Espaço Ciência
Relação entre depressão e demência: estudos clínicos e de comportamento animal
As demências são um conjunto de doenças definidas pela perturbação da memória e de, pelo menos, uma outra função cognitiva, que são adquiridas, e que se repercutem negativamente nas capacidades ocupacionais e sociais, não ocorrendo exclusivamento no curso de delirium(Americam Psychiatric Association, 1994). São dos maiores problemas médicos da actualidade, já que são doenças graves e, na sua maioria, progressivas e incuráveis. São doenças cuja frequência aumenta com a idade e, com o envelhecimento da população, será muito provável o aumento do seu número (Malgrem, 2000).
De entre os vários factores de risco identificados para as demências, a depressão tem sido implicada de forma controversa, com muitos estudos de várias metodologias a gerarem resultados diferentes ou mesmo contraditórios (Jorm, 2001; Brodaty, 2003; Ownby, 2006). Esta variabilidade parece depender de, pelo menos, cinco factores fundamentais: (1) a falta de rigor no diagnóstico de depresssão, (2) o curto espaço de tempo que medeia os dois diagnósticos (que, desta forma, não permite responder à questão se a depressão é um pródromo precoce ou um factor de risco para a demência), (3) a ausência de identificação de diferentes subtipos de depressão, (4) a ausência de identificação das várias demências e (5) a erosão nos estudos longitudinais.
O esclarecimento desta relação permite obter o racional para se desenharem estudos que implicassem estratégias preventivas (p.ex. tratamento da depressão) para a demência. Tendo em conta que são doenças incuráveis, na sua grande maioria, a prevenção é a única estratégia actualmente existente.
Em particular, os diferentes tipos de depressão parecem ter diferentes tipos de evolução para demência, o que, a confirmar-se, pode, secundariamente, fornecer dados para a validação da existência destes tipos.
Foi possível acompanhar um coorte inical de mais de 300 doentes, criado nos anos 70 e 80 por Paes de Sousa e colegas, eminentes fenomenologistas, com o diagnóstico bem caracterizado de depressão (avaliados por escalas psicopatológicas que distinguem cada sintoma e, portanto, permitem a identificação dos vários tipos de depressão). Este coorte foi comparado com um grupo de não deprimidos identificados retrospectivamente, no que toca à evolução para demência.
Os resultados apontam para que os doentes com depressão evoluam para demência de forma mais rápida e em maior número, embora o quadro pareça apresentar algumas diferenças clínicas e neuropsicológicas em relação às diferentes demências.
Curiosamente, a própria personalidade dos doentes deprimidos (alto neuroticismo, baixa extroversão) parece também contribuir para esta evolução.
Os mecanismos destas relações não estão totalmente caracterizados, embora a maior parte da evidência prévia implique o stress e o eixo hipotálamo-hipófise-suprarrenal. De facto, que o stress quer alguns tipos de depressão parecem estar associados a alguma forma de hipercortisolismo, e o cortisol é particularmente lesivo para os neurónios do hipocampo. Estão em análise vários parâmetros relacionados com o hipercortisolismo (cortisol salivar basal, teste de supressão pela dexametasona, etc) em colaboração com a Mood Disorders Unit do Institut of Psychiatry, em Londres.
Por outro lado, e independemente do mecanismo, é importante saber-se se a cura da depressão diminui o risco para demência ou para a deterioração cognitiva. Os antidepressivos são um dos principais tratamentos disponíveis para a depressão, mas estudos prospectivos relacionados com a evolução para demência após o tratamento com antidepressivos são de difícil realização. Os estudos de comportamento animal, em particular a separação maternal, permitem realizar experimentação controlando uma maior número de variáveis e usando fármacos, que não seria ética em humanos. Os ratos recém-nascidos têm sido sujeitos a um protocolo que reconhecidamente gera um fenotipo depressivo (a separação maternal), que se confirma num teste clássico de desespero aprendido (o Forced Swiming Test (FST) – em que contabiliza o tempo que o animal demora a desistir de tentar sair de uma tina com água e se limita a flutuar, permanecendo imóvel). A administração dos AD faz-se preferencialmente por via oral (misturados na comida), após o que se pode realizar o FST e outros testes de comportamentos ansiosos (como o Open Field Test, em que se avalia o tempo que o animal passa na parte descoberta da plataforma verus o tempo que passa na parte escondida). Realizam-se testes de avaliação de memória espacial e aprendizagem, como o Morris Water Maze (MWM). Neste teste contabiliza-se o tempo que os ratos demoram a encontrar uma plataforma submersa e não visível à superfície numa piscina durante 4 ou 5 dias (o que permite desenhar uma curva de aprendizagem). No 5º dia remove-se a plataforma e contabiliza-se o tempo que rato passa à procura da mesma próximo do qual onde ela estava (o que se considera uma avaliação da memória).
Agradecimentos:
Em particular aos orientadores, Srs. Profs. Doutores Maria Luísa Figueira e J. Alexandre Ribeiro, mas também à Sra. D. Ilda Paes de Sousa e ao Sr. Prof. Doutor Alexandre de Mendonça, e a toda a equipa do Grupo de Estudos de Demência e do Instituto de Farmacologia e Neurociências.
Frederico Couto
fcouto@fm.ul.pt
De entre os vários factores de risco identificados para as demências, a depressão tem sido implicada de forma controversa, com muitos estudos de várias metodologias a gerarem resultados diferentes ou mesmo contraditórios (Jorm, 2001; Brodaty, 2003; Ownby, 2006). Esta variabilidade parece depender de, pelo menos, cinco factores fundamentais: (1) a falta de rigor no diagnóstico de depresssão, (2) o curto espaço de tempo que medeia os dois diagnósticos (que, desta forma, não permite responder à questão se a depressão é um pródromo precoce ou um factor de risco para a demência), (3) a ausência de identificação de diferentes subtipos de depressão, (4) a ausência de identificação das várias demências e (5) a erosão nos estudos longitudinais.
O esclarecimento desta relação permite obter o racional para se desenharem estudos que implicassem estratégias preventivas (p.ex. tratamento da depressão) para a demência. Tendo em conta que são doenças incuráveis, na sua grande maioria, a prevenção é a única estratégia actualmente existente.
Em particular, os diferentes tipos de depressão parecem ter diferentes tipos de evolução para demência, o que, a confirmar-se, pode, secundariamente, fornecer dados para a validação da existência destes tipos.
Foi possível acompanhar um coorte inical de mais de 300 doentes, criado nos anos 70 e 80 por Paes de Sousa e colegas, eminentes fenomenologistas, com o diagnóstico bem caracterizado de depressão (avaliados por escalas psicopatológicas que distinguem cada sintoma e, portanto, permitem a identificação dos vários tipos de depressão). Este coorte foi comparado com um grupo de não deprimidos identificados retrospectivamente, no que toca à evolução para demência.
Os resultados apontam para que os doentes com depressão evoluam para demência de forma mais rápida e em maior número, embora o quadro pareça apresentar algumas diferenças clínicas e neuropsicológicas em relação às diferentes demências.
Curiosamente, a própria personalidade dos doentes deprimidos (alto neuroticismo, baixa extroversão) parece também contribuir para esta evolução.
Os mecanismos destas relações não estão totalmente caracterizados, embora a maior parte da evidência prévia implique o stress e o eixo hipotálamo-hipófise-suprarrenal. De facto, que o stress quer alguns tipos de depressão parecem estar associados a alguma forma de hipercortisolismo, e o cortisol é particularmente lesivo para os neurónios do hipocampo. Estão em análise vários parâmetros relacionados com o hipercortisolismo (cortisol salivar basal, teste de supressão pela dexametasona, etc) em colaboração com a Mood Disorders Unit do Institut of Psychiatry, em Londres.
Por outro lado, e independemente do mecanismo, é importante saber-se se a cura da depressão diminui o risco para demência ou para a deterioração cognitiva. Os antidepressivos são um dos principais tratamentos disponíveis para a depressão, mas estudos prospectivos relacionados com a evolução para demência após o tratamento com antidepressivos são de difícil realização. Os estudos de comportamento animal, em particular a separação maternal, permitem realizar experimentação controlando uma maior número de variáveis e usando fármacos, que não seria ética em humanos. Os ratos recém-nascidos têm sido sujeitos a um protocolo que reconhecidamente gera um fenotipo depressivo (a separação maternal), que se confirma num teste clássico de desespero aprendido (o Forced Swiming Test (FST) – em que contabiliza o tempo que o animal demora a desistir de tentar sair de uma tina com água e se limita a flutuar, permanecendo imóvel). A administração dos AD faz-se preferencialmente por via oral (misturados na comida), após o que se pode realizar o FST e outros testes de comportamentos ansiosos (como o Open Field Test, em que se avalia o tempo que o animal passa na parte descoberta da plataforma verus o tempo que passa na parte escondida). Realizam-se testes de avaliação de memória espacial e aprendizagem, como o Morris Water Maze (MWM). Neste teste contabiliza-se o tempo que os ratos demoram a encontrar uma plataforma submersa e não visível à superfície numa piscina durante 4 ou 5 dias (o que permite desenhar uma curva de aprendizagem). No 5º dia remove-se a plataforma e contabiliza-se o tempo que rato passa à procura da mesma próximo do qual onde ela estava (o que se considera uma avaliação da memória).
Agradecimentos:
Em particular aos orientadores, Srs. Profs. Doutores Maria Luísa Figueira e J. Alexandre Ribeiro, mas também à Sra. D. Ilda Paes de Sousa e ao Sr. Prof. Doutor Alexandre de Mendonça, e a toda a equipa do Grupo de Estudos de Demência e do Instituto de Farmacologia e Neurociências.
Frederico Couto
fcouto@fm.ul.pt