Momentos
O Professor Artur Torres Pereira
O Professor Artur Torres Pereira, Professor Catedrático da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, foi um dos mais ilustres médicos microbiologistas portugueses. Personalidade de uma riqueza ínvulgar e de interesses muito diversificados, científicos, humanísticos, artísticos e literários, deu um contributo ímpar à Microbiologia Médica nacional e internacional.
Em 1948 concluiu a licenciatura em Medicina e Cirurgia na Faculdade de Medicina de Lisboa, com a classificação de 18 valores. Em 1950 foi nomeado 2º Assistente da cadeira de Bacteriologia e Parasitologia da mesma Faculdade. Em 1961 doutorou-se com a classificação de 19 valores, tendo defendido a dissertação intitulada “Os estafilococos patogénicos e os seus métodos de classificação”. Em 1965 foi Professor Extraordinário do 5º Grupo (Bacteriologia, Parasitologia, Higiene e Medicina Social), em 1969 Professor Catedrático de Higiene e Medicina Social e em 1977 Professor Catedrático de Bacteriologia e Parasitologia da Faculdade de Medicina de Lisboa.
Uma das figuras mais notáveis da nossa Universidade, o Professor Torres Pereira foi Vice-Reitor da Universidade de Lisboa entre 1970 e 1974. Em 1973 dirigiu a reconstrução e pôs a funcionar a Faculdade de Medicina do Campo de Santana, dando início a uma nova experiência pedagógica do ensino da Medicina em Portugal.(1) Na Faculdade de Medicina de Lisboa, para além das funções de Professor Catedrático que exerceu durante mais de duas décadas, ocupou os mais elevados cargos, incluíndo os de Presidente do Conselho Científico (4 anos) e de Director (6 anos).
Após assumir em 1969 a responsabilidade do ensino de Higiene e Medicina Social desenvolveu extensa actividade na área, sendo da sua responsabilidade a introdução no ensino médico do Planeamento Familiar o que constituiu, à data, um marco na medicina preventiva do nosso País. Foi ainda o responsável pelo desdobramento da cadeira de Higiene e Medicina Social que, de anual, passou a ser leccionada três vezes, no 1º ano (Ecologia Médica), no 4º (Higiene) e no 6º (Medicina Social e Comunitária), promovendo uma maior sensibilização para a Medicina Preventiva ao longo do curso.
Foi Professor Catedrático e regente de Bacteriologia e Parasitologia (que mais tarde veio a chamar-se Microbiologia) durante cerca de duas décadas. Formou uma equipa docente, apoiou e estimulou todos os que manifestaram interesse em seguir uma actividade de estudo e investigação em Microbiologia médica no Instituto Bacteriológico Câmara Pestana, que dirigiu durante 20 anos, e onde criou, entre outros, o Serviço de Estreptococos e Estafilococos.
A sua actividade científica enriqueceu e prestigiou de modo ímpar a Medicina Portuguesa. Investigou áreas muito diversas, foi autor de mais de uma centena de publicações e comunicações, mas foi no estudo das bactérias do género Staphylococcus que os seus trabalhos atingiram o expoente máximo, tendo publicado frequentemente no País e no estrangeiro descobertas originais, de primoroso rigor científico e de grande importância médica.
Em 1961 descreveu o fenómeno da variação antigénica por perda em Staphylococcus aureus(2), até então desconhecido. Esclareceu diferenças de virulência das estirpes antes e depois de sofrerem a variação antigénica, bem como as relações entre a virulência e a susceptibilidade aos antibióticos. (3,4)
Descreveu pela primeira vez a importância das estirpes de estafilococos não produtoras de coagulase (Staphylococcus albus) resistentes à novobiocina e portadoras de antigénio 51, como agentes de infecção urinária(5). Estes microrganismos, até então considerados não patogénicos, foram posteriormente classificados na espécie Staphylococcus saprophyticus e são hoje reconhecidos entre os mais frequentes agentes de infecção urinária na mulher jovem em todo o mundo. Foi o Professor Torres Pereira o introdutor na literatura médica da importância patogénica de S. saprophyticus, um marco para a Microbiologia médica portuguesa.
Após o aparecimento e disseminação de estirpes de S. aureus resistentes à meticilina (MRSA), uma das bactérias que mais problemas causa actualmente em muitas regiões do mundo, sobretudo em doentes hospitalizados, esteve envolvido na descrição dos primeiros casos e surtos identificados em Portugal. (6,7)
Para além das actividades académicas, deu um marcante contributo a muitas outras instituições, tendo em várias ocupado cargos de grande prestígio e que as enriqueceram incluíndo, entre outras, a Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa (Presidente), Sociedade Portuguesa de Microbiologia (Presidente), Academia Nacional de Medicina de Portugal e Academia das Ciências de Lisboa.
Homem de grande inteligência e cultura, orador brilhante e lutador incansável, foi exigente consigo e com os que o rodeavam mais de perto. Frontal e incisivo, nunca poupou a mediocridade. Apesar de não ser um optimista, nos momentos mais difíceis tinha sempre uma palavra ou um gesto amigo e solidário.
Tive o privilégio de conviver com o Professor Torres Pereira nas últimas quatro décadas. Foi a primeira pessoa com quem trabalhei, desde o 4º ano do curso de Medicina, quando me convidou para monitor da cadeira de Bacteriologia e Parasitologia. Foi com ele que aprendi a técnica bacteriológica e a ele devo todo o apoio e condições que me foram proporcionadas na Faculdade, permitindo a realização da minha carreira académica. O seu incentivo e amizade e, sobretudo, a lição da sua vida, não serão esquecidos.
Referências Bibliográficas:
1- A. Torres Pereira. A segunda Faculdade de Medicina de Lisboa. Subsídios para a História da Reconstrução da Faculdade de Medicina do Campo de Santana. O Médico 1974; 58: 79.
2- A. Torres Pereira. Antigenic loss variation in Staphylococcus aureus. J. Path. Bact. 1961; 81:151.
3- A. Torres Pereira. Two different varieties of Staphylococcus aureus based on the correlation between antigenic structure, phage pattern, antibiotic pattern and virulence. Int. Bull. Bact. Nomen. Taxon. 1965; 15: 117.
4- A. Torres Pereira. Aspects of virulence in Staphylococcus aureus in relation to antigenic structure. Int. J. System. Bacteriol. 1967; 17: 395.
5- A. Torres Pereira. Coagulase negative strains of staphylococcus possessing antigen 51 as agents of urinary infection. J. Clin. Pathol. 1962; 15: 252.
6- J. Melo Cristino, A. Torres Pereira e col. Infection with Methicillin-Gentamicin-Resistant Staphylococcus aureus in a Paediatric Surgical Unit in Lisbon. J. Hosp. Infect. 1985; 6: 426.
7- J. Melo Cristino, A. Torres Pereira. Plasmid analysis of 219 Methicillin-Resistant Staphylococcus aureus strains with uncommon profiles isolated in Lisbon. J. Hosp. Infect. 1989; 13: 133.
J. Melo Cristino
Texto baseado na publicação do autor “O Professor Artur Torres Pereira”, Arquivos do Instituto Bacteriológico Câmara Pestana 1999; 23: 81-88.
Em 1948 concluiu a licenciatura em Medicina e Cirurgia na Faculdade de Medicina de Lisboa, com a classificação de 18 valores. Em 1950 foi nomeado 2º Assistente da cadeira de Bacteriologia e Parasitologia da mesma Faculdade. Em 1961 doutorou-se com a classificação de 19 valores, tendo defendido a dissertação intitulada “Os estafilococos patogénicos e os seus métodos de classificação”. Em 1965 foi Professor Extraordinário do 5º Grupo (Bacteriologia, Parasitologia, Higiene e Medicina Social), em 1969 Professor Catedrático de Higiene e Medicina Social e em 1977 Professor Catedrático de Bacteriologia e Parasitologia da Faculdade de Medicina de Lisboa.
Uma das figuras mais notáveis da nossa Universidade, o Professor Torres Pereira foi Vice-Reitor da Universidade de Lisboa entre 1970 e 1974. Em 1973 dirigiu a reconstrução e pôs a funcionar a Faculdade de Medicina do Campo de Santana, dando início a uma nova experiência pedagógica do ensino da Medicina em Portugal.(1) Na Faculdade de Medicina de Lisboa, para além das funções de Professor Catedrático que exerceu durante mais de duas décadas, ocupou os mais elevados cargos, incluíndo os de Presidente do Conselho Científico (4 anos) e de Director (6 anos).
Após assumir em 1969 a responsabilidade do ensino de Higiene e Medicina Social desenvolveu extensa actividade na área, sendo da sua responsabilidade a introdução no ensino médico do Planeamento Familiar o que constituiu, à data, um marco na medicina preventiva do nosso País. Foi ainda o responsável pelo desdobramento da cadeira de Higiene e Medicina Social que, de anual, passou a ser leccionada três vezes, no 1º ano (Ecologia Médica), no 4º (Higiene) e no 6º (Medicina Social e Comunitária), promovendo uma maior sensibilização para a Medicina Preventiva ao longo do curso.
Foi Professor Catedrático e regente de Bacteriologia e Parasitologia (que mais tarde veio a chamar-se Microbiologia) durante cerca de duas décadas. Formou uma equipa docente, apoiou e estimulou todos os que manifestaram interesse em seguir uma actividade de estudo e investigação em Microbiologia médica no Instituto Bacteriológico Câmara Pestana, que dirigiu durante 20 anos, e onde criou, entre outros, o Serviço de Estreptococos e Estafilococos.
A sua actividade científica enriqueceu e prestigiou de modo ímpar a Medicina Portuguesa. Investigou áreas muito diversas, foi autor de mais de uma centena de publicações e comunicações, mas foi no estudo das bactérias do género Staphylococcus que os seus trabalhos atingiram o expoente máximo, tendo publicado frequentemente no País e no estrangeiro descobertas originais, de primoroso rigor científico e de grande importância médica.
Em 1961 descreveu o fenómeno da variação antigénica por perda em Staphylococcus aureus(2), até então desconhecido. Esclareceu diferenças de virulência das estirpes antes e depois de sofrerem a variação antigénica, bem como as relações entre a virulência e a susceptibilidade aos antibióticos. (3,4)
Descreveu pela primeira vez a importância das estirpes de estafilococos não produtoras de coagulase (Staphylococcus albus) resistentes à novobiocina e portadoras de antigénio 51, como agentes de infecção urinária(5). Estes microrganismos, até então considerados não patogénicos, foram posteriormente classificados na espécie Staphylococcus saprophyticus e são hoje reconhecidos entre os mais frequentes agentes de infecção urinária na mulher jovem em todo o mundo. Foi o Professor Torres Pereira o introdutor na literatura médica da importância patogénica de S. saprophyticus, um marco para a Microbiologia médica portuguesa.
Após o aparecimento e disseminação de estirpes de S. aureus resistentes à meticilina (MRSA), uma das bactérias que mais problemas causa actualmente em muitas regiões do mundo, sobretudo em doentes hospitalizados, esteve envolvido na descrição dos primeiros casos e surtos identificados em Portugal. (6,7)
Para além das actividades académicas, deu um marcante contributo a muitas outras instituições, tendo em várias ocupado cargos de grande prestígio e que as enriqueceram incluíndo, entre outras, a Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa (Presidente), Sociedade Portuguesa de Microbiologia (Presidente), Academia Nacional de Medicina de Portugal e Academia das Ciências de Lisboa.
Homem de grande inteligência e cultura, orador brilhante e lutador incansável, foi exigente consigo e com os que o rodeavam mais de perto. Frontal e incisivo, nunca poupou a mediocridade. Apesar de não ser um optimista, nos momentos mais difíceis tinha sempre uma palavra ou um gesto amigo e solidário.
Tive o privilégio de conviver com o Professor Torres Pereira nas últimas quatro décadas. Foi a primeira pessoa com quem trabalhei, desde o 4º ano do curso de Medicina, quando me convidou para monitor da cadeira de Bacteriologia e Parasitologia. Foi com ele que aprendi a técnica bacteriológica e a ele devo todo o apoio e condições que me foram proporcionadas na Faculdade, permitindo a realização da minha carreira académica. O seu incentivo e amizade e, sobretudo, a lição da sua vida, não serão esquecidos.
Referências Bibliográficas:
1- A. Torres Pereira. A segunda Faculdade de Medicina de Lisboa. Subsídios para a História da Reconstrução da Faculdade de Medicina do Campo de Santana. O Médico 1974; 58: 79.
2- A. Torres Pereira. Antigenic loss variation in Staphylococcus aureus. J. Path. Bact. 1961; 81:151.
3- A. Torres Pereira. Two different varieties of Staphylococcus aureus based on the correlation between antigenic structure, phage pattern, antibiotic pattern and virulence. Int. Bull. Bact. Nomen. Taxon. 1965; 15: 117.
4- A. Torres Pereira. Aspects of virulence in Staphylococcus aureus in relation to antigenic structure. Int. J. System. Bacteriol. 1967; 17: 395.
5- A. Torres Pereira. Coagulase negative strains of staphylococcus possessing antigen 51 as agents of urinary infection. J. Clin. Pathol. 1962; 15: 252.
6- J. Melo Cristino, A. Torres Pereira e col. Infection with Methicillin-Gentamicin-Resistant Staphylococcus aureus in a Paediatric Surgical Unit in Lisbon. J. Hosp. Infect. 1985; 6: 426.
7- J. Melo Cristino, A. Torres Pereira. Plasmid analysis of 219 Methicillin-Resistant Staphylococcus aureus strains with uncommon profiles isolated in Lisbon. J. Hosp. Infect. 1989; 13: 133.
J. Melo Cristino
Texto baseado na publicação do autor “O Professor Artur Torres Pereira”, Arquivos do Instituto Bacteriológico Câmara Pestana 1999; 23: 81-88.
