral persistente, pode estar associado à existência de um cancro”.
Desses artigos, sei que este grupo de trabalho descobriu que humanos e ratinhos têm um vírus equivalente, o vírus Kaposi e que ambos têm uma proteína comum, a LANA, que, embora vivendo de forma diferente no seu hospedeiro, tem comportamento semelhante. No entanto, a proteína existente nestes animais permite à investigação “extrapolar para o que acontece na infeção humana”. Assim se chegou ao vírus quimera que, manipulado com pequenas moléculas, permite inibir a LANA, conseguindo travar a infeção viral e, consequentemente, a sua doença.
Mais adiante, o passo pode ser ainda mais gigante, aplicando a mesma estratégia experimental de criar vírus quimeras a outros vírus que usam proteínas equivalentes à LANA e assim travar outros vírus herpes que degeneram em outros cancros.
Está sentado junto ao computador, enquanto espreita a Newsletter e me pergunta em que rubrica ficará o texto. Talvez o Espaço Ciência, mas explico que o que me interessou foi saber quem são as pessoas por detrás dos projetos. Talvez essa justificação tenha captado um pouco a sua atenção para a conversa que se seguiria. Pergunto-lhe como é que alguém que se dedica a descobrir como se prolonga a vida dos outros põe tantas vezes à prova a sua própria vida. Percebi, então, que também é um estereótipo considerar que quem faz surf ou pesca submarina sem recurso a botija quer pôr a sua vida à prova. E também que a tentação é precisamente essa, a busca constante pela imortalidade, como se nos quiséssemos esquecer, à partida, que há um fim.
Pedro Simas pôs em causa essa imortalidade quando sofreu uma queda aparatosa a fazer Downhill e o médico lhe diagnosticou uma lesão séria no pescoço. Passou dias a rever a vida como um filme e foi a falta de perspetiva perante o que seria o futuro que o fez procurar o seu amigo cirurgião João Lobo Antunes, que lhe garantiu não ter nada de grave. Percebeu, tempos mais tarde, que a imortalidade desaparece quando se deixa de projetar aquilo que já fomos e vivemos, num caminho mais adiante, como explicou Churchill: “If we open a quarrel between past and present, we shall find that we have lost the future”.
O homem que gosta tanto da Ciência quanto do desporto, não conseguindo optar apenas por um amor, quer, no fundo, ser tão imortal quanto os pacientes que um dia resolverão as suas doenças graças aos avanços da Ciência.
Hoje em dia dá aulas de Microbiologia, na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Explica diariamente aos seus alunos o que sabemos sobre vírus, que por serem agentes particularmente difíceis de combater, exigem sempre que se estudem mais e novos métodos de combate, o que faz com que a meta de um cientista, no caminho para o conhecimento da doença, nunca seja verdadeiramente atingida. Prossegue, por isso, o seu projeto de investigação com Harvard e o iMM, onde trabalha agora, graças ao novo financiamento que a Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) aprovou, depois de acabarem os primeiros fundos, em 2013.
Para chegar aqui, passou por Cambridge, onde concluiu o Doutoramento e viveu durante dez anos. Diz que o que aprendeu foi, principalmente, a saber ouvir, porque a genialidade dos outros só o podia fazer observar.
Foi também a Itália absorver novos conhecimentos, que o levaram a tornar-se num mestre gelateiro. Abriu a Sorbettino, no Chiado e criou um sabor único dedicado ao iMM, nata com esferas de menta. Quando lhe perguntei, no final da conversa, se a imortalidade poderia ter um sabor de gelado, respondeu que talvez pudesse ser a laranja, sabor que escolheria se só pudesse comer uma fruta para o resto da vida.
O resto da vida é o que os cientistas estudam, todos os dias, para que a vida seja só mais um dia imortal.
Seja o vírus quimera, sejam outros vírus que ainda estão por descobrir, o caminho da Ciência é infindável, mas dá todos os dias um passo mais rumo à cura.
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Joana Sousa
Equipa Editorial