Mais e Melhor
O Natal tem anjos da guarda no Hospital
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Chegou com os ténis desapertados e a respiração ofegante de quem desceu dois pisos a correr. Optou por não almoçar para conseguir conversar comigo, mas diz com um ar natural e feliz que, na verdade, nunca se almoça ali. Apesar do alerta laranja em todo o país, o vento e a chuva não arrefecem a adrenalina desta médica que aparece com a farda de manga curta. Inseparável de um bip, espreita-o regularmente, ignorando o telefone pessoal que larga em cima da mesa.
Chama-se Rita Espírito Santo e, após seis anos em Medicina e mais seis para tirar a especialidade em Pediatria, está no último ano de internato, que acaba a 31 de dezembro.
Ainda não tem filhos mas acredita que se fica mais sensível depois de se ter um. Os seus doentes são todos pequeninos e gosta particularmente dos que acabam de nascer e dos que mal falam. Escolheu Pediatria porque acha a melhor especialidade de todas. “Estes doentes são diferentes”, diz, “muito verdadeiros, mostram exatamente como estão. São, também, os que têm a maior capacidade de recuperação, e aqueles que todos gostam”. Preferiu não seguir cirurgia, mas sim especialidade médica, porque prefere ver as crianças acordadas e ir criando laços com elas. “Se gostam de nós, gostam, mas, se não gostam, temos de as conquistar. A criança é surpreendente quando está boa, no final de uma consulta em que estiveram desconfiados, acabam por sorrir e isso é uma conquista”.
Considera que os Pediatras são dos médicos mais minuciosos porque têm de pesar todos os detalhes: peso, o que se comeu ou não, quantos dias de antibiótico tomam. Por outro lado, os pais estão tão empenhados quanto o seu médico e logo a exigência é muito maior. Conhece todos os seus meninos da consulta geral de Pediatria. Sabe os nomes e os traços de personalidade. Consoante os meses de vida que têm, vão também tendo diferentes registos na interação com a Pediatra, numa fase riem, noutra estranham e desconfiam e de repente passam a olhar para o médico como um herói que tem uns adereços incríveis que os outros adultos não têm.
(Nesta altura ouve-se um grupo de animação a cantar para as crianças, enquanto percorrem o corredor)
É o quarto ano que Rita Espírito Santo passa o Natal no Hospital. Já passou pela urgência de Pediatria em Santa Maria, esteve em Cascais, esteve outro ano na Unidade de Cuidados Intensivos e este será na Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais.
Foi, na verdade, o tema de passar um Natal no hospital que me fez ir ao encontro desta médica Pediatra. Passar o Natal a trabalhar pode causar uma sensação de estranheza por se ficar longe da família, mas quando o dia chega, cria-se um espírito de união especial, explica. “Há uma grande empatia porque muitos trabalham nesse dia, temos os amigos secretos e reúnem-se na sala tantos doces que até fica aquele cheiro a doces de Natal. Desejamos a todos os doentes as boas festas e é um dia que, mesmo a trabalhar, tem uma felicidade especial porque as pessoas ficam mais unidas. Geralmente, no Natal, temos visitas de alguém que vem fazer atividades e alguns médicos da equipa vêm ao Hospital ver quem cá ficou. Os colegas que têm filhos recebem visitas deles e nós, às vezes, também temos surpresas da família que nos vem ver”.
Já para os mais pequenos a realidade é outra, “as crianças não compreendem bem, mas sabem que há algo diferente no Natal”. Geralmente, aquelas que estão no Hospital nesta altura, não têm sintomas ligeiros, nem estão de passagem, “as constipações e viroses chegam-nos já de dia 26 em diante. A urgência de Pediatria, por ser externa, é mais leve, tem muita gente, mas a maioria não fica cá”.
Rita Espírito Santo explica que Santa Maria é o “Hospital diferente que recebe tudo quando mais ninguém sabe o que fazer e há muitas situações que acontecem só ali”. Tendo estado na Unidade de Cuidados Intensivos, no natal passado, acabou por viver a perda de um menino no dia 25 de dezembro e teve de gerir a notícia a dar à mãe. "Esta morte foi inesperada, foi um adolescente de 16 anos., tinha uma infeção gravíssima. O que tornou a situação mais difícil".
Agora nos Cuidados Intensivos Neonatais reforça a ideia que já tinha nos Cuidados Intensivos Pediátricos, “tudo o que seja intensivo trabalha-se entre a vida e a morte. Pode acontecer um dia estarem cá, no dia a seguir, partirem”. São estes os casos que fazem os médicos ir rever todos os procedimentos e verificar tudo de trás para a frente, novamente. Sentem revolta quando perdem uma criança e esse sentimento acompanha-os ao longo do dia, mas têm noção que até para se sentir tristeza é preciso haver um prazo, “no dia seguinte tem de passar, porque há outros meninos à nossa espera. Mas é difícil esquecer quando perdermos uma criança numa situação inesperada. Sabe que no nosso país é quase inaceitável uma criança morrer.”
Portugal é dos países com menor taxa de Mortalidade Infantil (número de óbitos de crianças com menos de um ano de idade), bem como da Taxa de Mortalidade Neonatal (número de óbitos de crianças com menos de 28 dias de idade). De acordo com a revista The Lancet, Portugal surge no nono lugar dos países mais seguros para se nascer, com dados estudados até 2012. Da lista, que inclui 162 países, acima de Portugal estão apenas alguns países nórdicos, o Japão e a Coreia do Sul.
Portugal tem, ainda, um sistema de saúde gratuito para todas as crianças até aos 18 anos e é dos países com mais nascimentos em hospitais, tendo cuidados neonatais pioneiros e um plano nacional de vacinação gratuita dos mais abrangentes.
De acordo com informações da Direção Geral de Saúde, e a respeito do Plano Nacional de Vacinação, já se conseguiu mudar, em Portugal, o perfil das doenças infeciosas, o que explica a redução da mortalidade infantil, bem como a erradicação da varíola e o fim da paralisia infantil, da rubéola e do sarampo. Outras doenças seguirão o mesmo rumo. E apesar dos dados da OCDE nos dizerem que nascem mais bebés com menos de 2500 gramas, e de termos um aumento dos partos de bebés prematuros, pela idade avançada das mães, ainda assim, ser criança em Portugal é uma excelente notícia.
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Joana Sousa
Equipa Editorial