Espaço Aberto
Pós-graduar na psicologia dos comportamentos de abuso na FMUL
Desde os tempos saudosos da minha Licenciatura em Psicologia Clínica, que o fenómeno dos comportamentos de dependência norteava os meus interesses académicos, favorecido distintamente pela hegemonia de tão generoso proveito motivacional, que nos instiga à execução fruída até dos mais árduos ofícios. Por acasos do destino, presumivelmente não tão aleatórios como se possa considerar, fui integrar as consultas de especialidade do Serviço de Psiquiatria do HSM (etilo-risco e toxicodependências), corporalizando assim uma “paixão”, que ironicamente também me deve activar os circuitos cerebrais do prazer. Assim, com o anúncio da realização do I Curso de Mestrado em Comportamentos de Dependência e seus Tratamentos sob a organização do Gabinete de Mestrados e Doutoramentos da Faculdade de Medicina de da Universidade de Lisboa (FMUL), dificilmente poderia recusar tamanho estímulo, tão abastecido de credibilidade, tradição académica e claro, hedonismo - qual comportamento de auto-estimulação!
É com renovado aprazimento que revolvo nalgumas reminiscências do I Curso de Mestrado em Comportamentos de Dependência e seus Tratamentos da FMUL, coordenado com douto e proficiência institucional.
A estrutura do ano pedagógico outorga ao aluno a edificação e polimento de um “discurso pessoal sobre drogas”, que se quer despolitizado, optimizado sob o ponto de vista científico e exonerado de cognições desvirtuadas da realidade comportamental vigente, a qual por vezes parece deveras vulnerável à copiosa “poluição” informativa de alguns meios comunicacionais dos mais variados quadrantes societários, carentes de rigor e fundamentação metodológica, agregados a opinion makers avulsos. É a partir dessa estrutura de ensinamento que concebe o curso de especialização, também potencial correctora de práticas clínicas hesitantes, que me parece profícuo entrosar algumas reflexões pessoais extraídas dos propósitos do meu próprio “discurso dos comportamentos dependentes”, utilizando os vários módulos da componente curricular do ano pedagógico de mestrado como guião de crítica.
Corria o mês de Outubro de 2004 e o famigerado Anfiteatro Cid dos Santos acolhia a abertura do mestrado honrada pela comissão organizadora que, após introdução solene, estreou o módulo subordinado aos aspectos sociológicos e antropológicos da utilização de drogas. Agora, já no novíssimo Edifício Egas Moniz, o qual enquanto mestrandos tivemos o prazer de inaugurar, a antropologia marcou a tónica apoiada nos mais diversos registos históricos e arrojadas observações etnográficas. Seguiu-se a análise dos mecanismos neurobiológicos subjacentes aos comportamentos de dependência, ainda algo misteriosos, mesmo com os assinaláveis progressos das tecnologias da mente. O desafio presente passa por integrar os avanços da neurofarmacologia, da genética molecular e da investigação clínica com as conceptualizações de outras disciplinas mais amplas, como a neuropsicologia e psicologia do comportamento, de forma a deslindar os enigmas do “pensamento biológico” do cérebro humano dependente de abusos. O vínculo integrativo conduziu posteriormente ao estudo dos principais modelos psicogénicos do uso, abuso e dependência de substâncias, com reconhecimento dos paradigmas motivacionais e comportamentais dos modelos de aprendizagem e das principais abordagens psicodinâmicas que vão no encalço de um “ego químico”. A sinergia destas conceptualizações biopsicosociais dinamizam a probabilística e a natureza da expressividade das perturbações do uso de drogas. O módulo de saúde pública auxiliou a consistência da informação científica, socorrendo-se do rigor estatístico da epidemiologia, sobretudo do observatório europeu das drogas e toxicodependência (OEDT).
Após a qualificação de “flagelo social”, o consumo de drogas e a toxicodependência tem levantado alguma controvérsia perante qual a atitude a tomar pela Comunidade, Estado e Jurisprudência. Face a este fenómeno global em constante intercâmbio, era indispensável a discussão das políticas de drogas, pois as propostas anti-proibicionistas que gozam de um laxismo sócio-jurídico, ou as teses proibicionistas que se esgotam em estratégias estritamente repressivas estão totalmente desajustadas no panorama actual do “combate à droga”. O discurso político-legislativo sobre drogas necessita de uma forte plasticidade judicial para refrear a assídua movimentação dos traficantes, a descentralização das redes de distribuição e a massificação do crime organizado. A clínica dos comportamentos e as estratégias de prevenção ocuparam a ordem de trabalhos dos módulos seguintes, contendo uma componente dinâmica de acessibilidade ao conhecimento impulsionadora de medidas preventivas, terapêuticas e de reinserção social mais apropriadas e centralizadas na pessoa humana para além da droga. Com os seminários de intervenção e investigação a rematar o ano curricular, adivinhava-se a reconhecimento graduado técnico-científico das “contingências do cérebro humano dependente”.
O ano seguinte, particularmente sedutor pela componente vivencial de investigação e dissertação, foi concluído com a apresentação da tese perante a imponência inquietante da Aula Magna.
Foi desta forma que, através de um suspeitável processo de decisão “damasiano”, selei o meu compromisso institucional com a Formação Avançada da Universidade de Lisboa, ao que parece ainda por satisfazer, pois o doutoramento acabou de ser encetado e pretende recompensar o meu sistema de “reforço” através da confluência de linhas de investigação na área da alcoologia, tipologias de doentes alcoólicos e a interface entre a genética e a psicologia dos comportamentos. Depois, dar-vos-ei notícias dos resultados…
Por: Samuel Pombo
Psicólogo Clínico do Serviço de Psiquiatria e Saúde Mental do Centro Hospitalar Lisboa Norte – Hospital Santa Maria (CHLN-HSM)
Assistente Convidado de Psicologia Médica da FMUL
E-mail: samuelpombo@gmail.com
É com renovado aprazimento que revolvo nalgumas reminiscências do I Curso de Mestrado em Comportamentos de Dependência e seus Tratamentos da FMUL, coordenado com douto e proficiência institucional.
A estrutura do ano pedagógico outorga ao aluno a edificação e polimento de um “discurso pessoal sobre drogas”, que se quer despolitizado, optimizado sob o ponto de vista científico e exonerado de cognições desvirtuadas da realidade comportamental vigente, a qual por vezes parece deveras vulnerável à copiosa “poluição” informativa de alguns meios comunicacionais dos mais variados quadrantes societários, carentes de rigor e fundamentação metodológica, agregados a opinion makers avulsos. É a partir dessa estrutura de ensinamento que concebe o curso de especialização, também potencial correctora de práticas clínicas hesitantes, que me parece profícuo entrosar algumas reflexões pessoais extraídas dos propósitos do meu próprio “discurso dos comportamentos dependentes”, utilizando os vários módulos da componente curricular do ano pedagógico de mestrado como guião de crítica.
Corria o mês de Outubro de 2004 e o famigerado Anfiteatro Cid dos Santos acolhia a abertura do mestrado honrada pela comissão organizadora que, após introdução solene, estreou o módulo subordinado aos aspectos sociológicos e antropológicos da utilização de drogas. Agora, já no novíssimo Edifício Egas Moniz, o qual enquanto mestrandos tivemos o prazer de inaugurar, a antropologia marcou a tónica apoiada nos mais diversos registos históricos e arrojadas observações etnográficas. Seguiu-se a análise dos mecanismos neurobiológicos subjacentes aos comportamentos de dependência, ainda algo misteriosos, mesmo com os assinaláveis progressos das tecnologias da mente. O desafio presente passa por integrar os avanços da neurofarmacologia, da genética molecular e da investigação clínica com as conceptualizações de outras disciplinas mais amplas, como a neuropsicologia e psicologia do comportamento, de forma a deslindar os enigmas do “pensamento biológico” do cérebro humano dependente de abusos. O vínculo integrativo conduziu posteriormente ao estudo dos principais modelos psicogénicos do uso, abuso e dependência de substâncias, com reconhecimento dos paradigmas motivacionais e comportamentais dos modelos de aprendizagem e das principais abordagens psicodinâmicas que vão no encalço de um “ego químico”. A sinergia destas conceptualizações biopsicosociais dinamizam a probabilística e a natureza da expressividade das perturbações do uso de drogas. O módulo de saúde pública auxiliou a consistência da informação científica, socorrendo-se do rigor estatístico da epidemiologia, sobretudo do observatório europeu das drogas e toxicodependência (OEDT).
Após a qualificação de “flagelo social”, o consumo de drogas e a toxicodependência tem levantado alguma controvérsia perante qual a atitude a tomar pela Comunidade, Estado e Jurisprudência. Face a este fenómeno global em constante intercâmbio, era indispensável a discussão das políticas de drogas, pois as propostas anti-proibicionistas que gozam de um laxismo sócio-jurídico, ou as teses proibicionistas que se esgotam em estratégias estritamente repressivas estão totalmente desajustadas no panorama actual do “combate à droga”. O discurso político-legislativo sobre drogas necessita de uma forte plasticidade judicial para refrear a assídua movimentação dos traficantes, a descentralização das redes de distribuição e a massificação do crime organizado. A clínica dos comportamentos e as estratégias de prevenção ocuparam a ordem de trabalhos dos módulos seguintes, contendo uma componente dinâmica de acessibilidade ao conhecimento impulsionadora de medidas preventivas, terapêuticas e de reinserção social mais apropriadas e centralizadas na pessoa humana para além da droga. Com os seminários de intervenção e investigação a rematar o ano curricular, adivinhava-se a reconhecimento graduado técnico-científico das “contingências do cérebro humano dependente”.
O ano seguinte, particularmente sedutor pela componente vivencial de investigação e dissertação, foi concluído com a apresentação da tese perante a imponência inquietante da Aula Magna.
Foi desta forma que, através de um suspeitável processo de decisão “damasiano”, selei o meu compromisso institucional com a Formação Avançada da Universidade de Lisboa, ao que parece ainda por satisfazer, pois o doutoramento acabou de ser encetado e pretende recompensar o meu sistema de “reforço” através da confluência de linhas de investigação na área da alcoologia, tipologias de doentes alcoólicos e a interface entre a genética e a psicologia dos comportamentos. Depois, dar-vos-ei notícias dos resultados…
Por: Samuel Pombo
Psicólogo Clínico do Serviço de Psiquiatria e Saúde Mental do Centro Hospitalar Lisboa Norte – Hospital Santa Maria (CHLN-HSM)
Assistente Convidado de Psicologia Médica da FMUL
E-mail: samuelpombo@gmail.com