Obituário
In memoriam - Prof. Fernando Abreu de Carvalho Araújo (1922-2017)
Faleceu em 11 de Setembro de 2017, aos 95 anos de idade, o Professor Carvalho Araújo, Professor Catedrático Jubilado da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e ex-Director do Serviço de Doenças Infecciosas do Hospital de Santa Maria (1968-1992).
As Doenças Infeciosas estão de luto, pelo falecimento do Prof. Fernando Abreu de Carvalho Araújo, no dia 11 de Setembro de 2017, por complicações relacionadas com doença renal, aos 95 anos de idade. A identidade das Doenças Infeciosas, em Portugal, ficou a dever, e muito, ao Prof. Carvalho Araújo, tendo sido ele o obreiro do reconhecimento na Ordem dos Médicos da Especialidade, da criação da Sociedade Portuguesa de Doenças Infecciosas (actualmente Sociedade Portuguesa de Doenças Infecciosas e de Microbiologia Clínica) e da Revista Portuguesa de Doenças Infecciosas, em 1985, tendo sido o seu primeiro Director.
O Prof. Fernando Abreu de Carvalho Araújo licenciou-se, em 1950, em Medicina e Cirurgia pela Faculdade de Medicina de Lisboa, tendo-se doutorado em 1965 com a tese “Contribuição para o estudo da toxoplasmose em Portugal”, levantando, neste trabalho, a hipótese, pela primeira vez, da possibilidade da existência de uma forma de resistência de Toxoplasma gondii, a qual foi identificada mais tarde e, por outro lado, de ter confirmado, pela primeira vez, um caso de toxoplasmose adquirida em Portugal. Na altura do doutoramento, o Prof. Carvalho Araújo era 1º Assistente da Cadeira de Clínica de Doenças Infecto-Contagiosas da Faculdade de Medicina de Lisboa. Em 1968 foi nomeado Director do Serviço de Doenças Infecto-Contagiosas do Hospital de Santa Maria, em 1970 Professor Auxiliar e em 1973 fez concurso de provas públicas para obtenção do título de Professor Agregado de Medicina Interna da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, mais tarde foi Professor Associado e, finalmente, Professor Catedrático desta Faculdade.
O Prof. Carvalho Araújo foi um seguidor da escola francesa de Doenças Infecciosas e as diversas visitas que fez a alguns estabelecimentos franceses de investigação científica e de assistência médica em Doenças Infeciosas, nomeadamente ao Instituto Pasteur de Paris (Departamento de Investigação Virológica e Departamento de Estudos em Micologia), ao Hospital de Claude Bernard, “o maior bastião francês, célebre em toda a Europa, na luta contra as doenças infecto-contagiosas”, ao Hospital de Saint Vincent de Paul e, mais tarde, ao Serviço de Reanimação do Hospital de Claude Bernard permitiram-lhe dar forma aos planos de criação de um modelo para um Serviço de Doenças Infecciosas autónomo e formatado para receber doentes com doenças infeciosas correntes nos anos 70, do século passado. Foi um trabalho hercúleo que só atingiu os objectivos pretendidos devido à visão e à capacidade de trabalho do Prof. Carvalho Araújo – remodelação do Arquivo e da Biblioteca, que passou a estar enriquecida com os principais livros e revistas sobre doenças infeciosas, criação da Consulta Externa do Serviço de Doenças Infecciosas “que representou uma economia de mais de 1.000 dias/cama/ano”, oficialização da Urgência Interna e criação da ambicionada Unidade de Tratamento Intensivo de Doentes Infecciosos, a que foi dada o seu nome, pelo reconhecimento do esforço, da dedicação, do espírito dinamizador e do elevado sentido das realidades do Grande Mestre da Infecciologia em Portugal. Para além do mais lançou as bases para a criação, no Serviço de Doenças Infecto-Contagiosas, do Laboratório de Microbiologia Aplicada.
O seu interesse pela toxoplasmose motivou a constituição, por parte do Ministério da Saúde e Assistência, em 1969, de um Centro de Estudos da Toxoplasmose, o qual foi enquadrado, por acordo com o Dr. Arnaldo Sampaio, ao tempo Inspector Superior de Saúde, nas instalações do futuro Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge.
O Prof. Carvalho Araújo deixou uma vasta obra de trabalhos publicados, para além de ter criado, em 1968, a revista Medicina Hoje “destinada aos médicos recém-formados e àqueles outros que vivem longe dos grandes centros médicos”. À data era a única revista de informação médica, editada em Portugal, contendo exclusivamente, trabalhos científicos originais de médicos portugueses. Nesta revista publicaram artigos, de entre outros, Ducla Soares, Arsénio Cordeiro, Fernando de Pádua, Celestino da Costa, Jorge Horta, Gouveia Monteiro, Ramos Lopes, Thomé Villar, Armando Porto, Girão do Amaral, Sales Luís, Palma Carlos, Pinto Correia, Norton Brandão, Mário Marques, Nazaré Vaz, Carneiro Chaves, Balcão Reis, Carneiro de Moura, Óscar Candeias e Rui Proença. Todos eles grandes figuras do Ensino Médico, em Portugal.
Um dos projectos mais ambiciosos do Prof. Carvalho Araújo foi a criação de um “Centro de Investigação privativo da Clínica de Doenças de Infecto-Contagiosas da Faculdade de Medicina de Lisboa”, projecto esse que se veio a concretizar mais tarde, 40 anos depois, com a criação do Centro de Investigação Clínica e de Tratamento Integrado da Infecção VIH/sida e Hepatites, no Serviço de Doenças Infecciosas, do Hospital de Santa Maria, em 2011.
O Prof. Carvalho Araújo foi louvado pelo Enfermeiro-Mor dos Hospitais Civis de Lisboa, em 1953, pelos serviços prestados no Hospital de Santa Marta e pelo Director-Geral da Saúde, em 1968, pela colaboração prestada durante o surto de febre tifóide ocorrido em Alhandra.
O Prof. Carvalho Araújo foi sempre muito grato a todos aqueles que o dirigiram e orientaram na sua formação, mas, também, nunca esqueceu aqueles que com ele compartilharam a vida profissional no Serviço de Doenças Infecto-Contagiosas, mais tarde designado Serviço de Doenças Infecciosas, de que foi Director durante 24 anos (1968-1992). A este propósito afirmou “Orgulho-me de ter tão excelente equipa, uma equipa unida, consciente e esclarecida, altamente especializada e extremamente eficiente, com a qual dá muita satisfação trabalhar”.
O Prof. Carvalho Araújo regia-se por princípios éticos e profissionais muito rigorosos, no desempenho das suas funções médicas e docentes e, a propósito do seu pedido de demissão de professor da Escola de Enfermagem do Hospital Escolar de Santa Maria, em 1970, afirmou “Cabe aqui dizer que no meu pedido de demissão, de tais funções, pesou muito, também, a minha oposição, quase frontal, ao programa anacrónico que, ano após ano, me foi imposto e a minha discordância, por mera questão de princípios, do sistema de retribuição pelos serviços, efectivamente, prestados, retribuição muito pouco dignificante para quem ensina, mas muito menos, ainda, para a Instituição que a pratica”.
Todos aqueles que beneficiámos dos ensinamentos e do convívio com o Prof. Carvalho Araújo devemos-lhe um sentimento de gratidão e a certeza de que o reconhecimento que têm as Doenças Infeciosas em Portugal é devido ao legado que nos deixou e que procuramos honrar.
Francisco Antunes
Especialista em Doenças Infecciosas e Medicina Tropical
Instituto de Saúde Ambiental
Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa