Espaço Ciência
Reabilitação de cicatrizes - Artigo de revisão –
Resumo:
Os autores apresentam uma revisão da literatura internacional acerca do estado da arte na abordagem preventiva e terapêutica das cicatrizes anómalas, nomeadamente cicatrizes hipertróficas e quelóides. Estas são respostas exageradas do tecido conjuntivo a estímulos nóxicos. Os autores focam em particular as diferentes técnicas disponíveis na Medicina Física e de Reabilitação e a experiência do Serviço no tratamento destas cicatrizes.
Palavras-chave: reabilitação, cinesiterapia, cicatrizes
Abstract:
The authors present a revision of the international literature on the state of the art of the preventive and therapeutical approach of abnormal scars like hyperthrofic scars and keloids. These are exaggerated connective tissue responses to a noxious stimulus. The authors point the different techniques available in Physical Medicine and Rehabilitation and the Department’s experience treating these scars.
Keywords: rehabilitation, kinesiotherapy, scars
..................
Objectivo:
Os autores pretendem rever a clínica e tratamento das cicatrizes cutâneas e qual o contributo da Medicina Física e de Reabilitação na abordagem das mesmas.
Introdução:
As cicatrizes hipertróficas (Figura 1) e os quelóides são respostas anormais a lesões cutâneas que surgem em indivíduos susceptíveis e representam uma resposta exagerada do tecido conjuntivo ao estímulo nóxico (laceração, piercing, tatuagem, inflamação, cirurgia, queimaduras) [1,2].
As cicatrizes hipertróficas surgem pouco tempo após a lesão (semanas) e são geralmente salientes, vermelhas ou rosadas, por vezes pruriginosas mas não ultrapassam os limites da lesão inicial. Os quelóides surgem meses ou anos após a lesão e infiltram o tecido envolvente. As cicatrizes hipertróficas geralmente regridem com o tempo mas os quelóides evoluem com o tempo [1-3].
As cicatrizes atróficas resultam de reacções inflamatórias como a acne, varicela, foliculite [1].
Histologicamente, as cicatrizes hipertróficas apresentam feixes de fibras de colagénio achatadas e orientadas num padrão ondulado predominantemente paralelo à superfície epitelial (Figura 2). Os quelóides não têm feixes organizados de colagénio e as fibras de colagénio estão dispostas de modo desorganizado (Figura 3). A sobre-produção de TGF-ß (transforming growth factor beta) e PDGF (platelet derived growth factor) em ambas as situações sugere a persistência patológica de sinais para resolução da ferida ou falência dos mecanismos de inibição da reparação celular.
O balanço entre proliferação e apoptose de fibroblastos tende para a proliferação nestas lesões.
Em ambas as lesões há produção aumentada de colagénio (maior nos quelóides que nas cicatrizes hipertróficas), ratio aumentado colagénio tipo I/III com maior proliferação fibroblástica e mais colagénio tipo I nos quelóides [1,2].
Materiais e Métodos:
Os autores fizeram uma pesquisa de artigos e estudos de potencial relevo publicados em bases de dados electrónicas (Pubmed, Ovid e B-On) e em formato impresso, entre 1998 e 2011. Os termos procurados foram: “hypertrophic”, “keloid”, “rehabilitation”, “aetiology”, “etiology”, “management” combinados com “scar”. A leitura dos títulos e abstracts identificou os artigos relevantes.
Resultados:
Nos artigos seleccionados como mais relevantes pelos autores acerca da abordagem terapêutica dos quelóides e cicatrizes hipertróficas, o factor mais importante encontrado é a prevenção evitando cirurgias desnecessárias, especialmente em doentes predispostos para formação de quelóides: negros, jovens, grávidas, certas zonas corporais (cicatrizes perpendiculares a articulações e pregas cutâneas) e factores ambientais (feridas infectadas, queimaduras, traumas, suturas sob tensão). As incisões cirúrgicas devem ser encerradas com o mínimo de tensão, e quando possível, evitando zonas susceptíveis [1-3].
Não existe consenso acerca de qual a modalidade terapêutica mais eficaz e muitas vezes recorre-se a associações de tratamentos.
1- Cinesioterapia:
A cinesioterapia possui técnicas que permitem actuar em todos os estádios evolutivos da cicatrização tendo um papel preventivo mas também curativo [4].
- Drenagem Linfática Manual: pretende tratar o edema (que retarda a cicatrização). Ao actuar na microcirculação favorece uma eliminação mais rápida dos detritos e melhora a nutrição celular. Consiste no favorecimento, através de massagem manual, da drenagem linfática fisiológica em direcção aos gânglios linfáticos.
É o único tratamento de cinesioterapia que deve ser instituído nas primeiras 3 semanas (uma massagem normal causaria aumento da permeabilidade dos vasos linfáticos).
- Massagem Manual (após as 3 semanas):
• Vibrações: são manobras sedativas que melhoram a circulação sanguínea e alteram a substância fundamental. Podem ser manuais ou com aparelho (Figura 4).
• Pressões: devem ser acompanhadas de fricção para mobilizar a cicatriz nos planos profundos (Figura 5).
• Estiramentos: combatem a capacidade de retracção das fibras de colagénio (Figura 6).
• Petrissage ou amassamento: modifica a espessura do tecido, melhora a fibrose e suprime as aderências.
• Pinçamento: actua sobre a fibrose (Figura 7).
• Palper-rouler: consiste em rolar o plano superficial da pele sobre o profundo actuando deste modo sobre a fibrose e aderências
- Técnicas associadas:
• Massagem instrumental (vacuoterapia): consiste na aplicação de uma pressão negativa à pele. Esta causa diminuição do edema, estimula a angiogénese e acelera a cicatrização (Figura 8).
• Duches filiformes: aplicação de duches a alta pressão. Melhora o prurido e o aspecto das cicatrizes hipertróficas e retrácteis.
• Pressoterapia: na pressão contínua podem ser usados vários materiais (placas, adesivos, clipes).
Os princípios da compressão não são bem conhecidos mas algumas das teorias são:
->Redução do débito sanguíneo com subsequente diminuição de a2 microgobulina e estimulação da degradação de colagénio pelas colagenases
->Hipóxia (leva a diminuição do metabolismo tecidular com degeneração dos fibroblastos e degradação do colagénio)
->Menores níveis de condroitina-4-sulfato com subsequente aumento da degradação de colagénio
->Diminuição da hidratação da cicatriz (estabiliza os mastócitos e subsequente diminuição de neovascularização e produção de matriz)
A terapia compressiva deve ser iniciada após a reepitelização e os doentes devem usá-la continuamente 8-24h por dia durante os primeiros 6 meses de cicatrização da ferida.
- Ortóteses:
As ortóteses podem ser estáticas (mantêm uma posição articular ao imobilizarem a articulação – Figura 9) ou dinâmicas (estabilizam uma articulação ou permitem exercitar a mesma através de mobilização resistida contra a ortótese).
São usadas como instrumentos de preservação das amplitudes articulares, prevenção da formação de retracções, protecção de estruturas vulneráveis e para contrariar retracções estabelecidas. Isto porque as cicatrizes anómalas podem originar retracções devido às propriedades dinâmicas do tecido cicatricial que envolve uma articulação (nos estádios iniciais de maturação, tem tendência para encurtamento se não for influenciado por uma força) [5].
2- Outros tratamentos médicos
- Crioterapia:
O frio, como o nitrogénio líquido, afecta a microcirculação e causa dano tecidular que conduz a anóxia tecidular. Geralmente utilizam-se 1-3 ciclos de 10-30 segundos que se podem repetir ao fim de um mês.
Os resultados são melhores quando associado a injecção de corticóides intra-lesionais [1,2].
- Penso de silicone tópico:
O mecanismo de acção é desconhecido mas pensa-se que a hidratação conseguida com a terapia oclusiva afecta a secreção de factores de crescimento pelos queratinócitos locais influenciando assim a regulação dos fibroblastos. Além disso a hidratação diminui a permeabilidade capilar, os mediadores inflamatórios e mitogénicos e a síntese de colagénio. As camadas de silicone devem ser aplicadas assim que a reepitelização termina e usadas pelo menos 12h por dia durante 2-4 meses [1,2,6].
- Radiação:
O recurso a raios X como terapia adjuvante (ex: após excisão cirúrgica de quelóides) afecta a proliferação de fibroblastos (induz apoptose e inibe a angiogénese). A dose varia entre 15 e 20 Gy fraccionados ao longo de 5 ou 6 tratamentos. Os efeitos adversos mais comuns são hiperpigmentação e o risco de malignidade induzida pela radiação [1-3].
- Laserterapia:
O laser pulsado com comprimento de onda de 585 – 595 nm é usado no tratamento de cicatrizes hipertróficas e quelóides. A cicatriz é exposta a feixe com pulso de 0,45 ms e fluência de 6,5 a 7,25 J/cm2. A fototermólise provoca degradação do colagénio e apoptose dos fibroblastos com subsequente redução da espessura da cicatriz, eritema, prurido e dor [1-3, 7].
- Ultrassons:
Os ultrassons são vibrações mecânicas de alta frequência (0,5 a 3 MHz) que aumentam a temperatura tecidular reduzindo assim a viscosidade das fibras de colagénio e aumentando a sua elasticidade.
Tem sido usado nas retracções articulares e nas cicatrizes e demonstra eficácia com potências de 1 a 3 W/cm2 durante 5-8’. Aumenta a mobilidade de cicatrizes maduras. Liberta o tecido cicatricial através de pré-aquecimento, antes ou durante manobras de estiramento e massagem da cicatriz, o que reduz a possibilidade de lesão durante a sua execução [8].
- Iontoforese com iodeto de cálcio a 1% no pólo negativo e iodeto de potássio a 1% no pólo positivo. A iontoforese tem efeito esclerolítico em cicatrizes, quelóides e aderências [9].
3- Tratamentos farmacológicos:
- Corticosteróides:
Os corticoides intra-lesionais são o gold standard na prevenção e tratamento de cicatrizes hipertróficas e quelóides, isolados ou em associação a outros tratamentos. Eles suavizam e aplanam os quelóides mas não conseguem estreitar cicatrizes hipertróficas ou eliminar quelóides. O mecanismo de acção envolve a diminuição de proliferação fibroblástica, de síntese de colagénio, glicosaminoglicanos e mediadores pró-inflamatórios. As injecções devem ser aplicadas o mais precocemente possível numa cicatriz em evolução. O fármaco mais usado é o acetonido de triancinolona (AT) na dose de 5 a 10 mg/ml na derme superior a cada 3-6 semanas. A administração é continuada até a cicatriz estabilizar ou surgirem efeitos adversos (hipopigmentação, atrofia tecidular ou telangiectasia). Quando há quelóides pré-existentes inicia-se o tratamento com injecções trimestrais de AT na dose de 40 mg/ml misturada com igual quantidade de lidocaina a 2% [1-3].
- Outros tratamentos farmacológicos:
• 5-Fluorouracilo: injecções intra-lesionais que visam reduzir a proliferação fibroblástica. Demonstrou eficácia nas cicatrizes hipertróficas mas resultados contraditórios nos quelóides. Tem alguns efeitos adversos (injecção dolorosa e desenvolvimento de púrpura e úlceras) que reduzem quando associado aos corticoides. Além disso esta combinação dá resultados mais rápidos [1-3].
• Creme de imiquimod 5%: A aplicação tópica estimula a síntese de interferão a que degrada o colagénio ao estimular a colagenase. Altera também a expressão de genes associados à apoptose pelo que parece reduzir a taxa de recorrência pós-excisão cirúrgica de quelóides. Ainda encontra-se em investigação [1-3].
• Interferão: Degrada o colagénio e inibe a fibrose mas tem efeitos adversos como febre, arrepios, suores nocturnos, fadiga, mialgias e cefaleias [1-3].
• Imunoterapia: Fármacos como o tacrolimus e sirolimus interferem na cascata pró-inflamatória e na regulação do ciclo celular. Estão em investigação mas as formas tópicas parecem ser eficazes nos quelóides [1-3].
• Iontoforese com tretinoina nas cicatrizes atróficas de acne:Existem vários tratamentos para as cicatrizes de acne (dermoabrasão, peelings, laser) e estudos recentes mostram resultados promissores com a iontoforese a 3mA com gel de tretinoina 2x/semana durante 20 minutos e por 3 meses. A iontoforese permite maiores concentrações intra-celulares de produto (a corrente aumenta a microcirculação e cria vias de entrada através da indução de poros entre as hélices de queratina e através dos folículos pilosos e ductos das glândulas sebáceas) [10].
4- Cirurgia:
A excisão simples é o tratamento de escolha em cicatrizes hipertróficas de feridas complicadas (ex: infecções) ou com atraso de cicatrização e retracções. A revisão cirúrgica envolve excisão e estreitamento da cicatriz (plastia em Z em cicatrizes perpendiculares a articulações ou a pregas; ou em W para cicatrizes na face). Em algumas situações, como na face, a ferida pós-remoção de cicatriz não consegue ser fechada sem se recorrer a um transplante autólogo de pele.
Nos quelóides a cirurgia simples de excisão total estimula a síntese de mais colagénio provocando recorrência de um quelóide ainda maior. Recorre-se a uma excisão cirúrgica intra-marginal como tratamento de segunda linha em lesões que não respondem a corticóides ou a pressoterapia.
Esta cirurgia deve ser acompanhada de terapia adjuvante devido ao risco de recorrência [1-3].
Conclusões:
As cicatrizes anómalas são um problema importante na Medicina actual.
São entidades complexas e de causa multifactorial nas quais a prevenção é a melhor arma. Existem várias opções terapêuticas disponíveis mas não há consenso acerca do tratamento ideal e a abordagem destas lesões exige, por vezes, a combinação de tratamentos de várias áreas da Medicina.
A Medicina Física e de Reabilitação tem um papel relevante, com recurso a técnicas de cinesioterapia e agentes físicos, na recuperação funcional e estética das zonas corporais afectadas.
Figura 1 - Cicatriz hipertrófica
Figura 2 - Cicatriz hipertrófica
Figura 3 - Quelóide Figura
Figura 5 - Pressão Manual
Figura 7 - Pinçamento
Énio Pestana[1], Fernanda Gabriel[2], Francisco Sampaio[3]
[1] Médico Interno de Medicina Física e de Reabilitação do Centro Hospitalar Lisboa Norte
[2] Assistente Hospitalar de Medicina Física e de Reabilitação do Centro Hospitalar Lisboa Norte
[3] Director do Serviço de Medicina Física e de Reabilitação do Centro Hospitalar Lisboa Norte
Serviço de Medicina Física e de Reabilitação, Hospital de Santa Maria
Centro Hospitalar Lisboa Norte, Lisboa, Portugal
Bibliografia:
1. Wolfram D et al; Hypertrophic scars and keloids – a review of their pathophysiology, risk factors and therapeutic management. Dermatol Surg 2009; 35:171-181.
2. Alster T, Tanzi E; Hypertrophic scars and keloids – etiology and management. Am J Clin Dermatol 2003: 4(4):235-243.
3. Care Necessiy Guidelines 15/4/2007. Care Allies.
4. Marchi-Lipski F, Diviau F; Possibilités de la kinésithérapie dans les cicatrices. Encycl Méd Chir 1998; 26-275-A-10.
5. Dougherty M, Warden G; A thirty-year review of oral appliances used to manage microstomia, 1972 to 2002. Journ Burn Care & Rehab 2003; 24:418-431.
6. Berman B et al; A review of the biologic effects, clinical efficacy and safety of silicone elastomer sheeting for hypertrophic and keloid scar treatment and management. Dermatol Surg 2007; 33:1291-1303.
7. Berman B, Flores F; The treatment of scars and keloids. Europ Journ Dermatol 1998; 8(8):591-596.
8. Bierman W; Ultrasound in the treatment of scars. Archives of Physical Medicine and Rehabilitation. 1954; 35: 209-213.
9. Xhardez, Y; Eletroterapia. Vademécum de kinesioterapia y de reeducación funcional. Buenos Aires, El Ateneo; 2002; 52-58
10. Jolanta B et al; Tritenoin-iontophoresis in atrophic acne scars. Internat Journ Dermatol 1999; 149-153
Os autores apresentam uma revisão da literatura internacional acerca do estado da arte na abordagem preventiva e terapêutica das cicatrizes anómalas, nomeadamente cicatrizes hipertróficas e quelóides. Estas são respostas exageradas do tecido conjuntivo a estímulos nóxicos. Os autores focam em particular as diferentes técnicas disponíveis na Medicina Física e de Reabilitação e a experiência do Serviço no tratamento destas cicatrizes.
Palavras-chave: reabilitação, cinesiterapia, cicatrizes
Abstract:
The authors present a revision of the international literature on the state of the art of the preventive and therapeutical approach of abnormal scars like hyperthrofic scars and keloids. These are exaggerated connective tissue responses to a noxious stimulus. The authors point the different techniques available in Physical Medicine and Rehabilitation and the Department’s experience treating these scars.
Keywords: rehabilitation, kinesiotherapy, scars
..................
Objectivo:
Os autores pretendem rever a clínica e tratamento das cicatrizes cutâneas e qual o contributo da Medicina Física e de Reabilitação na abordagem das mesmas.
Introdução:
As cicatrizes hipertróficas (Figura 1) e os quelóides são respostas anormais a lesões cutâneas que surgem em indivíduos susceptíveis e representam uma resposta exagerada do tecido conjuntivo ao estímulo nóxico (laceração, piercing, tatuagem, inflamação, cirurgia, queimaduras) [1,2].
As cicatrizes hipertróficas surgem pouco tempo após a lesão (semanas) e são geralmente salientes, vermelhas ou rosadas, por vezes pruriginosas mas não ultrapassam os limites da lesão inicial. Os quelóides surgem meses ou anos após a lesão e infiltram o tecido envolvente. As cicatrizes hipertróficas geralmente regridem com o tempo mas os quelóides evoluem com o tempo [1-3].
As cicatrizes atróficas resultam de reacções inflamatórias como a acne, varicela, foliculite [1].
Histologicamente, as cicatrizes hipertróficas apresentam feixes de fibras de colagénio achatadas e orientadas num padrão ondulado predominantemente paralelo à superfície epitelial (Figura 2). Os quelóides não têm feixes organizados de colagénio e as fibras de colagénio estão dispostas de modo desorganizado (Figura 3). A sobre-produção de TGF-ß (transforming growth factor beta) e PDGF (platelet derived growth factor) em ambas as situações sugere a persistência patológica de sinais para resolução da ferida ou falência dos mecanismos de inibição da reparação celular.
O balanço entre proliferação e apoptose de fibroblastos tende para a proliferação nestas lesões.
Em ambas as lesões há produção aumentada de colagénio (maior nos quelóides que nas cicatrizes hipertróficas), ratio aumentado colagénio tipo I/III com maior proliferação fibroblástica e mais colagénio tipo I nos quelóides [1,2].
Materiais e Métodos:
Os autores fizeram uma pesquisa de artigos e estudos de potencial relevo publicados em bases de dados electrónicas (Pubmed, Ovid e B-On) e em formato impresso, entre 1998 e 2011. Os termos procurados foram: “hypertrophic”, “keloid”, “rehabilitation”, “aetiology”, “etiology”, “management” combinados com “scar”. A leitura dos títulos e abstracts identificou os artigos relevantes.
Resultados:
Nos artigos seleccionados como mais relevantes pelos autores acerca da abordagem terapêutica dos quelóides e cicatrizes hipertróficas, o factor mais importante encontrado é a prevenção evitando cirurgias desnecessárias, especialmente em doentes predispostos para formação de quelóides: negros, jovens, grávidas, certas zonas corporais (cicatrizes perpendiculares a articulações e pregas cutâneas) e factores ambientais (feridas infectadas, queimaduras, traumas, suturas sob tensão). As incisões cirúrgicas devem ser encerradas com o mínimo de tensão, e quando possível, evitando zonas susceptíveis [1-3].
Não existe consenso acerca de qual a modalidade terapêutica mais eficaz e muitas vezes recorre-se a associações de tratamentos.
1- Cinesioterapia:
A cinesioterapia possui técnicas que permitem actuar em todos os estádios evolutivos da cicatrização tendo um papel preventivo mas também curativo [4].
- Drenagem Linfática Manual: pretende tratar o edema (que retarda a cicatrização). Ao actuar na microcirculação favorece uma eliminação mais rápida dos detritos e melhora a nutrição celular. Consiste no favorecimento, através de massagem manual, da drenagem linfática fisiológica em direcção aos gânglios linfáticos.
É o único tratamento de cinesioterapia que deve ser instituído nas primeiras 3 semanas (uma massagem normal causaria aumento da permeabilidade dos vasos linfáticos).
- Massagem Manual (após as 3 semanas):
• Vibrações: são manobras sedativas que melhoram a circulação sanguínea e alteram a substância fundamental. Podem ser manuais ou com aparelho (Figura 4).
• Pressões: devem ser acompanhadas de fricção para mobilizar a cicatriz nos planos profundos (Figura 5).
• Estiramentos: combatem a capacidade de retracção das fibras de colagénio (Figura 6).
• Petrissage ou amassamento: modifica a espessura do tecido, melhora a fibrose e suprime as aderências.
• Pinçamento: actua sobre a fibrose (Figura 7).
• Palper-rouler: consiste em rolar o plano superficial da pele sobre o profundo actuando deste modo sobre a fibrose e aderências
- Técnicas associadas:
• Massagem instrumental (vacuoterapia): consiste na aplicação de uma pressão negativa à pele. Esta causa diminuição do edema, estimula a angiogénese e acelera a cicatrização (Figura 8).
• Duches filiformes: aplicação de duches a alta pressão. Melhora o prurido e o aspecto das cicatrizes hipertróficas e retrácteis.
• Pressoterapia: na pressão contínua podem ser usados vários materiais (placas, adesivos, clipes).
Os princípios da compressão não são bem conhecidos mas algumas das teorias são:
->Redução do débito sanguíneo com subsequente diminuição de a2 microgobulina e estimulação da degradação de colagénio pelas colagenases
->Hipóxia (leva a diminuição do metabolismo tecidular com degeneração dos fibroblastos e degradação do colagénio)
->Menores níveis de condroitina-4-sulfato com subsequente aumento da degradação de colagénio
->Diminuição da hidratação da cicatriz (estabiliza os mastócitos e subsequente diminuição de neovascularização e produção de matriz)
A terapia compressiva deve ser iniciada após a reepitelização e os doentes devem usá-la continuamente 8-24h por dia durante os primeiros 6 meses de cicatrização da ferida.
- Ortóteses:
As ortóteses podem ser estáticas (mantêm uma posição articular ao imobilizarem a articulação – Figura 9) ou dinâmicas (estabilizam uma articulação ou permitem exercitar a mesma através de mobilização resistida contra a ortótese).
São usadas como instrumentos de preservação das amplitudes articulares, prevenção da formação de retracções, protecção de estruturas vulneráveis e para contrariar retracções estabelecidas. Isto porque as cicatrizes anómalas podem originar retracções devido às propriedades dinâmicas do tecido cicatricial que envolve uma articulação (nos estádios iniciais de maturação, tem tendência para encurtamento se não for influenciado por uma força) [5].
2- Outros tratamentos médicos
- Crioterapia:
O frio, como o nitrogénio líquido, afecta a microcirculação e causa dano tecidular que conduz a anóxia tecidular. Geralmente utilizam-se 1-3 ciclos de 10-30 segundos que se podem repetir ao fim de um mês.
Os resultados são melhores quando associado a injecção de corticóides intra-lesionais [1,2].
- Penso de silicone tópico:
O mecanismo de acção é desconhecido mas pensa-se que a hidratação conseguida com a terapia oclusiva afecta a secreção de factores de crescimento pelos queratinócitos locais influenciando assim a regulação dos fibroblastos. Além disso a hidratação diminui a permeabilidade capilar, os mediadores inflamatórios e mitogénicos e a síntese de colagénio. As camadas de silicone devem ser aplicadas assim que a reepitelização termina e usadas pelo menos 12h por dia durante 2-4 meses [1,2,6].
- Radiação:
O recurso a raios X como terapia adjuvante (ex: após excisão cirúrgica de quelóides) afecta a proliferação de fibroblastos (induz apoptose e inibe a angiogénese). A dose varia entre 15 e 20 Gy fraccionados ao longo de 5 ou 6 tratamentos. Os efeitos adversos mais comuns são hiperpigmentação e o risco de malignidade induzida pela radiação [1-3].
- Laserterapia:
O laser pulsado com comprimento de onda de 585 – 595 nm é usado no tratamento de cicatrizes hipertróficas e quelóides. A cicatriz é exposta a feixe com pulso de 0,45 ms e fluência de 6,5 a 7,25 J/cm2. A fototermólise provoca degradação do colagénio e apoptose dos fibroblastos com subsequente redução da espessura da cicatriz, eritema, prurido e dor [1-3, 7].
- Ultrassons:
Os ultrassons são vibrações mecânicas de alta frequência (0,5 a 3 MHz) que aumentam a temperatura tecidular reduzindo assim a viscosidade das fibras de colagénio e aumentando a sua elasticidade.
Tem sido usado nas retracções articulares e nas cicatrizes e demonstra eficácia com potências de 1 a 3 W/cm2 durante 5-8’. Aumenta a mobilidade de cicatrizes maduras. Liberta o tecido cicatricial através de pré-aquecimento, antes ou durante manobras de estiramento e massagem da cicatriz, o que reduz a possibilidade de lesão durante a sua execução [8].
- Iontoforese com iodeto de cálcio a 1% no pólo negativo e iodeto de potássio a 1% no pólo positivo. A iontoforese tem efeito esclerolítico em cicatrizes, quelóides e aderências [9].
3- Tratamentos farmacológicos:
- Corticosteróides:
Os corticoides intra-lesionais são o gold standard na prevenção e tratamento de cicatrizes hipertróficas e quelóides, isolados ou em associação a outros tratamentos. Eles suavizam e aplanam os quelóides mas não conseguem estreitar cicatrizes hipertróficas ou eliminar quelóides. O mecanismo de acção envolve a diminuição de proliferação fibroblástica, de síntese de colagénio, glicosaminoglicanos e mediadores pró-inflamatórios. As injecções devem ser aplicadas o mais precocemente possível numa cicatriz em evolução. O fármaco mais usado é o acetonido de triancinolona (AT) na dose de 5 a 10 mg/ml na derme superior a cada 3-6 semanas. A administração é continuada até a cicatriz estabilizar ou surgirem efeitos adversos (hipopigmentação, atrofia tecidular ou telangiectasia). Quando há quelóides pré-existentes inicia-se o tratamento com injecções trimestrais de AT na dose de 40 mg/ml misturada com igual quantidade de lidocaina a 2% [1-3].
- Outros tratamentos farmacológicos:
• 5-Fluorouracilo: injecções intra-lesionais que visam reduzir a proliferação fibroblástica. Demonstrou eficácia nas cicatrizes hipertróficas mas resultados contraditórios nos quelóides. Tem alguns efeitos adversos (injecção dolorosa e desenvolvimento de púrpura e úlceras) que reduzem quando associado aos corticoides. Além disso esta combinação dá resultados mais rápidos [1-3].
• Creme de imiquimod 5%: A aplicação tópica estimula a síntese de interferão a que degrada o colagénio ao estimular a colagenase. Altera também a expressão de genes associados à apoptose pelo que parece reduzir a taxa de recorrência pós-excisão cirúrgica de quelóides. Ainda encontra-se em investigação [1-3].
• Interferão: Degrada o colagénio e inibe a fibrose mas tem efeitos adversos como febre, arrepios, suores nocturnos, fadiga, mialgias e cefaleias [1-3].
• Imunoterapia: Fármacos como o tacrolimus e sirolimus interferem na cascata pró-inflamatória e na regulação do ciclo celular. Estão em investigação mas as formas tópicas parecem ser eficazes nos quelóides [1-3].
• Iontoforese com tretinoina nas cicatrizes atróficas de acne:Existem vários tratamentos para as cicatrizes de acne (dermoabrasão, peelings, laser) e estudos recentes mostram resultados promissores com a iontoforese a 3mA com gel de tretinoina 2x/semana durante 20 minutos e por 3 meses. A iontoforese permite maiores concentrações intra-celulares de produto (a corrente aumenta a microcirculação e cria vias de entrada através da indução de poros entre as hélices de queratina e através dos folículos pilosos e ductos das glândulas sebáceas) [10].
4- Cirurgia:
A excisão simples é o tratamento de escolha em cicatrizes hipertróficas de feridas complicadas (ex: infecções) ou com atraso de cicatrização e retracções. A revisão cirúrgica envolve excisão e estreitamento da cicatriz (plastia em Z em cicatrizes perpendiculares a articulações ou a pregas; ou em W para cicatrizes na face). Em algumas situações, como na face, a ferida pós-remoção de cicatriz não consegue ser fechada sem se recorrer a um transplante autólogo de pele.
Nos quelóides a cirurgia simples de excisão total estimula a síntese de mais colagénio provocando recorrência de um quelóide ainda maior. Recorre-se a uma excisão cirúrgica intra-marginal como tratamento de segunda linha em lesões que não respondem a corticóides ou a pressoterapia.
Esta cirurgia deve ser acompanhada de terapia adjuvante devido ao risco de recorrência [1-3].
Conclusões:
As cicatrizes anómalas são um problema importante na Medicina actual.
São entidades complexas e de causa multifactorial nas quais a prevenção é a melhor arma. Existem várias opções terapêuticas disponíveis mas não há consenso acerca do tratamento ideal e a abordagem destas lesões exige, por vezes, a combinação de tratamentos de várias áreas da Medicina.
A Medicina Física e de Reabilitação tem um papel relevante, com recurso a técnicas de cinesioterapia e agentes físicos, na recuperação funcional e estética das zonas corporais afectadas.
Figura 1 - Cicatriz hipertrófica
Figura 2 - Cicatriz hipertrófica
Figura 3 - Quelóide Figura
Figura 5 - Pressão Manual
Figura 7 - Pinçamento
Énio Pestana[1], Fernanda Gabriel[2], Francisco Sampaio[3]
[1] Médico Interno de Medicina Física e de Reabilitação do Centro Hospitalar Lisboa Norte
[2] Assistente Hospitalar de Medicina Física e de Reabilitação do Centro Hospitalar Lisboa Norte
[3] Director do Serviço de Medicina Física e de Reabilitação do Centro Hospitalar Lisboa Norte
Serviço de Medicina Física e de Reabilitação, Hospital de Santa Maria
Centro Hospitalar Lisboa Norte, Lisboa, Portugal
Bibliografia:
1. Wolfram D et al; Hypertrophic scars and keloids – a review of their pathophysiology, risk factors and therapeutic management. Dermatol Surg 2009; 35:171-181.
2. Alster T, Tanzi E; Hypertrophic scars and keloids – etiology and management. Am J Clin Dermatol 2003: 4(4):235-243.
3. Care Necessiy Guidelines 15/4/2007. Care Allies.
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