Espaço Ciência
Avaliação de Impacte em Saúde em Tempos de Crise
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No impacte da crise económica sobre a saúde das populações são claras as consequências, directas ou indirectas, de políticas da área da saúde e sobretudo de outros sectores. Aplicar Avaliação de Impacte em Saúde torna-se urgente para monitorizar, prever e corrigir efeitos potencialmente graves para a saúde da população em geral e de grupos de risco em particular.
Em 2009 a Dra. Margaret Chan, Directora Geral da OMS, declarava que “a crise variaria de país para país, mas havia um consenso crescente sobre o que deveria ser feito”: “assegurar informação de qualidade em tempo real” para guiar a tomada de decisão, “identificar os grupos de maior risco, assegurar que programas de suporte social atingem os mais necessitados, identificar eficiências na despesa quando possível, reconhecer que crises oferecem frequentemente oportunidades para reformas, manter a despesa na prevenção e, onde a ajuda externa for necessária, assegurar que é o mais efectiva / eficaz e eficente possível”[1].
No entanto, ao lermos o chamado “Memorando da Troika” a implementar de 2011 a 2013 pelo novo governo e os PEC’s 1, 2 e 3, já implementados pelo anterior executivo, torna-se difícil encontrar algumas destas prioridades, sobretudo de ordem social e prevenção. Sem dúvida a gravidade da situação do país justifica tomar medidas de “choque”. Todavia, a aparente total desumanização do processo esquece que são as pessoas que fazem a mudança. Ora a economia é uma ciência social e o factor humano não pode ser ignorado.
Por exemplo, só a redução dramática de poder de compra da generalidade da população pode ter graves impactes sobre os níveis de saúde e bem-estar (Caixa1). Grupos frágeis (idosos, desempregados) serão ainda mais afectados, caso não sejam paralelamente tomadas medidas preventivas, com base em avaliação de impacte sobre saúde (Caixa2).
Adicionalmente, a avaliação de impacte em saúde inclui avaliar impactes de políticas de outros sectores na saúde, mas também de políticas de saúde noutros sectores. Efeitos negativos sobre a saúde das populações geram efeitos nefastos sobre a economia: custos directos como o aumento da despesa em saúde, mas também indirectos como o decréscimo de produtividade.
Donde a importância da Saúde em Todas as Políticas (HIP-Health in all Policies), mais uma vez recentemente defendida na Carta de Adelaide que preconiza um novo papel do sector da saúde: tornar-se um parceiro transversal aos restantes sectores na construção de políticas que contribuam para o desenvolvimento humano, a sustentabilidade e a equidade[7]. Ver-se-á se a crise representa efectivamente uma oportunidade para reformas.
CAIXA 1
Algumas medidas de sectores não-saúde com efeitos potencialmente negativos sobre saúde:
*Redução de pensões acima de 1,500€ (poupanças mínimas: 445 milhões€)
*Suspensão de regras de indexação e congelamento de pensões, excepto mais reduzidas, em 2012
*Reforma das prestações de desemprego (poupanças médio prazo: 150 milhões €)
*Redução dos benefícios/deduções fiscais em IRS ( receita mínima: 150 milhões€ em 2012): limites máximos para deduções menores ou nulos para escalões de rendimento mais elevado; limite máximo de dedução para despesas de saúde; eliminação de deduções dos encargos de dívidas na aquisição de imóveis.
*Aumento de receitas de IVA e de impostos especiais sobre consumo (veículos, tabaco, electricidade)
*Funcionários públicos: Congelamento de salários nominais 2012-2013.CAIXA 2
Identificam-se ferramentas e metodologias de avaliação em saúde em quatro áreas complementares[2]:
Avaliação de impacte na saúde (Health Impact Assessment): permite medir, prever e monitorizar impactes sobre a saúde de determinadas populações (e a sua distribuição) de qualquer projecto/política em qualquer sector de actividade[3], com vista a ajudar processo de tomada de decisão, analisando implicações do projecto ou política sobre a saúde e propondo medidas que minimizem impactes negativos e maximizem positivos.
Avaliação de impacte na saúde focando a equidade (Equity Focused Health Impact Assessment): centra-se, mais ainda que a AIS, na identificação de eventuais desigualdades geradas nas populações abrangidas pelo projecto/política e na procura de soluções promotoras de equidade[4].
Avaliação de impacte nos sistemas de saúde (Health Systems Impact Assessment): aplicada sobretudo num contexto de avaliação integrada de impacte de políticas sobre sistemas de saúde, incorporando impactes económicos, sociais e ambientais[5].
Avaliação de impacte da saúde noutras áreas: insere-se essencialmente num contexto de economia da saúde na análise dos efeitos do investimento em saúde sobre a economia, o desenvolvimento e o bem-estar de uma sociedade. Investir em saúde tem efeitos directos e indirectos, via os sistemas de saúde, no produto interno bruto de um país, afectando a competitividade da economia no seu todo, por exemplo, pelos efeitos nos custos laborais, na flexibilidade do mercado de trabalho e na alocação de recursos a nível macroeconómico[6]. Esta é uma área especialmente importante no envolvimento de sectores não-saúde na aposta em AIS, pois quantifica potencial retorno noutros campos de investimentos em saúde .
Leonor B. Nicolau
Docente do Instituto de Medicina Preventiva
Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa
leonor.bnicolau@netcabo.pt
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Referências:
1. Chan, M. Impact of financial crisis on health: a truly global solution is needed - Statement by WHO Director-General, Dr Margaret Chan;1 April 2009
2. Bacelar-Nicolau, L.B., “Estudos de Impacte sobre a Saúde: Quantificar e Modelizar uma Realidade Multivariada”, Tese de Doutoramento -co-tutela FM-UL, Portugal/Conservatoire National des Arts et Métiers, França; 2008 (em curso)
3. Heitor MJ, Pereira Miguel J. Avaliação do Impacte de políticas de diferentes sectores na saúde e nos sistemas de saúde: um ponto de situação. Revista Portuguesa de Saúde Pública; 2009 January 1;27(1):5-17.
4. Simpson S, Mahoney M, Harris E, Aldrich R, Stewart-Williams J. Equity-focused health impact assessment: A tool to assist policy makers in addressing health inequalities. Environmental Impact Assessment Review; 2005 October;25(7-8):772-82.
5. Deltour, A., Hedin, A., Koho, A., van Elk, B., Lathinen, E., Liaudanskiené, R., and Pereira Miguel, J. Working Group on Health Impact Assessment and Health Systems: Towards Health Systems Impact Assessment. High Level Group on Health Services and Medical Care;2004.
6. Suhrcke M, Mckee M, Sauto-Arce R, Tsolova S, Mortensen J. The contribution of health to the economy in the European Union. Health&Consumer Protection Directorate-General - European Commission - European Communities;2005.
7. Adelaide statement on health in all policies: moving towards a shared governance for health and well-being. World Health Organization. Health in All Policies, Adelaide 2010, Adelaide, South Australia,13–15 April.
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