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Relação entre a conservação dos Recursos Florestais Urbanos, a Ciência e a Saúde Pública
Apesar da esperança de vida ter aumentado substancialmente no último século, continua a registar-se enorme incidência de doenças relacionadas com problemas ambientais associados ao desenvolvimento urbano. Estes problemas devem-se sobretudo às emissões de poluentes atmosféricos provenientes do tráfego rodoviário. Apesar da União Europeia ser rigorosa em matéria de gestão e controlo das emissões provenientes de veículos automóveis, o seu efeito positivo na qualidade do ar urbano encontra-se actualmente ameaçado pelo crescente número de veículos.
A poluição atmosférica é, actualmente, um dos maiores factores de degradação da qualidade do ar e, de modo geral, da qualidade de vida nas cidades. A maior parte da população vive ou trabalha em áreas onde a concentração de poluentes atinge níveis que afectam a saúde. A exposição aos poluentes, tais como partículas e ozono, têm sido associados a taxas de mortalidade mais elevadas e maior número de admissões hospitalares devido a problemas respiratórios e cardiovasculares (1).
A Organização Mundial da Saúde inclui, na definição de “ambiente e saúde”, “tanto os efeitos patogénicos directos das substâncias químicas, das radiações e de alguns agentes biológicos, como os efeitos na saúde e no bem-estar do ambiente em sentido lato, físico, psicológico, social e estético, que engloba a habitação, o desenvolvimento urbano, o uso dos solos e os transportes” (2) . Embora seja um problema que afecta toda a população, as crianças são particularmente vulneráveis àqueles efeitos porque, em geral, são mais imediatos.
Existe um conjunto de afecções, nomeadamente as doenças respiratórias, asma e alergias que podem estar associadas à poluição atmosférica no interior e exterior dos edifícios; as perturbações do desenvolvimento neurológico podem ser provocadas por metais pesados, poluentes orgânicos persistentes, tais como dioxinas e bifenitos policlorados (PCBs), e pesticidas; o cancro infantil pode estar relacionado com uma multiplicidade de agentes físicos químicos e biológicos. Além disso, está provado que indicadores de saúde infantil tais como o baixo peso à nascença e problemas de desenvolvimento, em particular no primeiro ano de vida, podem estar associados a efeitos do ambiente.
A 11 de Junho de 2003 a Comissão Europeia apresentou, através da Comunicação ao Conselho, ao Parlamento Europeu e ao Comité Económico Social Europeu “Uma Estratégia Europeia de Ambiente e Saúde”. Esta estratégia tem como objectivo a redução da incidência de doenças causadas por factores ambientais e o aprofundamento das lacunas existentes entre os factores ambientais e os seus efeitos na saúde.
Os riscos associados às duas componentes de poluição do ar (exterior e interior) e as diferentes formas como são percepcionados pelos cidadãos podem ter enorme influência em termos das atitudes e acções consequentes, desempenhando um papel decisivo no minorar ou amplificar das potenciais consequências que as situações de risco podem induzir. E, consequentemente, no redesenhar das cidades.
As áreas verdes urbanas, como parques e jardins públicos ou particulares, proporcionam áreas de lazer, de prática desportiva e de estudo. No entanto, para além do papel lúdico, a vegetação urbana pode, directa e/ou indirectamente, influenciar a qualidade do ar alterando o ambiente atmosférico local. As manchas florestais urbanas providenciam muitos benefícios e serviços ecológicos, tais como: redução da água de escorrência; redução do efeito de “ilha de calor” nas cidades; sequestro de CO2; redução da poluição atmosférica; barreiras ao ruído; diluição da temperatura das massas de ar envolventes. A cidade de Lisboa, sobretudo a baixa de Lisboa na zona da Avenida da Liberdade, tem ultrapassado, com elevada frequência, os limites legais de deposição de poluentes sobretudo de partículas (PM10).
A vegetação reduz os poluentes de duas maneiras: (i) de forma directa – uma vez que as árvores absorvem os poluentes gasosos como o SO2, o NOX e o O3 através dos estomas e podem dissolver os poluentes solúveis em água nas superfícies das folhas húmidas. As copas das árvores podem ainda interceptar as partículas, funcionando como filtro; (ii) de forma indirecta, ao evitar as emissões de poluentes por redução da temperatura, reduzindo a actividade das reacções químicas, que produzem compostos secundários nas áreas urbanas e pela evapotranspiração das folhas nas estações quentes, aumentando a humidade do ar e, consequentemente, a dissolução de poluentes solúveis.
O Jardim Botânico do Museu Nacional de História Natural da Universidade de Lisboa (JB-UL) é um dos maiores jardins da cidade de Lisboa, quer em área métrica e volumetria do copado arbóreo, quer em diversidade florística e funcional. Em pleno coração de Lisboa e em forte contraste com o seu bulício, os cheiros e os sons do JB-UL dão recolhimento e deleite. São 4ha que se espraiam desde a 7ª colina – ao Príncipe Real – até à Avenida da Liberdade seguindo o caprichoso desenho das veredas, canteiros e socalcos, onde prosperaram as plantas trazidas dos quatro cantos do mundo, ocupando todo o espaço e constituindo verdadeiros nichos ecológicos com microclimas particulares.
É neste Jardim que se encontra uma riqueza florística de musgos, hepáticas e líquenes, que atestam uma pureza atmosférica mesmo sobranceiro a uma das zonas mais poluídas da cidade. A estratégia recentemente lançada pela União Europeia refere que se devem desenvolver várias acções que passam pelo estudo de indicadores e de sistemas de biomonitorização, bem como o lançamento de acções piloto concretas para poluentes prioritários. A utilização de biomonitores e bioindicadores, como os musgos e líquenes é uma metodologia promissora, simples e inovadora, utilizada frequentemente pelos investigadores do Jardim Botânico e do Centro de Biologia Ambiental da Universidade de Lisboa, e que tem já permitido desenhar estratégias de redução e/ou minimização de impactes negativos da poluição a nível nacional (3).
No caso particular do Jardim Botânico, ajudaram a mostrar que a mancha dos 4ha que é uma zona purificadora da atmosfera. Zonas como esta, redutos de conservação da biodiversidade, são, do ponto de vista urbano, redutos de pureza atmosférica na sua grande maioria desconhecida. Deviam ser antes locais privilegiados, para deleite e fruição dos lisboetas, particularmente nos dias de calor, usufruindo de temperaturas mais amenas, menos exposição solar e melhor qualidade do ar. No entanto, seria interessante validar cientificamente de que modo estas massas verdes podem influenciar a sustentabilidade da malha urbana beneficiando a qualidade de vida e, subsequentemente, a saúde pública.
maloucao@reitoria.ul.pt; mjpinto@fc.ul.pt; cmbranquinho@fc.ul.pt
Maria Amélia Martins-Loução (1,2), Manuel João Pinto (1), Cristina Branquinho (2)
(1) Universidade de Lisboa. Jardim Botânico. Museu Nacional de História Natural. Rua da Escola Politécnica, 58, 1250-102 Lisboa
(2 )Universidade de Lisboa. Centro de Biologia Ambiental. Faculdade de Ciências. Campo Grande. C2. Piso 5. 1749-016 Lisboa.
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(1) Brunekreef B e Holgate ST. 2002. Air pollution and health. The Lancet, 360:1233-1242
(2) Environment and health. The European Charter and Commentary. Copenhaga, OMS Gabinete Regional para a Europa, 1990 (Publicações Regionais da OMS, Série Europeia, nº35)
(3) Pinho P., Branquinho C., Cruz C., Tang S., Dias T., Rosa, A.P., Máguas C., Martins-Loução M.A., Sutton M. 2009 Assessment Of Critical Levels Of Atmospherically Ammonia For Lichen Diversity In Cork-Oak Woodland, Portugal. Chapter: Critical Loads. In "Atmospheric Ammonia - Detecting Emission Changes And Environmental Impacts - Results Of An Expert Workshop Under The Convention On Long-Range Transboundary Air Pollution", Mark Sutton, Stefan Reis And Samantha Baker (Eds), Springer pp: 109-119.
Augusto S., Máguas C., Branquinho C. 2009. Understanding the Performance of Different Lichen Species as Biomonitors of Atmospheric Dioxins and Furans: Potential for Intercalibration. Ecotoxicology (in press).
Vieira A.R., Gonzalez C., Martins-Loução M.A., Branquinho C. 2009. Intracellular and Extracellular Ammonium Uptake and its Toxic Effects on the Aquatic Biomonitor Fontinalis Antipyretica. Ecotoxicology (in press).
Sérgio C., Figueira R. & Menezes R. 2009. Modeling The Distribution Of Sematophyllum Substrumulosum (Hampe) E. Britton As A Signal Of Climatic Changes In Europe. In Slack N & Tuba Z. Edts. Bryophyte Ecology And Climate Change Cambridge University Press. (In Press)
Figueira R., Tavares P.C., Palma L., Beja P. & Sérgio C. 2009. Application Of Indicator Kriging To The Complementary Use Of Bioindicators At Three Trophic Levels. Environmental Pollution (In Press)
A poluição atmosférica é, actualmente, um dos maiores factores de degradação da qualidade do ar e, de modo geral, da qualidade de vida nas cidades. A maior parte da população vive ou trabalha em áreas onde a concentração de poluentes atinge níveis que afectam a saúde. A exposição aos poluentes, tais como partículas e ozono, têm sido associados a taxas de mortalidade mais elevadas e maior número de admissões hospitalares devido a problemas respiratórios e cardiovasculares (1).
A Organização Mundial da Saúde inclui, na definição de “ambiente e saúde”, “tanto os efeitos patogénicos directos das substâncias químicas, das radiações e de alguns agentes biológicos, como os efeitos na saúde e no bem-estar do ambiente em sentido lato, físico, psicológico, social e estético, que engloba a habitação, o desenvolvimento urbano, o uso dos solos e os transportes” (2) . Embora seja um problema que afecta toda a população, as crianças são particularmente vulneráveis àqueles efeitos porque, em geral, são mais imediatos.
Existe um conjunto de afecções, nomeadamente as doenças respiratórias, asma e alergias que podem estar associadas à poluição atmosférica no interior e exterior dos edifícios; as perturbações do desenvolvimento neurológico podem ser provocadas por metais pesados, poluentes orgânicos persistentes, tais como dioxinas e bifenitos policlorados (PCBs), e pesticidas; o cancro infantil pode estar relacionado com uma multiplicidade de agentes físicos químicos e biológicos. Além disso, está provado que indicadores de saúde infantil tais como o baixo peso à nascença e problemas de desenvolvimento, em particular no primeiro ano de vida, podem estar associados a efeitos do ambiente.
A 11 de Junho de 2003 a Comissão Europeia apresentou, através da Comunicação ao Conselho, ao Parlamento Europeu e ao Comité Económico Social Europeu “Uma Estratégia Europeia de Ambiente e Saúde”. Esta estratégia tem como objectivo a redução da incidência de doenças causadas por factores ambientais e o aprofundamento das lacunas existentes entre os factores ambientais e os seus efeitos na saúde.
Os riscos associados às duas componentes de poluição do ar (exterior e interior) e as diferentes formas como são percepcionados pelos cidadãos podem ter enorme influência em termos das atitudes e acções consequentes, desempenhando um papel decisivo no minorar ou amplificar das potenciais consequências que as situações de risco podem induzir. E, consequentemente, no redesenhar das cidades.
As áreas verdes urbanas, como parques e jardins públicos ou particulares, proporcionam áreas de lazer, de prática desportiva e de estudo. No entanto, para além do papel lúdico, a vegetação urbana pode, directa e/ou indirectamente, influenciar a qualidade do ar alterando o ambiente atmosférico local. As manchas florestais urbanas providenciam muitos benefícios e serviços ecológicos, tais como: redução da água de escorrência; redução do efeito de “ilha de calor” nas cidades; sequestro de CO2; redução da poluição atmosférica; barreiras ao ruído; diluição da temperatura das massas de ar envolventes. A cidade de Lisboa, sobretudo a baixa de Lisboa na zona da Avenida da Liberdade, tem ultrapassado, com elevada frequência, os limites legais de deposição de poluentes sobretudo de partículas (PM10).
A vegetação reduz os poluentes de duas maneiras: (i) de forma directa – uma vez que as árvores absorvem os poluentes gasosos como o SO2, o NOX e o O3 através dos estomas e podem dissolver os poluentes solúveis em água nas superfícies das folhas húmidas. As copas das árvores podem ainda interceptar as partículas, funcionando como filtro; (ii) de forma indirecta, ao evitar as emissões de poluentes por redução da temperatura, reduzindo a actividade das reacções químicas, que produzem compostos secundários nas áreas urbanas e pela evapotranspiração das folhas nas estações quentes, aumentando a humidade do ar e, consequentemente, a dissolução de poluentes solúveis.
O Jardim Botânico do Museu Nacional de História Natural da Universidade de Lisboa (JB-UL) é um dos maiores jardins da cidade de Lisboa, quer em área métrica e volumetria do copado arbóreo, quer em diversidade florística e funcional. Em pleno coração de Lisboa e em forte contraste com o seu bulício, os cheiros e os sons do JB-UL dão recolhimento e deleite. São 4ha que se espraiam desde a 7ª colina – ao Príncipe Real – até à Avenida da Liberdade seguindo o caprichoso desenho das veredas, canteiros e socalcos, onde prosperaram as plantas trazidas dos quatro cantos do mundo, ocupando todo o espaço e constituindo verdadeiros nichos ecológicos com microclimas particulares.
É neste Jardim que se encontra uma riqueza florística de musgos, hepáticas e líquenes, que atestam uma pureza atmosférica mesmo sobranceiro a uma das zonas mais poluídas da cidade. A estratégia recentemente lançada pela União Europeia refere que se devem desenvolver várias acções que passam pelo estudo de indicadores e de sistemas de biomonitorização, bem como o lançamento de acções piloto concretas para poluentes prioritários. A utilização de biomonitores e bioindicadores, como os musgos e líquenes é uma metodologia promissora, simples e inovadora, utilizada frequentemente pelos investigadores do Jardim Botânico e do Centro de Biologia Ambiental da Universidade de Lisboa, e que tem já permitido desenhar estratégias de redução e/ou minimização de impactes negativos da poluição a nível nacional (3).
No caso particular do Jardim Botânico, ajudaram a mostrar que a mancha dos 4ha que é uma zona purificadora da atmosfera. Zonas como esta, redutos de conservação da biodiversidade, são, do ponto de vista urbano, redutos de pureza atmosférica na sua grande maioria desconhecida. Deviam ser antes locais privilegiados, para deleite e fruição dos lisboetas, particularmente nos dias de calor, usufruindo de temperaturas mais amenas, menos exposição solar e melhor qualidade do ar. No entanto, seria interessante validar cientificamente de que modo estas massas verdes podem influenciar a sustentabilidade da malha urbana beneficiando a qualidade de vida e, subsequentemente, a saúde pública.
maloucao@reitoria.ul.pt; mjpinto@fc.ul.pt; cmbranquinho@fc.ul.pt
Maria Amélia Martins-Loução (1,2), Manuel João Pinto (1), Cristina Branquinho (2)
(1) Universidade de Lisboa. Jardim Botânico. Museu Nacional de História Natural. Rua da Escola Politécnica, 58, 1250-102 Lisboa
(2 )Universidade de Lisboa. Centro de Biologia Ambiental. Faculdade de Ciências. Campo Grande. C2. Piso 5. 1749-016 Lisboa.
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(1) Brunekreef B e Holgate ST. 2002. Air pollution and health. The Lancet, 360:1233-1242
(2) Environment and health. The European Charter and Commentary. Copenhaga, OMS Gabinete Regional para a Europa, 1990 (Publicações Regionais da OMS, Série Europeia, nº35)
(3) Pinho P., Branquinho C., Cruz C., Tang S., Dias T., Rosa, A.P., Máguas C., Martins-Loução M.A., Sutton M. 2009 Assessment Of Critical Levels Of Atmospherically Ammonia For Lichen Diversity In Cork-Oak Woodland, Portugal. Chapter: Critical Loads. In "Atmospheric Ammonia - Detecting Emission Changes And Environmental Impacts - Results Of An Expert Workshop Under The Convention On Long-Range Transboundary Air Pollution", Mark Sutton, Stefan Reis And Samantha Baker (Eds), Springer pp: 109-119.
Augusto S., Máguas C., Branquinho C. 2009. Understanding the Performance of Different Lichen Species as Biomonitors of Atmospheric Dioxins and Furans: Potential for Intercalibration. Ecotoxicology (in press).
Vieira A.R., Gonzalez C., Martins-Loução M.A., Branquinho C. 2009. Intracellular and Extracellular Ammonium Uptake and its Toxic Effects on the Aquatic Biomonitor Fontinalis Antipyretica. Ecotoxicology (in press).
Sérgio C., Figueira R. & Menezes R. 2009. Modeling The Distribution Of Sematophyllum Substrumulosum (Hampe) E. Britton As A Signal Of Climatic Changes In Europe. In Slack N & Tuba Z. Edts. Bryophyte Ecology And Climate Change Cambridge University Press. (In Press)
Figueira R., Tavares P.C., Palma L., Beja P. & Sérgio C. 2009. Application Of Indicator Kriging To The Complementary Use Of Bioindicators At Three Trophic Levels. Environmental Pollution (In Press)