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Maio, Mês do Coração – Desafios para 2009
Tradicionalmente dedicamos o mês de Maio de cada ano à prevenção das doenças cardiovasculares. Neste ano de 2009 quatro desafios poderão ser identificados:
1 - O grande objectivo das campanhas que se multiplicam é continuar a sensibilizar os doentes e a população em geral para a importância de praticar estilos de vida saudáveis e de controlar os bem conhecidos factores de risco modificáveis (1).
Destes, ressaltam a cessação tabágica, o controlo da pressão arterial, uma dieta variada e saudável que evite (ou combata) a dislipidémia, a obesidade e a diabetes e ainda uma actividade física regular (como por exemplo andar pelo menos 30 minutos três vezes por semana).
No entanto, somos confrontados com factores de risco não-modificáveis, como a idade, o género e a carga genética (história familiar de doença cardiovascular antes dos 55 anos nos homens e 65 nas mulheres).
Por outro lado, as manifestações clínicas da aterosclerose ocorrem também na população considerada de baixo risco, por não terem os conhecidos factores favorecedores do desenvolvimento desta patologia de etiologia desconhecida e fisiopatologia complexa. Por essa razão, cerca de 50% dos síndromes coronários agudos ou da morte súbita fora do hospital ocorrem em doentes sem estes factores de risco(2).
Se acrescentarmos o envelhecimento (actualmente 17% da população portuguesa tem 65 anos ou mais e essa percentagem aumentará para 30% em 2030) (3) podemos dizer que quando estamos num serviço de urgência necessitamos de ter os recursos necessários para excluir (rule out) ou confirmar (rule in) uma das várias situações cardiovasculares com “janelas terapêuticas” muito eficazes. Ou seja, para além do apoio mantido às medidas de prevenção primária e secundária das doenças cardiovasculares temos, cada vez mais, de estar preparados para tratar estes doentes que nos irão surgir de forma recorrente e em regra de urgência.
A pressão sobre o Serviço Nacional de Saúde será cada vez maior e o clássico espírito médico – disponibilidade permanente e resistências física e psíquica – tem que ser promovido e principalmente utilizado como critério para a selecção dos futuros médicos.
2 - Ao contrário do que se chegou a pensar, as doenças cardiovasculares não são exclusivas das sociedades economicamente mais ricas e continuarão a ser a principal causa de morbilidade e mortalidade em todo o mundo, como foi demonstrado pelas projecções publicadas em 2006 por Mathers e Loncar (4) (figura).
Estamos pois perante um problema de saúde pública e de medicina clínica de enormes proporções, que exige a mobilização de imensos recursos para sermos capazes de enfrentar esta epidemia do século XXI.
3 – O último ano revelou uma grave situação económica e financeira, iniciada com o “subprime” norte-americano e os “produtos tóxicos” que invadiram todo o globo como uma pandemia de consequências catastróficas (5,6).
A recessão económica, seguida do aumento exponencial do desemprego, levou a que muitos doentes deixassem de ter condições para pagar tratamentos ou seguir estilos de vida saudável. Esta situação atinge também a população de reformados, nomeadamente portuguesa, que em muitos casos deixa de ter possibilidade de adquirir os medicamentos que, felizmente, são comparticipados em Portugal (7).
Se pensarmos que certas situações clínicas (por ex. o doente cardíaco intervencionado com colocação de “stent”) necessitam de uma terapêutica mantida, que é dispendiosa, podemos imaginar a patologia iatrogénica que poderá surgir se esse tratamento é interrompido.
4 – As boas notícias são que estamos a atravessar uma época de intensa inovação e progresso tecnológico e que deveremos encarar os três desafios atrás descritos como oportunidades para prestar mais e melhores cuidados (nomeadamente na área da prevenção e educação cardiovasculares).
Entre outras áreas quero chamar a atenção para as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) aplicadas à Medicina. É curioso que, nos planos de recuperação económica desenvolvidos pelo governo federal norte-americano, foi aprovada uma linha com 19 biliões USD destinada ao Electronic Health Record que deverá ligar, até 2012, todos os serviços que prestam programas de assistência apoiados pelo estado federal (Medicaid e Medicare)(8).
Uma das razões que justificam este investimento prende-se com a disponibilização dos resultados de exames e intervenções em qualquer altura e local, evitando o desperdício das repetições, que nós bem conhecemos. O American Heart Association já tem um plano muito extenso, dedicado ao apoio do doente cardíaco que é intensamente suportado por estas novas TIC, como resumimos no Quadro (9).
Em Portugal devemos também desenvolver programas equivalentes, que permitam que a dupla face da moeda, Promoção da Saúde por um lado e Educação na Doença por outro (ou ProSau/EduDo), seja articulada no sentido de aproveitar estas ferramentas e metodologias que permitirão tornar realidade o nosso antigo desejo de dar cuidados de saúde a todos aqueles que necessitam deles, utilizando os recursos criados e disponíveis no nosso país.
Mário G. Lopes, Prof. Doutor
Clínica Universitária de Cardiologia, Faculdade Medicina Universidade Lisboa
e Serviço de Cardiologia I do CHL- Hospital Santa Maria
Telefone: +351 917 287 290
mglopes@netcabo.pt
Referências Bibliograficas:
1 - Fung G.L. Cardiovascular Risk Factor Reduction: Where Are We Going? AHA Library . 21-5-2008.
http://pt.wkhealth.com/pt/re/aha/addcontent.8281255.htm Acedido a 2009/05/11
2 - Braunwald E. Cardiovascular Medicine at the Turn of the Millennium: Triumphs, Concerns, and Opportunities. N Engl J Med 1997; 337(19):1360-1369.
http://content.nejm.org/cgi/content/full/337/19/1360 Acedido a 2009/05/11
3 - Instituto Nacional de Estatistica. Decréscimo e Envelhecimento da População até 20050. Instituto Nacional de Estatistica. 31-3-2004.
http://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_destaques&DESTAQUESdest_boui=72193&DESTAQUESmodo=2 Acedido a 2009/05/11
4 - Mathers CD, Loncar D. Projections of Global Mortality and Burden of Disease from 2002 to 2030. PLoS Medicine 2006; 3(11):e442.
http://medicine.plosjournals.org/perlserv/?request=get-document&doi=10.1371/journal.pmed.0030442
Acedido a 2009/05/11
5 - Aníbal S. Actual crise resulta da "corrupção ao estilo americano", diz Stiglitz. Público10[6976], 32. 9-4-2009.
http://jornal.publico.clix.pt/main.asp?fd=NEXT&page=32&dt=20090509&c=A Acedido a 2009/05/11
6 - Cunha IA. Europa afunda-se na pior recessão dos últimos 60 anos. Público . 5-5-2009.
http://jornal.publico.clix.pt/main.asp?fd=NEXT&page=26&dt=20090505&c=A Acedido a 2009/05/11
7 - Cunha S. Idosos cortam nos remédios. Correio da Manhã . 15-3-2009.
8 - Blumenthal D. Stimulating the Adoption of Health Information Technology. N Engl J Med2009; 360(15):1477-1479.
http://content.nejm.org/cgi/content/full/360/15/1477 Acedido a 2009/05/11
9 - Jones DW, Peterson ED, Bonow RO et al. Partnering to Reduce Risks and Improve Cardiovascular Outcomes. American Heart Association Initiatives in Action for Consumers and Patients. Circulation 2009; 119:340-350.
http://circ.ahajournals.org/cgi/content/abstract/CIRCULATIONAHA.108.191328v1 Acedido a 2009/05/11
Figura: Projecções a nível mundial para a mortalidade do Grupo II de patologias no periodo entre 2002 e 2030. As doenças cardiovasculares (CVD) continuarão a ser a principal causa de morte. Adaptado de Mathers e Loncar (4)
Copyright: © 2006 Mathers and Loncar. This is an open-access article distributed under the terms of the Creative Commons Attribution License, which permits unrestricted use, distribution, and reproduction in any medium, provided the original author and source are credited.
Quadro - Iniciativas desenvolvidas pela American Heart Association dirigidas à promoção da saúde cardiovascular dos doentes norte-americanos. Adaptado de Jones et al 2009 (9) (http://www.americanheart.org/hbprisk)
1 - Heart Profilers (http://www.americanheart.org/riskassessment)
2 - HeartHub (http://www.americanheart.org/heartprofilers)
3 - HeartRx
4 - Heartsaver CPR, and Hands-Only CPR (http://www.americanheart.org/presenter.jhtml?identifier3047680 e http://handsonlycpr.eisenberginc.com/)
5 - PHR Resource Center (http://www.americanheart.org/PHR)
6 - Blood Pressure Management Center (http://www.bpmc.heart.org)
7 - Heart360 (http://www.heart360.org)
1 - O grande objectivo das campanhas que se multiplicam é continuar a sensibilizar os doentes e a população em geral para a importância de praticar estilos de vida saudáveis e de controlar os bem conhecidos factores de risco modificáveis (1).
Destes, ressaltam a cessação tabágica, o controlo da pressão arterial, uma dieta variada e saudável que evite (ou combata) a dislipidémia, a obesidade e a diabetes e ainda uma actividade física regular (como por exemplo andar pelo menos 30 minutos três vezes por semana).
No entanto, somos confrontados com factores de risco não-modificáveis, como a idade, o género e a carga genética (história familiar de doença cardiovascular antes dos 55 anos nos homens e 65 nas mulheres).
Por outro lado, as manifestações clínicas da aterosclerose ocorrem também na população considerada de baixo risco, por não terem os conhecidos factores favorecedores do desenvolvimento desta patologia de etiologia desconhecida e fisiopatologia complexa. Por essa razão, cerca de 50% dos síndromes coronários agudos ou da morte súbita fora do hospital ocorrem em doentes sem estes factores de risco(2).
Se acrescentarmos o envelhecimento (actualmente 17% da população portuguesa tem 65 anos ou mais e essa percentagem aumentará para 30% em 2030) (3) podemos dizer que quando estamos num serviço de urgência necessitamos de ter os recursos necessários para excluir (rule out) ou confirmar (rule in) uma das várias situações cardiovasculares com “janelas terapêuticas” muito eficazes. Ou seja, para além do apoio mantido às medidas de prevenção primária e secundária das doenças cardiovasculares temos, cada vez mais, de estar preparados para tratar estes doentes que nos irão surgir de forma recorrente e em regra de urgência.
A pressão sobre o Serviço Nacional de Saúde será cada vez maior e o clássico espírito médico – disponibilidade permanente e resistências física e psíquica – tem que ser promovido e principalmente utilizado como critério para a selecção dos futuros médicos.
2 - Ao contrário do que se chegou a pensar, as doenças cardiovasculares não são exclusivas das sociedades economicamente mais ricas e continuarão a ser a principal causa de morbilidade e mortalidade em todo o mundo, como foi demonstrado pelas projecções publicadas em 2006 por Mathers e Loncar (4) (figura).
Estamos pois perante um problema de saúde pública e de medicina clínica de enormes proporções, que exige a mobilização de imensos recursos para sermos capazes de enfrentar esta epidemia do século XXI.
3 – O último ano revelou uma grave situação económica e financeira, iniciada com o “subprime” norte-americano e os “produtos tóxicos” que invadiram todo o globo como uma pandemia de consequências catastróficas (5,6).
A recessão económica, seguida do aumento exponencial do desemprego, levou a que muitos doentes deixassem de ter condições para pagar tratamentos ou seguir estilos de vida saudável. Esta situação atinge também a população de reformados, nomeadamente portuguesa, que em muitos casos deixa de ter possibilidade de adquirir os medicamentos que, felizmente, são comparticipados em Portugal (7).
Se pensarmos que certas situações clínicas (por ex. o doente cardíaco intervencionado com colocação de “stent”) necessitam de uma terapêutica mantida, que é dispendiosa, podemos imaginar a patologia iatrogénica que poderá surgir se esse tratamento é interrompido.
4 – As boas notícias são que estamos a atravessar uma época de intensa inovação e progresso tecnológico e que deveremos encarar os três desafios atrás descritos como oportunidades para prestar mais e melhores cuidados (nomeadamente na área da prevenção e educação cardiovasculares).
Entre outras áreas quero chamar a atenção para as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) aplicadas à Medicina. É curioso que, nos planos de recuperação económica desenvolvidos pelo governo federal norte-americano, foi aprovada uma linha com 19 biliões USD destinada ao Electronic Health Record que deverá ligar, até 2012, todos os serviços que prestam programas de assistência apoiados pelo estado federal (Medicaid e Medicare)(8).
Uma das razões que justificam este investimento prende-se com a disponibilização dos resultados de exames e intervenções em qualquer altura e local, evitando o desperdício das repetições, que nós bem conhecemos. O American Heart Association já tem um plano muito extenso, dedicado ao apoio do doente cardíaco que é intensamente suportado por estas novas TIC, como resumimos no Quadro (9).
Em Portugal devemos também desenvolver programas equivalentes, que permitam que a dupla face da moeda, Promoção da Saúde por um lado e Educação na Doença por outro (ou ProSau/EduDo), seja articulada no sentido de aproveitar estas ferramentas e metodologias que permitirão tornar realidade o nosso antigo desejo de dar cuidados de saúde a todos aqueles que necessitam deles, utilizando os recursos criados e disponíveis no nosso país.
Mário G. Lopes, Prof. Doutor
Clínica Universitária de Cardiologia, Faculdade Medicina Universidade Lisboa
e Serviço de Cardiologia I do CHL- Hospital Santa Maria
Telefone: +351 917 287 290
mglopes@netcabo.pt
Referências Bibliograficas:
1 - Fung G.L. Cardiovascular Risk Factor Reduction: Where Are We Going? AHA Library . 21-5-2008.
http://pt.wkhealth.com/pt/re/aha/addcontent.8281255.htm Acedido a 2009/05/11
2 - Braunwald E. Cardiovascular Medicine at the Turn of the Millennium: Triumphs, Concerns, and Opportunities. N Engl J Med 1997; 337(19):1360-1369.
http://content.nejm.org/cgi/content/full/337/19/1360 Acedido a 2009/05/11
3 - Instituto Nacional de Estatistica. Decréscimo e Envelhecimento da População até 20050. Instituto Nacional de Estatistica. 31-3-2004.
http://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_destaques&DESTAQUESdest_boui=72193&DESTAQUESmodo=2 Acedido a 2009/05/11
4 - Mathers CD, Loncar D. Projections of Global Mortality and Burden of Disease from 2002 to 2030. PLoS Medicine 2006; 3(11):e442.
http://medicine.plosjournals.org/perlserv/?request=get-document&doi=10.1371/journal.pmed.0030442
Acedido a 2009/05/11
5 - Aníbal S. Actual crise resulta da "corrupção ao estilo americano", diz Stiglitz. Público10[6976], 32. 9-4-2009.
http://jornal.publico.clix.pt/main.asp?fd=NEXT&page=32&dt=20090509&c=A Acedido a 2009/05/11
6 - Cunha IA. Europa afunda-se na pior recessão dos últimos 60 anos. Público . 5-5-2009.
http://jornal.publico.clix.pt/main.asp?fd=NEXT&page=26&dt=20090505&c=A Acedido a 2009/05/11
7 - Cunha S. Idosos cortam nos remédios. Correio da Manhã . 15-3-2009.
8 - Blumenthal D. Stimulating the Adoption of Health Information Technology. N Engl J Med2009; 360(15):1477-1479.
http://content.nejm.org/cgi/content/full/360/15/1477 Acedido a 2009/05/11
9 - Jones DW, Peterson ED, Bonow RO et al. Partnering to Reduce Risks and Improve Cardiovascular Outcomes. American Heart Association Initiatives in Action for Consumers and Patients. Circulation 2009; 119:340-350.
http://circ.ahajournals.org/cgi/content/abstract/CIRCULATIONAHA.108.191328v1 Acedido a 2009/05/11
Figura: Projecções a nível mundial para a mortalidade do Grupo II de patologias no periodo entre 2002 e 2030. As doenças cardiovasculares (CVD) continuarão a ser a principal causa de morte. Adaptado de Mathers e Loncar (4)
Copyright: © 2006 Mathers and Loncar. This is an open-access article distributed under the terms of the Creative Commons Attribution License, which permits unrestricted use, distribution, and reproduction in any medium, provided the original author and source are credited.
Quadro - Iniciativas desenvolvidas pela American Heart Association dirigidas à promoção da saúde cardiovascular dos doentes norte-americanos. Adaptado de Jones et al 2009 (9) (http://www.americanheart.org/hbprisk)
1 - Heart Profilers (http://www.americanheart.org/riskassessment)
2 - HeartHub (http://www.americanheart.org/heartprofilers)
3 - HeartRx
4 - Heartsaver CPR, and Hands-Only CPR (http://www.americanheart.org/presenter.jhtml?identifier3047680 e http://handsonlycpr.eisenberginc.com/)
5 - PHR Resource Center (http://www.americanheart.org/PHR)
6 - Blood Pressure Management Center (http://www.bpmc.heart.org)
7 - Heart360 (http://www.heart360.org)