Espaço Ciência
Regulação do transportador GAT-1 em células neuronais: acção do Brain-Derived Neurotrophic Factor e da adenosina
O ácido y-aminobutírico (GABA) é o principal neurotransmissor inibitório do sistema nervoso central. A eficaz finalização, bem como modelação, da transmissão sináptica GABAérgica, ocorre devido à rápida remoção do GABA presente na fenda sináptica, por transportadores de alta afinidade para o GABA, que se localizam quer a nível do terminal pré-sináptico dos neurónios, quer a nível das células da glia, nomeadamenrte dos astrócitos (1). Até ao momento quatro transportadores foram identificados para o GABA, sendo denominados de GAT-1, GAT-2 and GAT-3 e transportador de betaina. O transportador GAT-1 é o transportador de GABA predominante no sistema nervosa central e encontra-se preferencialmente expresso em neurónios, no entanto é também expresso em astrócitos (1). É importante mencionar que doentes com epilepsia do lobo temporal apresentam um aumento da expressão dos transportadores de GABA nos astrócitos (2), e que inibidores dos transportadores de GABA ou do metabolismo deste neurotransmissor são fármacos anti-epilépticos eficazes (3), evidenciando o papel relevante destes transportadores no controlo da excitabilidade.
Os transportadores de GABA podem se regulados de diversos modos, estando envolvidos nesta regulação diversos factores e várias cascatas de transdução de sinal. Esta modulação pode ocorrer de dois modos distintos: por alteração do Km ou do Vmax do transportador. Assim, a regulação do contínuo tráfego dos transportadores de GABA de e para a membrana plasmática neuronal pode ocorrer por variações da velocidade de endocitose e exocitose e/ou por alteração da quantidade de transportadores disponíveis neste processo de tráfego (4). Por exemplo, a expressão do transportador GAT-1 na membrana celular neuronal diminui quando existe activação da PKC quer em culturas primárias de neurónios (5), quer em terminais pre-sinápticos neuronais (6).
Um outra molécula já descrita como reguladora do transportador GAT-1 trata-se do Brain derived neurotrophic factor (BDNF). O BDNF é um factor neurotófico com importantes funções a nível do crescimento, sobrevivência e diferenciação neuronal, levando a modificações estruturais e moleculares a longo-prazo que são cruciais para o desenvolvimento mas também para a função e plasticidade sináptica no indivíduo adulto (7). O BDNF exerce a sua acção através da activação de receptores tirosina cinase B (TrkB), que se apresentam em diferentes isoformas: uma isoforma “completa” (TrkB-fl) que apresenta domínios tirosina cinase e uma isoforma truncada (TrkB-t) que não apresenta estes domínios. O BDNF favorece a recaptação de GABA devido a um aumento da expressão de GAT-1 a nível da membrana plasmática em culturas primárias de neurónios (5), no entanto em terminias nervosos pré-sinápticos leva a uma diminuição da recaptação de GABA através do mesmo transportador (8). Estes dois resultados sugerem que esta molécula exerce a sua acção de um modo muito localizado, levando a uma diminuição da recaptação de GABA no terminal nervoso, e acelerando a sua recaptação em regiões extra-sinápticas. A activação dos receptores A2A da adenosina tem sido apontada como peça fundamental nos efeitos “rápidos” do BDNF. Entre outros aponta-se o facto de o efeito do BDNF na transmissão sináptica ser dependente da activação dos referidos receptores de adenosina (9).
Os astrócitos são a maior classe de células da glia encontrada no cérebro dos mamíferos e têm um papel extremamente relevante na transmissão sináptica, na medida que contribuem para o processamento de informação transmitida a nível sináptico, devido a controlarem quer a composição do meio extracelular, quer a quantidade de neurotransmissores presente na fenda sináptica, quer a comunicação existente entre astrócito-astrócito ou astrócito-neurónio (10). Estas células têm um papel muito importante na regulação dos níveis extracelulares de GABA (11), no entanto pouco tem sido descrito em relação ao controlo dos transportadores de GABA nos astrócitos.
Deste modo, o trabalho desenvolvido teve como objectivo estudar o efeito do BDNF sobre o transportador de GAT-1 em astrócitos, bem como estudar os mecanismos subjacentes ao efeito do BDNF.
Com o trabalho desenvolvido foi observado que o BDNF aumenta a recaptação de GABA mediada pelo transportador GAT-1 em culturas primárias de astrócitos, sendo este efeito devido a um aumento da Vmax do transportador. O efeito do BDNF envolve o forma truncada do receptor TrkB, estando esta acolpada a uma via não clássica da PLC-g/PKC-d e da Erk/MAP cinases. O efeito descrito requere que os receptores A2A da adenosina estejam activos, pois foi abolido na presença de antagonistas selectivos deste receptor. Uma vez que um aumento do Vmax se correlaciona com um aumento do número de transportadores na membrana plasmática procedeu-se seguidamente à avaliação de um possível aumento do transportador GAT-1 quando as células eram tratadas com BDNF. Assim, de modo a avaliar se o efeito do BDNF se correlacionava com o tráfego do GAT-1 para a membrana celular foi gerado um mutante functional do transportador GAT-1 de rato (rGAT-1), no qual foi introduzido o epitope hemaglutinina (HA) no segundo “loop” extracelular do transportador e procedeu-se à infecção dos astrócitos com o referido mutante. Foi observado um aumento da expressão de HA-rGAT-1 na membrane plasmática após o tratamento das células com BDNF. Também através de experiências de biotinilação, realizadas com astrócitos que sobre-expressavam rGAT-1, foi observado um aumento de rGAT-1 após o tratamento com BDNF.
Estes resultados permitem concluir que o BDNF induz a translocação do transportados GAT-1 para a membrana plasmática dos astrócitos, tendo este efeito consequências funcionais. Deste modo pode também concluir-se que o BDNF tem um papel activo na remoção de GABA quer a nivel sináptico, quer a nivel extra-sináptico influenciando em última instância a excitabilidade neuronal.
Sandra Henriques Vaz
Instituto de Farmacologia e Neurociências, Faculdade de Medicina e
Unidade de Neurociências, Instituto de Medicina Molecular
Universidade de Lisboa
svaz@fm.ul.pt
_________________
Bibliografia
1. Gether, U., Andersen, P. H., Larsson, O. M., and Schousboe, A. (2006) Trends Pharmacol Sci27, 375-383
2. Lee, T. S., Bjornsen, L. P., Paz, C., Kim, J. H., Spencer, S. S., Spencer, D. D., Eid, T., and de Lanerolle, N. C. (2006) Acta Neuropathol 111, 351-363
3. Iversen, L. (2006) Br J Pharmacol 147 Suppl 1, S82-88
4. Deken, S. L., Wang, D., and Quick, M. W. (2003) J Neurosci 23, 1563-1568
5. Law, R. M., Stafford, A., and Quick, M. W. (2000) J Biol Chem 275, 23986-23991
6. Cristovao-Ferreira, S., Vaz, S. H., Ribeiro, J. A., and Sebastiao, A. M. (2009) J Neurochem109, 336-347
7. Vicario-Abejon, C., Owens, D., McKay, R., and Segal, M. (2002) Nat Rev Neurosci 3, 965-974
8. Vaz, S. H., Cristovao-Ferreira, S., Ribeiro, J. A., and Sebastiao, A. M. (2008) Brain Res 1219, 19-25
9. Sebastiao, A. M., Assaife-Lopes, N., Diogenes, M. J., Vaz, S. H., and Ribeiro, J. A. (2010) Biochim Biophys Acta
10. Halassa, M. M., and Haydon, P. G. (2010) Annu Rev Physiol 72, 335-355
11. Kirmse, K., Kirischuk, S., and Grantyn, R. (2009) Synapse 63, 921-929
Os transportadores de GABA podem se regulados de diversos modos, estando envolvidos nesta regulação diversos factores e várias cascatas de transdução de sinal. Esta modulação pode ocorrer de dois modos distintos: por alteração do Km ou do Vmax do transportador. Assim, a regulação do contínuo tráfego dos transportadores de GABA de e para a membrana plasmática neuronal pode ocorrer por variações da velocidade de endocitose e exocitose e/ou por alteração da quantidade de transportadores disponíveis neste processo de tráfego (4). Por exemplo, a expressão do transportador GAT-1 na membrana celular neuronal diminui quando existe activação da PKC quer em culturas primárias de neurónios (5), quer em terminais pre-sinápticos neuronais (6).
Um outra molécula já descrita como reguladora do transportador GAT-1 trata-se do Brain derived neurotrophic factor (BDNF). O BDNF é um factor neurotófico com importantes funções a nível do crescimento, sobrevivência e diferenciação neuronal, levando a modificações estruturais e moleculares a longo-prazo que são cruciais para o desenvolvimento mas também para a função e plasticidade sináptica no indivíduo adulto (7). O BDNF exerce a sua acção através da activação de receptores tirosina cinase B (TrkB), que se apresentam em diferentes isoformas: uma isoforma “completa” (TrkB-fl) que apresenta domínios tirosina cinase e uma isoforma truncada (TrkB-t) que não apresenta estes domínios. O BDNF favorece a recaptação de GABA devido a um aumento da expressão de GAT-1 a nível da membrana plasmática em culturas primárias de neurónios (5), no entanto em terminias nervosos pré-sinápticos leva a uma diminuição da recaptação de GABA através do mesmo transportador (8). Estes dois resultados sugerem que esta molécula exerce a sua acção de um modo muito localizado, levando a uma diminuição da recaptação de GABA no terminal nervoso, e acelerando a sua recaptação em regiões extra-sinápticas. A activação dos receptores A2A da adenosina tem sido apontada como peça fundamental nos efeitos “rápidos” do BDNF. Entre outros aponta-se o facto de o efeito do BDNF na transmissão sináptica ser dependente da activação dos referidos receptores de adenosina (9).
Os astrócitos são a maior classe de células da glia encontrada no cérebro dos mamíferos e têm um papel extremamente relevante na transmissão sináptica, na medida que contribuem para o processamento de informação transmitida a nível sináptico, devido a controlarem quer a composição do meio extracelular, quer a quantidade de neurotransmissores presente na fenda sináptica, quer a comunicação existente entre astrócito-astrócito ou astrócito-neurónio (10). Estas células têm um papel muito importante na regulação dos níveis extracelulares de GABA (11), no entanto pouco tem sido descrito em relação ao controlo dos transportadores de GABA nos astrócitos.
Deste modo, o trabalho desenvolvido teve como objectivo estudar o efeito do BDNF sobre o transportador de GAT-1 em astrócitos, bem como estudar os mecanismos subjacentes ao efeito do BDNF.
Com o trabalho desenvolvido foi observado que o BDNF aumenta a recaptação de GABA mediada pelo transportador GAT-1 em culturas primárias de astrócitos, sendo este efeito devido a um aumento da Vmax do transportador. O efeito do BDNF envolve o forma truncada do receptor TrkB, estando esta acolpada a uma via não clássica da PLC-g/PKC-d e da Erk/MAP cinases. O efeito descrito requere que os receptores A2A da adenosina estejam activos, pois foi abolido na presença de antagonistas selectivos deste receptor. Uma vez que um aumento do Vmax se correlaciona com um aumento do número de transportadores na membrana plasmática procedeu-se seguidamente à avaliação de um possível aumento do transportador GAT-1 quando as células eram tratadas com BDNF. Assim, de modo a avaliar se o efeito do BDNF se correlacionava com o tráfego do GAT-1 para a membrana celular foi gerado um mutante functional do transportador GAT-1 de rato (rGAT-1), no qual foi introduzido o epitope hemaglutinina (HA) no segundo “loop” extracelular do transportador e procedeu-se à infecção dos astrócitos com o referido mutante. Foi observado um aumento da expressão de HA-rGAT-1 na membrane plasmática após o tratamento das células com BDNF. Também através de experiências de biotinilação, realizadas com astrócitos que sobre-expressavam rGAT-1, foi observado um aumento de rGAT-1 após o tratamento com BDNF.
Estes resultados permitem concluir que o BDNF induz a translocação do transportados GAT-1 para a membrana plasmática dos astrócitos, tendo este efeito consequências funcionais. Deste modo pode também concluir-se que o BDNF tem um papel activo na remoção de GABA quer a nivel sináptico, quer a nivel extra-sináptico influenciando em última instância a excitabilidade neuronal.
Sandra Henriques Vaz
Instituto de Farmacologia e Neurociências, Faculdade de Medicina e
Unidade de Neurociências, Instituto de Medicina Molecular
Universidade de Lisboa
svaz@fm.ul.pt
_________________
Bibliografia
1. Gether, U., Andersen, P. H., Larsson, O. M., and Schousboe, A. (2006) Trends Pharmacol Sci27, 375-383
2. Lee, T. S., Bjornsen, L. P., Paz, C., Kim, J. H., Spencer, S. S., Spencer, D. D., Eid, T., and de Lanerolle, N. C. (2006) Acta Neuropathol 111, 351-363
3. Iversen, L. (2006) Br J Pharmacol 147 Suppl 1, S82-88
4. Deken, S. L., Wang, D., and Quick, M. W. (2003) J Neurosci 23, 1563-1568
5. Law, R. M., Stafford, A., and Quick, M. W. (2000) J Biol Chem 275, 23986-23991
6. Cristovao-Ferreira, S., Vaz, S. H., Ribeiro, J. A., and Sebastiao, A. M. (2009) J Neurochem109, 336-347
7. Vicario-Abejon, C., Owens, D., McKay, R., and Segal, M. (2002) Nat Rev Neurosci 3, 965-974
8. Vaz, S. H., Cristovao-Ferreira, S., Ribeiro, J. A., and Sebastiao, A. M. (2008) Brain Res 1219, 19-25
9. Sebastiao, A. M., Assaife-Lopes, N., Diogenes, M. J., Vaz, S. H., and Ribeiro, J. A. (2010) Biochim Biophys Acta
10. Halassa, M. M., and Haydon, P. G. (2010) Annu Rev Physiol 72, 335-355
11. Kirmse, K., Kirischuk, S., and Grantyn, R. (2009) Synapse 63, 921-929