Investigação e Formação Avançada
Genética dos AVCs - O haplogrupo mitocondrial H1 reduz o risco de AVC isquémico
Agradecimentos: o projecto genética dos Acidentes Vasculares Cerebrais resulta do apoio dado pela 3ª Bolsa de Investigação da Fundação AstraZeneca. A publicação deste artigo surge na sequência da apresentação dos resultados no 11º Workshop “Educação pela Ciência” organizado pelo Gabinete de Apoio à Investigação Científica, Tecnológica e Inovação (GAPIC).
Os AVCs são uma patologia complexa, de etiologia multifactorial que resultam da interacção entre factores ambientais e genéticos. No entanto, o número de genes de susceptibilidade, o risco conferido por cada um deles e o seu grau de interacção, permanecem desconhecidos. Genes candidatos codificados pelo genoma nuclear têm sido intensamente investigados mas a contribuição do genoma mitocondrial tem sido menosprezada.
A mitocôndria é a fonte de energia da célula produzida pelo processo de fosforilação oxidativa na cadeia respiratória. Um bom desempenho das mitocôndrias é necessário para um crescimento e funcionamento vascular normal, sendo que a sua disfunção pode causar morte celular e favorecer a rotura de placas ateroscleróticas. Outra função mitocondrial é a sua participação na herança genética. As mitocondrias têm o seu próprio aparelho de transcrição e replicação. O ADN mitocondrial (mtADN) é constituído por uma molécula circular, haplóide, com cerca de 16600 nucleótidos, que codifica 13 polipéptidos envolvidos na cadeia respiratória OXPHOS, 22 RNAs de transferência e 2 RNAs ribossomais (Figura 1). Já se encontram descritas (http://www.mitomap.org/) inúmeras variantes do genoma mitocondrial (polimorfismos) cujas combinações específicas definem haplogrupos mitocondriais (Figura 2).
Polimorfismos e mutações no mtADN têm sido implicados em vários factores de risco vascular: idade [polimorfismos no gene ATP synthase 6 (9055 G/A) e no gene da desidrogenase NADH 2 (5178 C/A) estão associados à longevidade], HTA, diabetes, obesidade, tabagismo e alcoolismo (associados a aumento do stress oxidativo e disfunção mitocondrial). A disfunção mitocondrial está envolvida em alguns mecanismos etiopatogénicos (inflamação e rotura de placa). Por fim, o haplogrupo mitocondrial U5 é um factor de risco para o enfarte migranoso.
O nosso trabalho é um estudo caso-controlo com o objectivo de avaliar a contribuição do genoma mitocondrial no risco de AVC isquémico, em Portugal.
Foram incluídos doentes com AVC isquémico e com idade inferior a 65 anos internados em diferentes Serviços de Neurologia do país; doentes com AVC de etiologia monogénica, doença auto-imune, dissecção, endocardite e AVC secundário a vasospasmo no contexto de hemorragia subaracnoideia foram excluídos. Os controlos foram indivíduos saudáveis, voluntários, com uma idade superior à dos respectivos doentes; foi efectuado um questionário para confirmar o estado livre de AVC. Obtivemos uma amostra de 534 indivíduos com diagnóstico de AVC isquémico e 499 controlos. Estudámos 19 polimorfismos (Figura 2) que definem os haplogrupos predominantes na Península Ibérica. A genotipagem foi efectuada com um controlo de qualidade exaustivo. Na análise estatística foi utilizado o teste c2 e a análise de regressão logística foi controlada para a idade, HTA, DM e tabagismo; cada haplogroupo foi testado considerando os restantes como um grupo. Comparando o grupo de casos com os controlos, o nosso grupo de controlos apresentava uma média de idade superior à dos casos, minimizando, assim o viés da idade precoce associado à ausência de AVC (Figura 3). O nosso grupo de doentes apresentava um perfil de factores de risco semelhante a outras séries descritas para doentes mais velhos, o que faz com que seja representativo da população de doentes com AVC isquémico.
Verificámos que o haplogrupo H1 é significativamente menos frequente em pacientes do que em controlos (OR=0.61, 95% CI=0.45-0.83, p=0.001), quando comparando cada haplogrupo com todos os outros agrupados (Figura 4). Os alelos derivados dos polimorfismos m.3010G>A, m.7028C>T e m.11719G>A, que definem o haplogrupo H1, também reduzem o risco de AVC isquémico (Figura 3). Por outro lado, as linhagens mitocondriais pre-HV/HV, U e U5 parecem aumentar o risco de AVC (OR=4.68; 95%CI=1.51-14.54, p=0.008; OR=4.01, 95%CI=1.08-14.90, p=0.038; OR=2.17, 95%CI=1.01-4.67, p=0.048, respectivamente).
Estes resultados foram publicados no final de Junho no BMC Medical Genetics, e aguardam replicação e validação em outras populações europeias para que, com maior certeza, se possam considerar verdadeiros factores genéticos de risco para AVCs isquémicos. Este foi o primeiro estudo sistemático de associação de variantes mitocondriais com o risco de AVC isquémico numa amostra caucasiana e, se fôr replicado, terá certamente impacto na saúde pública já que os haplogrupos com os quais encontrámos associação representam cerca de 20% da população europeia. Caso esta associação seja confirmada, investigaremos a possível interacção destes haplogrupos mitocondriais com outros factores genéticos e o seu envolvimento na patogénese dos AVCs.
A identificação de genes que aumentem a susceptibilidade de desenvolver AVCs poderá reflectir-se em estratégias de prevenção mais eficazes, dirigidas sobretudo aos indivíduos susceptíveis. Por outro lado, o conhecimento dos factores genéticos poderá fornecer informação biológica com consequente repercussão numa melhor abordagem terapêutica destes doentes. Este trabalho resultou da estreita colaboração entre vários institutos de investigação e hospitais nacionais.
Liliana Gouveia(1), Alexandra Rosa(2), Benedita V Fonseca(2), Tiago Krug(2,10), Helena Manso(2,3), Isabel Albergaria(3), Gisela Gaspar(3), Manuel Correia(4), Miguel Viana-Baptista(5), Rita Moiron Simões(6), Amélia Nogueira Pinto(6), Ricardo Taipa(7), Carla Ferreira(8), João Ramalho Fontes(8), Mário Rui Silva(7), João Paulo Gabriel(4), Ilda Matos(9), Gabriela Lopes(4), Astrid M Vicente(2,3), Sofia A Oliveira(2,10), José M Ferro(1).
1-Serviço de Neurologia, Hospital de Santa Maria, Lisboa; 2- Instituto Gulbenkian de Ciência, Oeiras; 3- Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, Lisboa; 4- Serviço de Neurologia, Hospital Geral de Santo António, Porto; 5- Serviço de Neurologia, Hospital Garcia de Orta, Almada; 6- Serviço de Neurologia, Hospital Fernando Fonseca, Lisboa; 7- Serviço de Neurologia, Hospital de São Pedro, Vila Real; 8- Serviço de Neurologia, Hospital São Marcos, Braga; 9- Serviço de Neurologia, Hospital Distrital de Mirandela, Bragança; 10- Instituto de Medicina Molecular
Contactos:
Liliana Gouveia
Serviço de Neurologia
Hospital de Santa Maria
Av. Prof Egas Moniz
1649-035 Lisboa
Telefone: 217930629
Fax: 217957474
Email: lilianafog@gmail.com
Bibliografia:
Rosa A, Fonseca BV, Krug T, Manso H, Gouveia L, Albergaria I, Gaspar G, Correia M, Viana-Baptista M, Simoes RM, Pinto AN, Taipa R, Ferreira C, Fontes JR, Silva MR, Gabriel JP, Matos I, Lopes G, Ferro JM, Vicente AM, Oliveira SA. Mitochondrial haplogroup H1 is protective for ischemic stroke in Portuguese patients. BMC Medical Genetics 2008, 9:57.
Os AVCs são uma patologia complexa, de etiologia multifactorial que resultam da interacção entre factores ambientais e genéticos. No entanto, o número de genes de susceptibilidade, o risco conferido por cada um deles e o seu grau de interacção, permanecem desconhecidos. Genes candidatos codificados pelo genoma nuclear têm sido intensamente investigados mas a contribuição do genoma mitocondrial tem sido menosprezada.
A mitocôndria é a fonte de energia da célula produzida pelo processo de fosforilação oxidativa na cadeia respiratória. Um bom desempenho das mitocôndrias é necessário para um crescimento e funcionamento vascular normal, sendo que a sua disfunção pode causar morte celular e favorecer a rotura de placas ateroscleróticas. Outra função mitocondrial é a sua participação na herança genética. As mitocondrias têm o seu próprio aparelho de transcrição e replicação. O ADN mitocondrial (mtADN) é constituído por uma molécula circular, haplóide, com cerca de 16600 nucleótidos, que codifica 13 polipéptidos envolvidos na cadeia respiratória OXPHOS, 22 RNAs de transferência e 2 RNAs ribossomais (Figura 1). Já se encontram descritas (http://www.mitomap.org/) inúmeras variantes do genoma mitocondrial (polimorfismos) cujas combinações específicas definem haplogrupos mitocondriais (Figura 2).
Polimorfismos e mutações no mtADN têm sido implicados em vários factores de risco vascular: idade [polimorfismos no gene ATP synthase 6 (9055 G/A) e no gene da desidrogenase NADH 2 (5178 C/A) estão associados à longevidade], HTA, diabetes, obesidade, tabagismo e alcoolismo (associados a aumento do stress oxidativo e disfunção mitocondrial). A disfunção mitocondrial está envolvida em alguns mecanismos etiopatogénicos (inflamação e rotura de placa). Por fim, o haplogrupo mitocondrial U5 é um factor de risco para o enfarte migranoso.
O nosso trabalho é um estudo caso-controlo com o objectivo de avaliar a contribuição do genoma mitocondrial no risco de AVC isquémico, em Portugal.
Foram incluídos doentes com AVC isquémico e com idade inferior a 65 anos internados em diferentes Serviços de Neurologia do país; doentes com AVC de etiologia monogénica, doença auto-imune, dissecção, endocardite e AVC secundário a vasospasmo no contexto de hemorragia subaracnoideia foram excluídos. Os controlos foram indivíduos saudáveis, voluntários, com uma idade superior à dos respectivos doentes; foi efectuado um questionário para confirmar o estado livre de AVC. Obtivemos uma amostra de 534 indivíduos com diagnóstico de AVC isquémico e 499 controlos. Estudámos 19 polimorfismos (Figura 2) que definem os haplogrupos predominantes na Península Ibérica. A genotipagem foi efectuada com um controlo de qualidade exaustivo. Na análise estatística foi utilizado o teste c2 e a análise de regressão logística foi controlada para a idade, HTA, DM e tabagismo; cada haplogroupo foi testado considerando os restantes como um grupo. Comparando o grupo de casos com os controlos, o nosso grupo de controlos apresentava uma média de idade superior à dos casos, minimizando, assim o viés da idade precoce associado à ausência de AVC (Figura 3). O nosso grupo de doentes apresentava um perfil de factores de risco semelhante a outras séries descritas para doentes mais velhos, o que faz com que seja representativo da população de doentes com AVC isquémico.
Verificámos que o haplogrupo H1 é significativamente menos frequente em pacientes do que em controlos (OR=0.61, 95% CI=0.45-0.83, p=0.001), quando comparando cada haplogrupo com todos os outros agrupados (Figura 4). Os alelos derivados dos polimorfismos m.3010G>A, m.7028C>T e m.11719G>A, que definem o haplogrupo H1, também reduzem o risco de AVC isquémico (Figura 3). Por outro lado, as linhagens mitocondriais pre-HV/HV, U e U5 parecem aumentar o risco de AVC (OR=4.68; 95%CI=1.51-14.54, p=0.008; OR=4.01, 95%CI=1.08-14.90, p=0.038; OR=2.17, 95%CI=1.01-4.67, p=0.048, respectivamente).
Estes resultados foram publicados no final de Junho no BMC Medical Genetics, e aguardam replicação e validação em outras populações europeias para que, com maior certeza, se possam considerar verdadeiros factores genéticos de risco para AVCs isquémicos. Este foi o primeiro estudo sistemático de associação de variantes mitocondriais com o risco de AVC isquémico numa amostra caucasiana e, se fôr replicado, terá certamente impacto na saúde pública já que os haplogrupos com os quais encontrámos associação representam cerca de 20% da população europeia. Caso esta associação seja confirmada, investigaremos a possível interacção destes haplogrupos mitocondriais com outros factores genéticos e o seu envolvimento na patogénese dos AVCs.
A identificação de genes que aumentem a susceptibilidade de desenvolver AVCs poderá reflectir-se em estratégias de prevenção mais eficazes, dirigidas sobretudo aos indivíduos susceptíveis. Por outro lado, o conhecimento dos factores genéticos poderá fornecer informação biológica com consequente repercussão numa melhor abordagem terapêutica destes doentes. Este trabalho resultou da estreita colaboração entre vários institutos de investigação e hospitais nacionais.
Liliana Gouveia(1), Alexandra Rosa(2), Benedita V Fonseca(2), Tiago Krug(2,10), Helena Manso(2,3), Isabel Albergaria(3), Gisela Gaspar(3), Manuel Correia(4), Miguel Viana-Baptista(5), Rita Moiron Simões(6), Amélia Nogueira Pinto(6), Ricardo Taipa(7), Carla Ferreira(8), João Ramalho Fontes(8), Mário Rui Silva(7), João Paulo Gabriel(4), Ilda Matos(9), Gabriela Lopes(4), Astrid M Vicente(2,3), Sofia A Oliveira(2,10), José M Ferro(1).
1-Serviço de Neurologia, Hospital de Santa Maria, Lisboa; 2- Instituto Gulbenkian de Ciência, Oeiras; 3- Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, Lisboa; 4- Serviço de Neurologia, Hospital Geral de Santo António, Porto; 5- Serviço de Neurologia, Hospital Garcia de Orta, Almada; 6- Serviço de Neurologia, Hospital Fernando Fonseca, Lisboa; 7- Serviço de Neurologia, Hospital de São Pedro, Vila Real; 8- Serviço de Neurologia, Hospital São Marcos, Braga; 9- Serviço de Neurologia, Hospital Distrital de Mirandela, Bragança; 10- Instituto de Medicina Molecular
Contactos:
Liliana Gouveia
Serviço de Neurologia
Hospital de Santa Maria
Av. Prof Egas Moniz
1649-035 Lisboa
Telefone: 217930629
Fax: 217957474
Email: lilianafog@gmail.com
Bibliografia:
Rosa A, Fonseca BV, Krug T, Manso H, Gouveia L, Albergaria I, Gaspar G, Correia M, Viana-Baptista M, Simoes RM, Pinto AN, Taipa R, Ferreira C, Fontes JR, Silva MR, Gabriel JP, Matos I, Lopes G, Ferro JM, Vicente AM, Oliveira SA. Mitochondrial haplogroup H1 is protective for ischemic stroke in Portuguese patients. BMC Medical Genetics 2008, 9:57.
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