Espaço Ciência
Medicamentos e Saúde Pública
Medicamento: um bem individual e colectivo
O desenvolvimento tecnológico da Medicina verificado nas últimas décadas criou nos doentes e na população em geral, expectativas de novas intervenções diagnósticas e terapêuticas.
Os medicamentos contam-se entre as tecnologias de saúde com um perfil de custo-efectividade mais favorável, representando nos países desenvolvidos cerca de 1/4 do total das despesas com a saúde.
A utilização crescente de novos medicamentos, cada vez mais eficazes mas também mais dispendiosos, por populações de doentes progressivamente mais idosos, com patologias múltiplas e polimedicados, levanta problemas complexos, com implicações na segurança, na acessibilidade e na sustentabilidade dos sistemas de saúde.
Os medicamentos constituem, assim, importantes determinantes do estado de saúde ou doença das populações, com impacto indiscutível na Saúde Pública.
Os profissionais de saúde desempenham um papel fundamental no processo terapêutico, garantindo aos doentes o acesso aos medicamentos necessários, nas melhores condições de utilização e em tempo oportuno [1].
O processo de decisão terapêutica deverá basear-se em informação actualizada e fiável, resultante dos ensaios clínicos indispensáveis para a demonstração de eficácia, mas também de estudos epidemiológicos, delineados e executados com o objectivo de confirmar a efectividade dos medicamentos.
Contributos da Farmacoepidemiologia
A Farmacoepidemiologia consiste no estudo da utilização e dos efeitos dos medicamentos em populações humanas e envolve conhecimentos derivados essencialmente da epidemiologia e da farmacologia clínica.
A utilização de métodos farmacoepidemiológicos válidos e adequados é fundamental para a avaliação da segurança e da efectividade dos medicamentos e para a caracterização do seu uso.
Conceitos como: risco-benefício, gestão do risco, terapêutica individualizada, efectividade comparada, custo-efectividade e ganhos em saúde, têm adquirido uma relevância considerável nos últimos anos [2-4]. Para além da mudança de paradigma nos requisitos de investigação e desenvolvimento de novos medicamentos[5], assiste-se actualmente a uma pressão considerável por parte dos doentes e da sociedade em geral, no sentido de exigir mais garantias de segurança, sem com isso comprometer a acessibilidade.
A evolução recente dos conhecimentos na área da Farmacoepidemiologia, com desenvolvimento de novas metodologias relevantes para a avaliação da segurança e efectividade dos medicamentos, a produção de informação de apoio a uma prescrição de qualidade e, ainda, o suporte à tomada de decisão por parte de decisores políticos e entidades reguladoras, justificam a actualização permanente de conhecimentos e o desenvolvimento de investigação nesta área [6,7].
Criar competências e produzir conhecimento
Ciente da importância desta disciplina académica na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, o Instituto de Medicina Preventiva tem vindo a desenvolver nos últimos anos um conjunto de iniciativas com vista a promover o conhecimento científico e contribuir para a formação dos profissionais de saúde.
No que respeita à formação, e para além de outras iniciativas a nível pré-graduado, foram realizadas três edições do Curso Pós-graduado de Farmacoepidemiologia, respectivamente em 2001, 2004 e 2008, estando programada nova edição para 2012. Trata-se de uma iniciativa do IMP com a colaboração da Universidade Autónoma de Barcelona e da Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde (INFARMED – I.P.)
Na área da investigação, encontram-se actualmente em curso alguns projectos relacionados com a Adesão à Terapêutica Anti-retrovírica em indivíduos seropositivos para o VIH, integrando um projecto de Mestrado de uma licenciada em Ciências Farmacêuticas e envolvendo, igualmente, alguns alunos da FML.
Do mesmo modo, encontra-se nas fases iniciais de desenvolvimento o projecto de Doutoramento de um Licenciado em Ciências Farmacêuticas intitulado Safety of Tumor Necrosis Factor alpha inhibitors: Infectious diseases and oncogenesis. Do trabalho relacionado com este projecto resultou já a produção de um artigo científico [8].
Foram, igualmente, submetidos a financiamento dois projectos na área da prescrição e utilização de medicamentos: Desenvolvimento e Validação de Indicadores de Qualidade da Prescrição em Portugal e Mudança de Medicação na Interface entre os Cuidados de Saúde Primários e os Cuidados Hospitalares: frequência, determinantes e implicações na segurança e adesão à terapêutica crónica cardiovascular. Trata-se de estudos colaborativos que irão envolver unidades de prestação de cuidados primários e cuidados hospitalares a nível nacional.
Através destas iniciativas, o IMP visa promover o desenvolvimento dos conhecimentos derivados da Farmacoepidemiologia, aplicando-os à formação, à investigação e à prestação de cuidados e, assim, contribuir para uma utilização mais racional, mais segura e mais custo-efectiva dos medicamentos.
Vasco A. J. Maria (Prof. Doutor)
Coordenador da Unidade de Farmacoepidemiologia
Professor Regente da disciplina de Medicina Geral e Familiar
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Referências bibliográficas:
1 - Caldeira L, Remísio E, António A, Aguiar P, Fonseca A, Vaz F, Maria V. Prescrição de antibióticos para infecções do tracto respiratório em Portugal continental. Rev Port Clin Geral 2004; 20: 417-48.
2 - The central role of pharmacoepidemiology in comparative effectiveness research education: critical next steps. Pharmacoepidemiol Drug Saf 2011 May 25. doi: 10.1002/pds.2122. [Epub ahead of print].
3 - Järvinen TL, Sievänen H, Kannus P, Jokihaara J, Khan KM. The true cost of pharmacological disease prevention. BMJ 2011;342:d2175 doi: 10.1136/bmj.d2175.
4 - Faden RR, Chalkidou K. Determining the Value of Drugs — The Evolving British Experience. N Engl J Med 364;14 nejm.org april 7, 2011.
5 - Silva-Lima B, Carlson B, Jones DR, Laurie D, Stahal E, Maria V, Janssens W, Robinson WT. The European and American use of exploratory approaches for first-in-human studies. Clin Transl Sci 2010; 3: 38-41.
6 - Maria VA. Qualidade da prescrição médica: necessidade de mais e melhor investigação. Qual Saúde 2005; 13:10-5.
7 - Maria VA. Recomendações e protocolos de actuação terapêutica: relevância para a qualidade da prescrição (editorial). Acta Reum Port 2007; 32: 11-12.
8 - Pinheiro LC, Maria VA. Adverse drug reactions to immunosuppressants reported in Portugal from 1996 to 2010. Pharmacoepidemiol Drug Saf 2011 (submetido para publicação).
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