Espaço Aberto
Cinema e Medicina, rubrica assinada pelo Dr. António Pais Lacerda

A News@FMUL agradece, pois, desde já, a sua preciosa colaboração, no âmbito da cultura médica e da 7ª Arte
*Assistente das Disciplinas de Módulo III.I “Medicina Clínica - O Médico, a Pessoa e o Doente” e de Medicina Intensiva da FMUL.
“Ferrugem e osso”, de Jacques Audiard (França, 2012)
O acaso aproxima dois indivíduos emocionalmente feridos – um por lesão afetiva, outra por perda acidental de ambas as pernas.
Alain (Matthias Schoenaerts) vai, com o filho Sam (Armand Verdure), de 5 anos (que mal conhece), para casa da sua irmã e cunhado, em Antibes. É indivíduo desagradável, insensível e egocêntrico, aparentemente incapaz de qualquer manifestação amorosa. A sua masculinidade rude, honesta e desabrida (facilmente antissocial), perturba e fere todos com quem se relaciona independentemente das consequências. Esse “estado bruto” só se conjuga adequadamente com as lutas de rua em que aceita combater por dinheiro.
Um grave acidente numa piscina de espetáculo com orcas faz com que Stephanie (Marion Cotillard) tome consciência, ainda no hospital, de que se encontra amputada. Com a perda das suas pernas perde também a vontade de viver.
Ultrapassada a depressão inicial, vai recuperar a coragem para suportar a dor das suas novas representações intrapsíquicas, e reaprender a sua independência e funcionalidade com adaptação a próteses mecânicas, contrariando estigmas e preconceitos sociais. O relacionamento que desenvolve com Alain, que não lhe demonstra qualquer compaixão, (mas que até faz um sexo “pedagógico” para que ela perceba “que ainda funciona...”) acaba por lhe dar a força psicológica para o “coping”/aceitação e o encontrar um motivo para a vida.
A água, onde se desenrola a tragédia inicial, volta a ser relevante mais tarde, na sequência das vivências de Alain e de Sam, e a assumir um papel transformador.
Cinematograficamente o filme merece destaque. Para além de uma direção de atores minuciosa, originando uma representação que nos toca pela sua força e realidade (a amputação das pernas de Stephanie faz pensar que o drama aconteceu na vida real de Marion Cotillard!), o enquadramento das cenas e o próprio modo (estético) de filmar oferece-nos aqueles momentos em que o espectador já se encontra na tela, intruso no próprio filme.
"De rouille et d'os", realizado por Jacques Audiard, foi considerado o “Best Film” no London Film Festival (2012), e recebeu 4 “César" da Académie des arts et techniques du cinema (Paris) em 2013 (Meilleure adaptation, Meilleur montage, Meilleure musique originale, Meilleur espoir masculin - Matthias Schoenaerts). Marion Cotillard foi considerada “Actriz do Ano” (2012) no Hollywood Film Festival, assim como “Melhor actriz Internacional” (IFTA Award) no Irish Film and Television Awards (2013).
É a minha sugestão para este mês.
