Espaço Ciência
In-ves-ti-gar epi-de-mio-lo-gia
Sinopse: O autor procura as raizes da acção de investigar para delinear percursos e aplicar ao campo da epidemiologia, na perspectiva aplicada e do profissional de saúde. São usadas citações para aumentar a capacidade dialética do discurso.
PARTIDAS
É curioso como a palavra investigar tanto serve para resolver crimes, introspecções meditativas, criações artísticas, inquisições jornalistícas ou aplicações do método científico. Investigar, ‘procurar vestígios’, empenhar-se em descobrir, seja a ‘verdade’ (exterior, interior), a uma linguagem, uma representação social ou o conhecimento, creio que responde a um apelo: a insatisfação.
Esse apelo pode até ter configurações sociais, mas na investigação, ele tem raízes profundamente pessoais. Talvez decorra da consciência de que as regras e o conhecimento com que nos regemos estão em constante mudança, ‘com base na evidência’, numa dinâmica que desejamos participar; talvez tenha origem em perguntas, inquetações, hipóteses pessoais, nos ‘talvez’, e ‘e porque não’ ou em observações pessoais de situações que sentimos, de várias formas, mal explicadas; talvez na consciência de que o nosso papel no mundo pode incluir deixá-lo um pouco melhor do que o encontrámos.
Se começo este texto com uma abordagem existêncialista, é porque creio que a melhor razão para se percorrer e navegar nas marés e correntes da investigação, inclusivé aprendê-la, é reconhecer esse apelo. Como processo criativo, incerto, pouco institucionalizado, pouco valorizado e bastante solitário (mesmo trabalhando em equipa), a investigação tem tudo para ser um exercício exigente e desencorajante, não fosse uma viagem fascinante.
PERCURSOS
Existem, em geral, dois percursos para esta viagem. Não são mutuamente exclusivos. Aliás, avistam-se e entrecruzam-se frequentemente e constroem perspectivas próprias sobre os mesmos objectos, à sua maneira.
O primeiro percurso diz respeito ao conteúdo. Ao dominar os modelos conceptuais de uma determinada área, e compreender a evolução desses mesmos modelos, começamos a nos interessarmos de que forma esses modelos são desenvolvidos, a notar as suas discrepâncias e incoerências, bem como a levantar hipóteses alternativas.
O segundo percurso diz respeito aos métodos. Seja numa perspectiva mais epistemológica (como é que sabemos o que julgamos saber?), quer mais prática (por exemplo, para desenvolver um pequeno projecto: o que podemos saber com a informação que temos?), começamos a querer compreender os processos de construção do conhecimento científico. Percebemos as oportunidades, as limitações, as vulnerabilidades e potencialidades dos vários métodos de investigação, aplicados a uma situação mais ou menos concreta. Percebemos também que, tal como ingredientes culinários, eles podem combinar-se para novas receitas, desde que se compreendam as suas propriedades e ‘mecânicas intrinsecas’.
Para se construír conhecimento, estes percursos não apenas cruzam-se, como inclusivé derivam um no outro. Possivelmente, muitas das discrepâncias e limitações explicativas de um dado fenómeno podem ser atribuídas a diferentes métodos usados no seu estudo. Explorar e testar hipóteses leva também a debruçarmo-nos nas vertentes metodológicas da investigação. Por outro lado, a mecânica intrínseca e as propriedades dos métodos necessitam de um campo de acção, de um contexto. Fórmulas matemáticas e desenhos de estudo, por si só, são como uni-dimencionais: sem um campo de acção, não possuem o relevo que nos permite sentir e compreender a riqueza da sua aplicação.
Métodos e conteúdos são como pernas de um mesmo corpo: só movendo uma perna não se irá muito longe. Reconhece-se que este corpo inclui outras partes que podem ser percursos por si só: a ética, a gestão, a comunicação, a política, a educação (a lista poderia extender-se). Estas partes enriquecem o percurso, tornam a viagem verdadeiramente fascinante.
ROTEIROS
A epidemiologia oferece uma linguagem para a construção do conhecimento aplicado à saúde humana. Não é única, pelo que se une à biologia, a sociologia, e todas as áreas do conhecimento da saúde que saiem fora dos métodos epidemiológicos (por exemplo, a política de saúde). Todavia dialoga e constroi com as restantes, na sua missão de descrever e compreender os fenómenos de saúde e na aplicação desse conhecimento ao controlo dos problemas de saúde.
Neste sentido, a epidemiologia forma um corpo de instrumentos e processos de representação do conhecimento da saúde, que permite a análise crítica, a construção de conhecimento e o apoio à tomada de decisão [individual, abstracta (por exemplo, normas de orientação clínica), populacional, política]. Na batalha pelo conhecimento, a epidemiologia trata da arte de combater. Não se basta a si própria, mas coloca-se e cresce ao serviço das áreas da saúde humana e estabelece pontes para áreas afins (economia, gestão, ecologia, sociologia, etc.).
GUIAS
De retorno à analogia das viagens, ao ‘acto de se deslocar’, existem gradientes na qualidade dessa vivência: podemos estar de passagem, escolher um itenerário mais ou menos breve, usufruir de um guia, beneficiar de um amigo que vive nesse local, ou mesmo vivermos lá temporáriamente. A possibilidade de compreendermos essas outras realidades depende dessa qualidade.
A formação é um espaço de guia, preparação, acompanhamento e exercício desta viagem. O Programa de Formação Pós-Graduada em Epidemiologia (http://edu.uepid.org), cuja coluna vertebral é o Programa de Mestrado em Epidemiologia, procura-se que seja, exactamente, um espaço de aprendizagem, exercício e integração na prática da epidemiologia, com vista à competência crítica, autónoma, em equipa e em rede, e contextualizada a uma comunidade de investigação, seja qual for a área de exercício dessa mesma investigação.
A porta está aberta. Venha conhecer-nos.
PARTIDAS
É curioso como a palavra investigar tanto serve para resolver crimes, introspecções meditativas, criações artísticas, inquisições jornalistícas ou aplicações do método científico. Investigar, ‘procurar vestígios’, empenhar-se em descobrir, seja a ‘verdade’ (exterior, interior), a uma linguagem, uma representação social ou o conhecimento, creio que responde a um apelo: a insatisfação.
Esse apelo pode até ter configurações sociais, mas na investigação, ele tem raízes profundamente pessoais. Talvez decorra da consciência de que as regras e o conhecimento com que nos regemos estão em constante mudança, ‘com base na evidência’, numa dinâmica que desejamos participar; talvez tenha origem em perguntas, inquetações, hipóteses pessoais, nos ‘talvez’, e ‘e porque não’ ou em observações pessoais de situações que sentimos, de várias formas, mal explicadas; talvez na consciência de que o nosso papel no mundo pode incluir deixá-lo um pouco melhor do que o encontrámos.
Se começo este texto com uma abordagem existêncialista, é porque creio que a melhor razão para se percorrer e navegar nas marés e correntes da investigação, inclusivé aprendê-la, é reconhecer esse apelo. Como processo criativo, incerto, pouco institucionalizado, pouco valorizado e bastante solitário (mesmo trabalhando em equipa), a investigação tem tudo para ser um exercício exigente e desencorajante, não fosse uma viagem fascinante.
PERCURSOS
Existem, em geral, dois percursos para esta viagem. Não são mutuamente exclusivos. Aliás, avistam-se e entrecruzam-se frequentemente e constroem perspectivas próprias sobre os mesmos objectos, à sua maneira.
O primeiro percurso diz respeito ao conteúdo. Ao dominar os modelos conceptuais de uma determinada área, e compreender a evolução desses mesmos modelos, começamos a nos interessarmos de que forma esses modelos são desenvolvidos, a notar as suas discrepâncias e incoerências, bem como a levantar hipóteses alternativas.
O segundo percurso diz respeito aos métodos. Seja numa perspectiva mais epistemológica (como é que sabemos o que julgamos saber?), quer mais prática (por exemplo, para desenvolver um pequeno projecto: o que podemos saber com a informação que temos?), começamos a querer compreender os processos de construção do conhecimento científico. Percebemos as oportunidades, as limitações, as vulnerabilidades e potencialidades dos vários métodos de investigação, aplicados a uma situação mais ou menos concreta. Percebemos também que, tal como ingredientes culinários, eles podem combinar-se para novas receitas, desde que se compreendam as suas propriedades e ‘mecânicas intrinsecas’.
Para se construír conhecimento, estes percursos não apenas cruzam-se, como inclusivé derivam um no outro. Possivelmente, muitas das discrepâncias e limitações explicativas de um dado fenómeno podem ser atribuídas a diferentes métodos usados no seu estudo. Explorar e testar hipóteses leva também a debruçarmo-nos nas vertentes metodológicas da investigação. Por outro lado, a mecânica intrínseca e as propriedades dos métodos necessitam de um campo de acção, de um contexto. Fórmulas matemáticas e desenhos de estudo, por si só, são como uni-dimencionais: sem um campo de acção, não possuem o relevo que nos permite sentir e compreender a riqueza da sua aplicação.
Métodos e conteúdos são como pernas de um mesmo corpo: só movendo uma perna não se irá muito longe. Reconhece-se que este corpo inclui outras partes que podem ser percursos por si só: a ética, a gestão, a comunicação, a política, a educação (a lista poderia extender-se). Estas partes enriquecem o percurso, tornam a viagem verdadeiramente fascinante.
ROTEIROS
A epidemiologia oferece uma linguagem para a construção do conhecimento aplicado à saúde humana. Não é única, pelo que se une à biologia, a sociologia, e todas as áreas do conhecimento da saúde que saiem fora dos métodos epidemiológicos (por exemplo, a política de saúde). Todavia dialoga e constroi com as restantes, na sua missão de descrever e compreender os fenómenos de saúde e na aplicação desse conhecimento ao controlo dos problemas de saúde.
Neste sentido, a epidemiologia forma um corpo de instrumentos e processos de representação do conhecimento da saúde, que permite a análise crítica, a construção de conhecimento e o apoio à tomada de decisão [individual, abstracta (por exemplo, normas de orientação clínica), populacional, política]. Na batalha pelo conhecimento, a epidemiologia trata da arte de combater. Não se basta a si própria, mas coloca-se e cresce ao serviço das áreas da saúde humana e estabelece pontes para áreas afins (economia, gestão, ecologia, sociologia, etc.).
GUIAS
De retorno à analogia das viagens, ao ‘acto de se deslocar’, existem gradientes na qualidade dessa vivência: podemos estar de passagem, escolher um itenerário mais ou menos breve, usufruir de um guia, beneficiar de um amigo que vive nesse local, ou mesmo vivermos lá temporáriamente. A possibilidade de compreendermos essas outras realidades depende dessa qualidade.
A formação é um espaço de guia, preparação, acompanhamento e exercício desta viagem. O Programa de Formação Pós-Graduada em Epidemiologia (http://edu.uepid.org), cuja coluna vertebral é o Programa de Mestrado em Epidemiologia, procura-se que seja, exactamente, um espaço de aprendizagem, exercício e integração na prática da epidemiologia, com vista à competência crítica, autónoma, em equipa e em rede, e contextualizada a uma comunidade de investigação, seja qual for a área de exercício dessa mesma investigação.
A porta está aberta. Venha conhecer-nos.
Paulo Jorge Nicola
Assistente Convidado
Instituto de Medicina Preventiva
pnicola@fm.ul.pt