Espaço Ciência
Modulação da transmissão GABAergica no hipocampo pela adenosina - Resumo de projecto em curso
A excitabilidade neuronal é controlada pela transmissão inibitória, que no cérebro é maioritariamente operada pelo ácido gama-aminobutírico (GABA). O controlo da excitabilidade passa, portanto, em grande parte pelo controlo da transmissão GABAergica. Esta tem dois componentes principais: 1) um componente fásico, em que o GABA é libertado sincronicamente com os potenciais de acção que chegam à terminação nervosa GABAérgica, e 2) um componente tónico, independente do potencial de acção pré-sináptico e que corresponde à inibição contínua mediada pelo GABA a nível sináptico e extrasináptico. A inibição tónica é principalmente dependente da actividade dos transportadores de GABA, GATs, que removem o GABA extracelular. A modulação da inibição fásica ou da inibição tónica tem consequências distintas para a excitabilidade neuronal.
O hipocampo, uma área cerebral com citoarquitectura e conexões neuronais bem conhecidas, possui neurónios inibitórios (I) que projectam para outros neurónios inibitórios (sinapses I-I) e neurónios inibitórios que projectam para neurónios excitatórios (sinapses I-E), para além dos neurónios excitatórios que projectam sobre outros neurónios excitatórios (sinapses E-E). A modulação dos dois tipos de sinapses inibitórias, I-I e I-E, tem consequências previsivelmente opostas no controlo da excitabilidade.
A adenosina é um neuromodulador que se liberta pela maioria das células, incluindo neurónios e astrócitos. Pode ser libertada como tal ou ser formada extracelularmente a partir da hidrólise do ATP. A sua acção neuroprotectora e anticonvulsivante tem sido principalmente atribuída à inibição da transmissão excitatória. Contudo, sabe-se muito menos sobre o controlo exercido pela adenosina sobre a transmissão inibitória, concretamente, a GABAérgica.
Neste projecto, financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia desde Fevereiro de 2011, pretendemos esclarecer a influência da adenosina sobre a transmissão GABAergica no hipocampo. Focar-nos-emos na transmissão entre dois neurónios inibitórios (sinapses I-I) e entre um neurónio inibitório e um neurónio excitatório (sinapses I-E). A modulação dos astrócitos, nomeadamente sobre a sua capacidade de transportar GABA e assim influenciar a inibição tónica e/ou fásica, será também alvo de investigação. Assim, registaremos correntes inibitórias pós-sinapticas em interneurónios (sinapses I-I) e em células piramidais (sinapses I-E) de fatias de hipocampo. Avaliar-se-á se a modulação exercida pelos receptores de alta afinidade para a adenosina, A1 e A2A, se exerce a nível pré- pós- ou não sináptico, medindo as alterações de correntes inibitórias evocadas por estimulação dos aferentes, de correntes inibitórias evocadas por estimulação directa dos receptores GABAA, e de correntes miniatura espontâneas. A inibição tónica será avaliada medindo as alterações da corrente de injecção necessária a manter o potencial de membrana a um valor pré-determinado. Avaliar-se-á também se os receptores da adenosina afectam a plasticidade de sinapses inibitórias. Para avaliar se os transportadores do GABA, GAT1 e GAT3, são modulados por activação de receptores A1 e A2A da adenosina usar-se-ão culturas primárias de astrócitos. Os astrócitos sinalizam através de ondas de cálcio que são iniciadas por activação de receptores de ATP do subtipo P2Y. Em que medida é que estes receptores afectam o transporte de GABA nos astrócitos será também investigado a fim de melhor compreender os múltiplos processos usados pela adenosina ou seus precursores para controlarem a excitabilidade.
Este projecto, para além do Investigador Principal (Ana M Sebastião), conta com a participação de 4 estudantes de Doutoramento (Diogo Rombo, Raquel Dias, Sandra Vaz, Sofia Cristóvão-Ferreira), dois estudantes de Mestrado (Joaquim Jacob e Andreia Silva). As metodologias e equipamentos necessários à execução do projecto, nomeadamente, equipamento para registos de patch clamp em fatias de hipocampo, equipamento para imagiologia de cálcio em astrócitos, equipamento para medição de transporte (libertação e recaptação) de neurotransmissores por terminações nervosas isoladas, por neurónios ou por astrócitos em cultura, existem na Unidade de Neurociências do Instituto de Medicina Molecular e Instituto de Farmacologia e Neurociências da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.
Dados já obtidos, mostram que os receptores A1 da adenosina inibem correntes inibitórias em neurónios piramidais (sinapses I-E) e numa subpopulação de interneurónios (sinapses I-I) sendo esta acção da adenosina exercida por inibição da activação de receptores GABAA extrasinápticos; de acordo com estas observações, a adenosina, via receptores A1, atenua a inibição tónica exercida pelo GABA sobre neurónios piramidais excitatórios (Rombo e tal., em preparação). Os receptores A1 da adenosina inibem também a transmissão excitatória para neurónios excitatórios (sinapses E-E), sendo esta acção bem conhecida a nível pré-sinaptico (ver Sebastião e Ribeiro, 2009, para revisão sobre o assunto). Uma acção inibitória directa dos receptores A1 da adenosina sobre receptores AMPA (os receptores que veiculam a transmissão excitatória rápida mediada pelo glutamato) foi recentemente descrita por elementos da equipa de investigação deste projecto (Dias e tal., 2010). No que respeita à modulação de receptores AMPA pela adenosina, torna-se relevante salientar que em estes são também alvo da acção de um outro subtipo de receptores da adenosina, os receptores A2A, os quais têm uma acção oposta à dos receptores A1, facilitando sua inserção dos receptores AMPA na membrana do neurónio pós-sináptico (Dias e tal., 2010). Esta acção, em conjunto com a facilitação das acções de factores neurotróficos, nomeadamente da facilitação translocação de receptores de factores neurotróficos para microdomínios da membrana neuronal em situações de actividade neuronal elevada (Assaife-Lopes e tal., 2010) contribui para o reforço de sinapses excitatórias (E-E). A unidade de investigação está de momento a projectar a avaliação futura de processos de controlo de plasticidade de sinapses inibitórias, já que esta é fortemente dependente de endocanabinoides e, como verificamos recentemente (Sousa e tal., 2011), os receptores da adenosina, nomeadamente os receptores do subtipo A1, modulam as acções de canabinoides.
No decurso do projecto em curso verificámos também que receptores da adenosina do subtipo A1 e A2A modulam o transporte de GABA pelos astrócitos. Surpreendente, identificámos neste estudo que os receptores da adenosina nos astrócitos formam heterómeros A1-A1-A2A-A2A, sendo a unidade funcional o tetramero acoplado aos sistemas de transdução canónicos dos receptores A1 e A2A. Esta unidade funcional internaliza em conjunto quando da sobreactivação de qualquer dos componentes da unidade funcional, sugerindo um que os astrócitos possuem ‘sistemas de segurança’ apertados relativamente ao controlo da recaptação de GABA (Critovão-Ferreira e tal, em preparação). Resultados preliminares igualmente entusiasmantes, apontam para uma relação estreita entre a sinalização de cálcio pelos astrócitos e a recaptação de GABA por estas células, revelando pontos comuns entre duas funções principais destas células (teses de Mestrado de Joaquim Jacob e de Andreia Vaz, em progresso).
Ao identificar as sinapses onde a adenosina actua, os receptores que a adenosina opera, se a sua acção ocorre a nível pré- pós- ou não sináptico, se afecta preferencialmente a inibição fásica ou tónica, e ao esclarecer o envolvimento dos astrócitos neste processo, o desenvolvimento deste projecto irá permitir um conhecimento aprofundado do modo como neurónios e astrócitos controlam a inibição e assim, espera-se que contribua para o desenho de estratégias mais apropriadas para controlar a excitabilidade excessiva em casos de patologia.
Ana M. Sebastião
Instituto de Farmacologia e Neurociências da Faculdade de Medicina e Unidade de Neurociências do Instituto de Medicina Molecular, Universidade de Lisboa.
anaseb@fm.ul.pt
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Referências
Assaife-Lopes N, Sousa VC, Pereira DB, Ribeiro JA, Chao MV, Sebastião AM (2010). Activation of adenosine A2A receptors induces TrkB translocation and increases BDNF-mediated phospho-TrkB localization in lipid rafts: implications for neuromodulation. J Neurosci, 23, 8468-8480. (ver artigo aqui)
Dias RB, Ribeiro JA, Sebastião AM (2010). Hippocampus, ePub ahead of print (August 2010) (ver artigo aqui)
Sebastião AM, Ribeiro JA (2009) In: Handbook of Experimental Pharmacology, 193, 471-534. (ver artigo aqui)
Sousa VC, Assaife-Lopes N, Ribeiro, JA, Pratt JA, Brett RR, Sebastião AM (2011) Regulation of hippocampal cannabinoid CB1 receptor actions by adenosine A1 receptors and chronic caffeine administration: implications for the effects of 9-tetrahydrocannabinol on spatial memory. Neuropsychopharmacology, 36, 472-487. (ver artigo aqui)
O hipocampo, uma área cerebral com citoarquitectura e conexões neuronais bem conhecidas, possui neurónios inibitórios (I) que projectam para outros neurónios inibitórios (sinapses I-I) e neurónios inibitórios que projectam para neurónios excitatórios (sinapses I-E), para além dos neurónios excitatórios que projectam sobre outros neurónios excitatórios (sinapses E-E). A modulação dos dois tipos de sinapses inibitórias, I-I e I-E, tem consequências previsivelmente opostas no controlo da excitabilidade.
A adenosina é um neuromodulador que se liberta pela maioria das células, incluindo neurónios e astrócitos. Pode ser libertada como tal ou ser formada extracelularmente a partir da hidrólise do ATP. A sua acção neuroprotectora e anticonvulsivante tem sido principalmente atribuída à inibição da transmissão excitatória. Contudo, sabe-se muito menos sobre o controlo exercido pela adenosina sobre a transmissão inibitória, concretamente, a GABAérgica.
Neste projecto, financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia desde Fevereiro de 2011, pretendemos esclarecer a influência da adenosina sobre a transmissão GABAergica no hipocampo. Focar-nos-emos na transmissão entre dois neurónios inibitórios (sinapses I-I) e entre um neurónio inibitório e um neurónio excitatório (sinapses I-E). A modulação dos astrócitos, nomeadamente sobre a sua capacidade de transportar GABA e assim influenciar a inibição tónica e/ou fásica, será também alvo de investigação. Assim, registaremos correntes inibitórias pós-sinapticas em interneurónios (sinapses I-I) e em células piramidais (sinapses I-E) de fatias de hipocampo. Avaliar-se-á se a modulação exercida pelos receptores de alta afinidade para a adenosina, A1 e A2A, se exerce a nível pré- pós- ou não sináptico, medindo as alterações de correntes inibitórias evocadas por estimulação dos aferentes, de correntes inibitórias evocadas por estimulação directa dos receptores GABAA, e de correntes miniatura espontâneas. A inibição tónica será avaliada medindo as alterações da corrente de injecção necessária a manter o potencial de membrana a um valor pré-determinado. Avaliar-se-á também se os receptores da adenosina afectam a plasticidade de sinapses inibitórias. Para avaliar se os transportadores do GABA, GAT1 e GAT3, são modulados por activação de receptores A1 e A2A da adenosina usar-se-ão culturas primárias de astrócitos. Os astrócitos sinalizam através de ondas de cálcio que são iniciadas por activação de receptores de ATP do subtipo P2Y. Em que medida é que estes receptores afectam o transporte de GABA nos astrócitos será também investigado a fim de melhor compreender os múltiplos processos usados pela adenosina ou seus precursores para controlarem a excitabilidade.
Este projecto, para além do Investigador Principal (Ana M Sebastião), conta com a participação de 4 estudantes de Doutoramento (Diogo Rombo, Raquel Dias, Sandra Vaz, Sofia Cristóvão-Ferreira), dois estudantes de Mestrado (Joaquim Jacob e Andreia Silva). As metodologias e equipamentos necessários à execução do projecto, nomeadamente, equipamento para registos de patch clamp em fatias de hipocampo, equipamento para imagiologia de cálcio em astrócitos, equipamento para medição de transporte (libertação e recaptação) de neurotransmissores por terminações nervosas isoladas, por neurónios ou por astrócitos em cultura, existem na Unidade de Neurociências do Instituto de Medicina Molecular e Instituto de Farmacologia e Neurociências da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.
Dados já obtidos, mostram que os receptores A1 da adenosina inibem correntes inibitórias em neurónios piramidais (sinapses I-E) e numa subpopulação de interneurónios (sinapses I-I) sendo esta acção da adenosina exercida por inibição da activação de receptores GABAA extrasinápticos; de acordo com estas observações, a adenosina, via receptores A1, atenua a inibição tónica exercida pelo GABA sobre neurónios piramidais excitatórios (Rombo e tal., em preparação). Os receptores A1 da adenosina inibem também a transmissão excitatória para neurónios excitatórios (sinapses E-E), sendo esta acção bem conhecida a nível pré-sinaptico (ver Sebastião e Ribeiro, 2009, para revisão sobre o assunto). Uma acção inibitória directa dos receptores A1 da adenosina sobre receptores AMPA (os receptores que veiculam a transmissão excitatória rápida mediada pelo glutamato) foi recentemente descrita por elementos da equipa de investigação deste projecto (Dias e tal., 2010). No que respeita à modulação de receptores AMPA pela adenosina, torna-se relevante salientar que em estes são também alvo da acção de um outro subtipo de receptores da adenosina, os receptores A2A, os quais têm uma acção oposta à dos receptores A1, facilitando sua inserção dos receptores AMPA na membrana do neurónio pós-sináptico (Dias e tal., 2010). Esta acção, em conjunto com a facilitação das acções de factores neurotróficos, nomeadamente da facilitação translocação de receptores de factores neurotróficos para microdomínios da membrana neuronal em situações de actividade neuronal elevada (Assaife-Lopes e tal., 2010) contribui para o reforço de sinapses excitatórias (E-E). A unidade de investigação está de momento a projectar a avaliação futura de processos de controlo de plasticidade de sinapses inibitórias, já que esta é fortemente dependente de endocanabinoides e, como verificamos recentemente (Sousa e tal., 2011), os receptores da adenosina, nomeadamente os receptores do subtipo A1, modulam as acções de canabinoides.
No decurso do projecto em curso verificámos também que receptores da adenosina do subtipo A1 e A2A modulam o transporte de GABA pelos astrócitos. Surpreendente, identificámos neste estudo que os receptores da adenosina nos astrócitos formam heterómeros A1-A1-A2A-A2A, sendo a unidade funcional o tetramero acoplado aos sistemas de transdução canónicos dos receptores A1 e A2A. Esta unidade funcional internaliza em conjunto quando da sobreactivação de qualquer dos componentes da unidade funcional, sugerindo um que os astrócitos possuem ‘sistemas de segurança’ apertados relativamente ao controlo da recaptação de GABA (Critovão-Ferreira e tal, em preparação). Resultados preliminares igualmente entusiasmantes, apontam para uma relação estreita entre a sinalização de cálcio pelos astrócitos e a recaptação de GABA por estas células, revelando pontos comuns entre duas funções principais destas células (teses de Mestrado de Joaquim Jacob e de Andreia Vaz, em progresso).
Ao identificar as sinapses onde a adenosina actua, os receptores que a adenosina opera, se a sua acção ocorre a nível pré- pós- ou não sináptico, se afecta preferencialmente a inibição fásica ou tónica, e ao esclarecer o envolvimento dos astrócitos neste processo, o desenvolvimento deste projecto irá permitir um conhecimento aprofundado do modo como neurónios e astrócitos controlam a inibição e assim, espera-se que contribua para o desenho de estratégias mais apropriadas para controlar a excitabilidade excessiva em casos de patologia.
Ana M. Sebastião
Instituto de Farmacologia e Neurociências da Faculdade de Medicina e Unidade de Neurociências do Instituto de Medicina Molecular, Universidade de Lisboa.
anaseb@fm.ul.pt
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Referências
Assaife-Lopes N, Sousa VC, Pereira DB, Ribeiro JA, Chao MV, Sebastião AM (2010). Activation of adenosine A2A receptors induces TrkB translocation and increases BDNF-mediated phospho-TrkB localization in lipid rafts: implications for neuromodulation. J Neurosci, 23, 8468-8480. (ver artigo aqui)
Dias RB, Ribeiro JA, Sebastião AM (2010). Hippocampus, ePub ahead of print (August 2010) (ver artigo aqui)
Sebastião AM, Ribeiro JA (2009) In: Handbook of Experimental Pharmacology, 193, 471-534. (ver artigo aqui)
Sousa VC, Assaife-Lopes N, Ribeiro, JA, Pratt JA, Brett RR, Sebastião AM (2011) Regulation of hippocampal cannabinoid CB1 receptor actions by adenosine A1 receptors and chronic caffeine administration: implications for the effects of 9-tetrahydrocannabinol on spatial memory. Neuropsychopharmacology, 36, 472-487. (ver artigo aqui)