Espaço Ciência
O retrato de um porvir: expectativas sobre a experiência prevista num hospital geriátrico francês
O retrato de um porvir: expectativas sobre a experiência prevista num hospital geriátrico francês
“Que tristeza! Eu serei velho, horrível e disforme, mas este retrato permanecerá sempre jovem. Nunca terá mais idade do que este exacto dia de Junho... Mas se pudesse ser ao contrário! Se fosse eu que ficasse sempre jovem e o retrato envelhecesse! Era capaz... era capaz de dar tudo por isso! Sim, não há nada no mundo que não desse! Até a alma!” Oscar Wilde in O Retrato de Dorian Gray
No início do século XX, Oscar Wilde retratava o envelhecer como horrível, mas no século XXI, este retrato tem que ser reinterpretado. Na vida real não dispomos da capacidade literária de congelar o tempo num retrato, mas existem soluções para promover o envelhecimento saudável.
A melhoria das condições de vida e dos cuidados médicos levou ao aumento da esperança média de vida e ao envelhecimento da população. O facto de existirem mais idosos não é suficiente para garantir que a sociedade acompanhe esta evolução demográfica. O idoso continua frequentemente a ser considerado, e a considerar-se, um encargo[1]. Enquanto Interna de Medicina Interna esta problemática é uma constante da prática quotidiana. A idade média dos doentes internados nos Serviços de Medicina ultrapassa os 70 anos. No Serviço em que trabalho, nos últimos três meses, a idade média dos doentes internados foi de 78 anos. Durante o acompanhamento destes doentes deparo-me com enormes diferenças entre idade cronológica e idade fisiológica, funcional, psicológica e social, sendo tão frequente a dependência e incapacidade até antes dos 65 anos como a autonomia em pessoas com mais de 90 anos, cheias de ensinamentos para partilhar. Este contexto foi responsável pelo meu interesse pela área da Gerontologia.
Os últimos anos de vida podem ser marcados pela doença e pela incapacidade. A Geriatria é a especialidade médica que previne, trata ou acompanha as alterações dos idosos, em particular das que condicionam perda de autonomia[2].
Em Portugal, tem-se verificado um aumento na população com mais de 65 anos. Em 2010, 18% da população portuguesa tinha mais de 65 anos, existindo um crescimento de 2% em relação a 2000[3]. As previsões a nível mundial apontam para que o número de idosos triplique até 2050, atingindo nos países desenvolvidos 79% da população[1]. A evolução nacional vai de encontro aos dados demográficos internacionais, mas não existe ainda em Portugal a especialidade médica de Geriatria. A população de doentes idosos é maioritariamente acompanhada por Internistas e Médicos de Medicina Geral e Familiar. No entanto, existem idiossincrasias características do envelhecimento saudável, assim como um corpo de conhecimento teórico e prático desenvolvido para o promover.
A formação pós-graduada em Medicina Interna prevê, no seu programa curricular, a realização de estágios parcelares opcionais em áreas de interesse para a formação completa do Internista. A realização de um estágio parcelar em Geriatria visa a aquisição de conhecimentos aplicáveis na prática clínica diária. O facto de não existir em Portugal nenhum serviço de Geriatria impõe a necessidade de deslocação para um país estrangeiro. Os objectivos gerais deste período de estágio são a aquisição de competências técnicas na área da Geriatria e de compreensão do funcionamento de um Serviço de Geriatria. O Serviço eleito para o Estágio localiza-se em Paris, no Hôpital Européen Georges Pompidou, que foi inaugurado em 2000, sendo assim o mais recente dos grandes hospitais parisienses. A criação de expectativas sobre qualquer assunto implica uma prévia investigação do mesmo, pelo que partilhamos as características deste Serviço.
O Serviço de Geriatria do Hôpital Européen Georges Pompidou é composto por uma Unidade de Internamento de 26 camas, um Hospital de Dia com 5 camas e Consulta Externa. O Prof. Olivier Saint Jean, professor de Geriatria na Universidade Paris Descartes, é o responsável pelo serviço desde a sua criação [2,4]. A actividade em Internamento engloba o tratamento de doenças agudas do doente muito idoso. O Hospital de Dia acolhe doentes para realização de avaliação laboratorial sem necessidade de internamento. As suas principais actividades são a avaliação diagnóstica de alterações da memória e a avaliação geriátrica global. A consulta é orientada para a identificação e tratamento de doenças debilitantes nos idosos. Para além da actividade assistencial, são ainda desenvolvidas actividades de investigação que consistem na análise dos sistemas de saúde e ajuda às doenças do envelhecimento (programme PRISMA France) e ao estudo da pertinência da utilização de medidas terapêuticas mais invasivas e internamentos hospitalares na população geriátrica. Este serviço tem uma especial diferenciação na área da Oncogeriatria[4].
A realização de um estágio parcelar em Geriatria num Serviço com estas características adivinha-se profícuo na aquisição das competências pretendidas. Trabalhar neste serviço durante um período de três meses representa uma oportunidade de assistir doentes idosos em internamento hospitalar por doença aguda, numa enfermaria especialmente concebida para este efeito, sem adaptações de estruturas anteriores. Permitirá assim uma comparação com a realidade das enfermarias de Medicina Interna em Portugal, que acolhem maioritariamente doentes em idade geriátrica.
O acompanhamento dos períodos de consulta e hospital de dia trarão a prática clínica da aplicação da avaliação geriátrica global, assim como, uma diferenciação prática na abordagem das principais síndromes geriátricas, de que salientamos um interesse particular no risco de quedas e demência. A experiência prática e prolongada em Oncologia Geriátrica, de extrema importância na prática clínica, acresce o interesse deste estágio. Esperamos ainda compreender as dinâmicas organizacionais deste Serviço de Geriatria, que poderão servir de modelos e inspiração para um porvir português. Pretendemos com este estágio adquirir capacidades e instrumentos para pintar um retrato menos triste do envelhecimento.
No século XXI, cabe-nos promover um envelhecimento saudável para que o porvir nos retrate a alegria de ser velho, autónomo e capaz.
Lia Marques
Assistente Livre da Unidade Universitária de Geriatria da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa
Interna do Internato de Medicina Interna no Serviço de Medicina III do Centro Hospitalar Lisboa Norte; 964728113; marques.lia@gmail.com
________________
Bibliografia
1. J. Gorjão Clara. Saber viver ao entardecer... Sugestões para envelhecer com qualidade. Fundação Professor Fernando Pádua, com o apoio Pfizer, 280430/08 (14).
2. http://www.longuevieetautonomie.fr/
3. http://www.pordata.pt
4. http://www.aphp.fr
“Que tristeza! Eu serei velho, horrível e disforme, mas este retrato permanecerá sempre jovem. Nunca terá mais idade do que este exacto dia de Junho... Mas se pudesse ser ao contrário! Se fosse eu que ficasse sempre jovem e o retrato envelhecesse! Era capaz... era capaz de dar tudo por isso! Sim, não há nada no mundo que não desse! Até a alma!” Oscar Wilde in O Retrato de Dorian Gray
No início do século XX, Oscar Wilde retratava o envelhecer como horrível, mas no século XXI, este retrato tem que ser reinterpretado. Na vida real não dispomos da capacidade literária de congelar o tempo num retrato, mas existem soluções para promover o envelhecimento saudável.
A melhoria das condições de vida e dos cuidados médicos levou ao aumento da esperança média de vida e ao envelhecimento da população. O facto de existirem mais idosos não é suficiente para garantir que a sociedade acompanhe esta evolução demográfica. O idoso continua frequentemente a ser considerado, e a considerar-se, um encargo[1]. Enquanto Interna de Medicina Interna esta problemática é uma constante da prática quotidiana. A idade média dos doentes internados nos Serviços de Medicina ultrapassa os 70 anos. No Serviço em que trabalho, nos últimos três meses, a idade média dos doentes internados foi de 78 anos. Durante o acompanhamento destes doentes deparo-me com enormes diferenças entre idade cronológica e idade fisiológica, funcional, psicológica e social, sendo tão frequente a dependência e incapacidade até antes dos 65 anos como a autonomia em pessoas com mais de 90 anos, cheias de ensinamentos para partilhar. Este contexto foi responsável pelo meu interesse pela área da Gerontologia.
Os últimos anos de vida podem ser marcados pela doença e pela incapacidade. A Geriatria é a especialidade médica que previne, trata ou acompanha as alterações dos idosos, em particular das que condicionam perda de autonomia[2].
Em Portugal, tem-se verificado um aumento na população com mais de 65 anos. Em 2010, 18% da população portuguesa tinha mais de 65 anos, existindo um crescimento de 2% em relação a 2000[3]. As previsões a nível mundial apontam para que o número de idosos triplique até 2050, atingindo nos países desenvolvidos 79% da população[1]. A evolução nacional vai de encontro aos dados demográficos internacionais, mas não existe ainda em Portugal a especialidade médica de Geriatria. A população de doentes idosos é maioritariamente acompanhada por Internistas e Médicos de Medicina Geral e Familiar. No entanto, existem idiossincrasias características do envelhecimento saudável, assim como um corpo de conhecimento teórico e prático desenvolvido para o promover.
A formação pós-graduada em Medicina Interna prevê, no seu programa curricular, a realização de estágios parcelares opcionais em áreas de interesse para a formação completa do Internista. A realização de um estágio parcelar em Geriatria visa a aquisição de conhecimentos aplicáveis na prática clínica diária. O facto de não existir em Portugal nenhum serviço de Geriatria impõe a necessidade de deslocação para um país estrangeiro. Os objectivos gerais deste período de estágio são a aquisição de competências técnicas na área da Geriatria e de compreensão do funcionamento de um Serviço de Geriatria. O Serviço eleito para o Estágio localiza-se em Paris, no Hôpital Européen Georges Pompidou, que foi inaugurado em 2000, sendo assim o mais recente dos grandes hospitais parisienses. A criação de expectativas sobre qualquer assunto implica uma prévia investigação do mesmo, pelo que partilhamos as características deste Serviço.
O Serviço de Geriatria do Hôpital Européen Georges Pompidou é composto por uma Unidade de Internamento de 26 camas, um Hospital de Dia com 5 camas e Consulta Externa. O Prof. Olivier Saint Jean, professor de Geriatria na Universidade Paris Descartes, é o responsável pelo serviço desde a sua criação [2,4]. A actividade em Internamento engloba o tratamento de doenças agudas do doente muito idoso. O Hospital de Dia acolhe doentes para realização de avaliação laboratorial sem necessidade de internamento. As suas principais actividades são a avaliação diagnóstica de alterações da memória e a avaliação geriátrica global. A consulta é orientada para a identificação e tratamento de doenças debilitantes nos idosos. Para além da actividade assistencial, são ainda desenvolvidas actividades de investigação que consistem na análise dos sistemas de saúde e ajuda às doenças do envelhecimento (programme PRISMA France) e ao estudo da pertinência da utilização de medidas terapêuticas mais invasivas e internamentos hospitalares na população geriátrica. Este serviço tem uma especial diferenciação na área da Oncogeriatria[4].
A realização de um estágio parcelar em Geriatria num Serviço com estas características adivinha-se profícuo na aquisição das competências pretendidas. Trabalhar neste serviço durante um período de três meses representa uma oportunidade de assistir doentes idosos em internamento hospitalar por doença aguda, numa enfermaria especialmente concebida para este efeito, sem adaptações de estruturas anteriores. Permitirá assim uma comparação com a realidade das enfermarias de Medicina Interna em Portugal, que acolhem maioritariamente doentes em idade geriátrica.
O acompanhamento dos períodos de consulta e hospital de dia trarão a prática clínica da aplicação da avaliação geriátrica global, assim como, uma diferenciação prática na abordagem das principais síndromes geriátricas, de que salientamos um interesse particular no risco de quedas e demência. A experiência prática e prolongada em Oncologia Geriátrica, de extrema importância na prática clínica, acresce o interesse deste estágio. Esperamos ainda compreender as dinâmicas organizacionais deste Serviço de Geriatria, que poderão servir de modelos e inspiração para um porvir português. Pretendemos com este estágio adquirir capacidades e instrumentos para pintar um retrato menos triste do envelhecimento.
No século XXI, cabe-nos promover um envelhecimento saudável para que o porvir nos retrate a alegria de ser velho, autónomo e capaz.
Lia Marques
Assistente Livre da Unidade Universitária de Geriatria da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa
Interna do Internato de Medicina Interna no Serviço de Medicina III do Centro Hospitalar Lisboa Norte; 964728113; marques.lia@gmail.com
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Bibliografia
1. J. Gorjão Clara. Saber viver ao entardecer... Sugestões para envelhecer com qualidade. Fundação Professor Fernando Pádua, com o apoio Pfizer, 280430/08 (14).
2. http://www.longuevieetautonomie.fr/
3. http://www.pordata.pt
4. http://www.aphp.fr