Desde muito pequeno que tive contacto com este mundo, por um lado estimulado pelos meus pais, por outro pelo entusiasmo que as circunstâncias em mim suscitaram. Com isto quero dizer que não foi de uma análise “racional” das várias opções para actividades lúdicas que decidi entrar na música. Podia ter calhado o futebol, ou a pintura, mas não foi o que calhou. Felizmente, penso que tive sorte.
Passo a explicar o porquê desta minha satisfação: a música, em toda a sua diversidade é um espelho do mundo, uma base sólida para o estabelecimento de paralelismos que nos podem levar à melhor compreensão da sociedade, das suas particularidades, pontos fortes e falhas. A análise do som, que só sobrevive quando sustentado; da banda ou da orquestra na qual as funções de cada um estão bem definidas e na qual deve haver uma perfeita coordenação e entendimento, para que no fim se atinja um final comum; ou ainda o diálogo que conseguimos distinguir entre duas linhas melódicas que se respondem mutuamente, por vezes sobrepondo-se uma à outra, mas sempre, repito, sempre ouvindo a sua interlocutora. Todas estas ideias podem ser relacionadas com a realidade e penso que tomadas como exemplos a seguir no nosso dia-a-dia.
Mas voltando à tal realidade, enveredar por este modo de vida, a qual gira à volta do estudo da Medicina e paralelamente da Música e ainda da actividade coral não é propriamente fácil. Aliás, qualquer pessoa que esteja empenhada num objectivo obriga-se a um grande esforço em termos de organização (matéria na qual não sou, confesso, grande perito) e de selecção de prioridades. Em suma, abdicar de alguns momentos de dolce farniente e de alguns outros momentos lúdicos com vista à satisfação imediata, sem dúvida importantes mas que, por vezes, se deixam apenas ficar por aí.
Este esforço, alguns dirão “sacrifício”, é, no entanto, claramente superado tanto pela satisfação que a prática da música em si mesma me dá, quanto pelo reconhecimento do público e dos meus mais chegados amigos, para não falar do prazer intelectual de assim aprender as tais dicotomias entre a música e a vida, como referi há pouco.
Terminando, mas primeiro passando pela “casa de partida”, nunca conseguiria viver só da medicina. Mas também nunca conseguiria viver sem a Música. O meu caminho reside no meio destes dois universos. Nesta posição não faço mais do que companhia ao bem conhecido médico português, Prof. Abel Salazar, que numa engenhosa frase mostrou como, na realidade, está tudo ligado: O médico que só sabe de medicina, nem de medicina sabe.
Afonso Moreira
Associação de Estudantes FMUL
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