Momentos
"A minha experiência de intercâmbio Clínico no Peru" | Mariana Ferreira Santos - Aluna 5º Ano MIM
Venho falar-vos um pouco da minha experiência de Intercâmbio Clínico no Peru. Desde que entrei para o curso de medicina, senti sempre a curiosidade de saber como seria a medicina nos países em desenvolvimento. Foi para satisfazer essa curiosidade que, em outubro de 2014, decidi candidatar-me aos Intercâmbios Clínicos. Na altura, escolhi o Perú como local para fazer o intercâmbio por ser um país com excelentes oportunidades para ter alguma prática clinica e também por ser um país com pontos turísticos interessantes, como por exemplo Machu Picchu – A Ciudad perdida de los Incas.
Entretanto, soube que tinha ficado colocada no serviço de cirurgia no Hospital Maria Auxiliadora na cidade de Lima, que tem tantos habitantes como Portugal, e que ia ficar numa casa de uma família peruana, não tendo muito mais informações.
Em finais de julho, chegou a hora da tão desejada viagem. Durante a mesma, um turbilhão de sentimentos me assaltava, ansiedade, expectativa, o que me esperará? Após 27 h de viagem, Lisboa – Philadelphia – Dallas – Lima, cheguei num sábado às 7horas da manhã! Quando cheguei, tinha a família peruana que me iria acolher à minha espera no aeroporto. Nem acreditava que estava na outra parte do mundo sozinha e pronta para integrar uma cultura completamente diferente. Saí do aeroporto, vi o céu completamente nublado sem sol, como é típico na cidade de Lima, e um trânsito louco. Aproveitei o primeiro fim de semana para conhecer um pouco da parte histórica e cultural da cidade, sempre acompanhada pela família de acolhimento.
Nesse fim de semana, quando me perguntavam para que hospital eu ia e eu respondia, para espanto meu, quase todos arregalavam os olhos, sem eu perceber o porquê. Até que depois percebi que iria para um hospital que recebe as pessoas mais desfavorecias da cidade de Lima, com muitos doentes politraumatizados devido à grande via rápida que existe perto do hospital.
Na segunda-feira, quando cheguei ao hospital, deparei-me com um cenário que não estava à espera de encontrar. Sabia que iria ser surpreendida, mas não tanto assim, vi pessoas nos corredores e na rua em macas sem lençóis, com cobertores que traziam de casa e sem qualquer tipo de condições. Nem queria acreditar onde estava. Entretanto, fui integrada na equipa de emergências cirúrgicas e o meu dia-a-dia era passado entre o bloco operatório e a sala de pequena cirurgia, que era uma sala partilhada com traumatologia. Aí apercebi-me como funcionava na realidade o sistema de saúde no Peru. Uma pessoa que estivesse doente e fosse ao hospital com o seu acompanhante, depois da triagem era encaminhado para a respetiva especialidade, sendo que não existe qualquer lista de espera ou base de dados dos doentes, é tudo à base de papéis, muitos papéis. O único aparelho electrónico existente nas salas é um telefone.
Depois do doente ir à especialidade respetiva, o médico assistente (na maioria dos casos internos ou residentes da especialidade) prescrevia uma receita do material que necessitava, desde compressas, tubos para hemograma, luvas, material de sutura, soro fisiológico, seringas, agulhas, medicamentos, entre outros. Depois de ter a receita, o acompanhante dirigia-se à farmácia do hospital para comprar o material prescrito, ou outra farmácia caso a farmácia do hospital não tivesse todo o material necessário. Só depois a pessoa é suturada se for caso disso, administrada medicação ou efetuada a colheita de sangue, etc., tudo isto caso a pessoa tenha uma “espécie de seguro social do estado”. Caso não tenha, tem de esperar por ter uma autorização do hospital para ser tratada. É importante realçar que a nível de exames complementares de diagnóstico os mesmos eram bastante deficitários, ao ponto de não existir TAC ou RM. O ecógrafo só podia ser utilizado até ao meio dia.
Confesso que os primeiros dias foram bastante difíceis, por vezes era mesmo revoltante não conseguir fazer muita coisa para ajudar as pessoas. Desde o primeiro dia fui colocada à prova, devo izer que cresci muito a nível pessoal e profissional neste estágio. Aprendi a dar muito mais valor ao exame objetivo e semiologia clínica, uma vez que os exames complementares de diagnóstico eram bastante escassos e precários, bem como melhorei e desenvolvi os conhecimentos de abordagem ao trauma, também realizei várias suturas, gasometrias arteriais e participei em cirurgias.
Foi ótimo também a nível pessoal, tive contato com outros alunos de intercâmbio de várias partes do mundo, além dos peruanos que me acompanhavam, com quem partilhei esta experiência, desde passeios, jantares, saídas à noite. Foi também muito enriquecedor a nível histórico e cultural.
Quanto à parte mais turística, o Peru está dividido em três partes: Costa, Serra e Selva. Quando se viaja entre estas três zonas, parece por vezes que mudamos de país, muda o clima, as tradições, a alimentação... O Peru é um país riquíssimo, há muito mais que Machu Pichu para visitar, devo confessar que o povo peruano é encantador, muito simpático e hospitaleiro.
Quando chegou a hora da despedida foi muito difícil, parte de mim ficou lá e saí com o sentimento e vontade de que terei que lá voltar para tornar a reencontrar aquele povo encantador. Tenho saudades de andar de combi (meio de transporte coletivo) em que não há paragens certas, basta gritar “paradero baja” e saíamos do combi quase ainda em andamento, do barulho do trânsito louco de Lima, de ouvir falar espanhol, das excelentes pessoas que conheci. Um muito obrigado a todos que contribuíram para esta experiência maravilhosa e única!