Investigação e Formação Avançada
Investigação Científica desenvolvida por Alunos - Projectos na Área das Neurociências
Caracterização neurofisiológica dos fusos de sono e complexos K em doentes com AVC agudo da artéria cerebral média e correlação com prognóstico
Joana Isaac [1], Ana Rita Peralta [2,3,6] Carla Bentes [2,4,5,6]
Serviço de Neurologia, Departamento de Neurociências do Hospital de Santa Maria
teixeirajoana@campus.ul.pt
[1]Aluna do 3º ano do curso de Mestrado Integrado em Medicina da Faculdade de Medicina de Lisboa
[2]Assistente hospitalar, Serviço de Neurologia, Departamento de Neurociências, Hospital de Santa Maria, Centro Hospitalar Lisboa Norte
[3]Assistente convidada de Neurologia e Fisiologia, Faculdade de Medicina de Lisboa
[4]Assistente convidada de Neurologia, Faculdade de Medicina de Lisboa
[5]Neurofisiologista
[6]Investigadora do Instituto de Medicina Molecular
O presente artigo pretende descrever um projecto de investigação aceite e apoiado pelo GAPIC (2011), que está a ser realizado no Laboratório de EEG/Sono e Unidade de AVCs - Serviço de Neurologia, Departamento de Neurociências do Hospital de Santa Maria, pela aluna do 3º ano do Curso de Medicina Joana Isaac, sob a orientação de Ana Rita Peralta e Carla Bentes.
Os acidentes vasculares cerebrais (AVCs), apresentam actualmente uma incidência entre 2 a 18 por cada 1.000 habitantes. Constituem a primeira causa de invalidez e a segunda causa de morte em todo o mundo (Jiménez-Conde & Roquer, 2009).
O sono é marcadamente afectado na fase aguda do AVC. As alterações mais consensuais são a redução no tempo total de sono, eficiência do sono, fase N2 e N3, aumento do número de despertares, da fase N1 e da latência ao sono (Terzoudi A et al., 2009; Hermann DM et al., 2008). O prognóstico do AVC correlaciona-se positivamente com a percentagem de sono N2 (Siengsukon & Boyd, 2009).
Estão também documentadas alterações da microestrutura do sono, nomeadamente dos fusos de sono (FS). Os FS correspondem a uma actividade cortical espontânea, com origem no tálamo, típicos da fase N2. A redução dos FS em doentes com AVC, foi sobretudo demonstrada no AVC talâmico. Em AVCs hemisféricos os estudos são muito mais escassos. Bassetti e Aldrisch (2001) documentaram a redução do número de FS ipsilaterais à lesão. Um estudo posterior confirmou que a potência e coerência da banda espectral dos FS estavam significativamente diminuídas no hemisfério ipsilateral à lesão em AVCs hemisféricos de diversos territórios arteriais (Gottselig, Basseti & Achermann, 2002). Urakami (2009) demonstrou que, no hemisfério ipsilateral a hematomas hemisféricos profundos, as fontes cerebrais destes grafoelementos apresentam representações topográficas menos extensas e localizadas nas regiões frontal pré e pós central e parietal.
Em doentes com AVC, foi também demonstrado o efeito potenciador do sono na consolidação de memórias motoras implícitas e explícitas (Siengsukon & Boyd, 2009). É possível que parte desta potenciação da memória, dependente do sono nos doentes com AVC, seja mediada pelos mecanismos subjacentes a estas oscilações rítmicas na banda espectral dos FS. É provável, por isso, que as modificações das características destes grafoelementos após o AVC tenham importância prognóstica. Até à data, só um estudo sugere haver, de facto, uma correlação positiva entre a potência e coerência na banda espectral dos FS no hemisfério ipsilateral à lesão e o índice de Barthel obtido entre os 2-19 meses pós AVC (Gottselig, Basseti & Achermann, 2002).
Os complexos K (CK) são grafoelementos da fase N2 de sono, de grande amplitude, bifásicos, que apresentam maior amplitude em topografia frontal bilateral (Wennberg, 2010). A sua função não é conhecida, mas diversos estudos sugerem que desempenham um papel protector do sono, evitando a ocorrência de microdespertares (Colrain, 2005). Parecem não existir até à data, estudos que especificamente analisem as características neurofisiológicas e a quantificação do CK após AVC. A fragmentação de sono provoca, no rato, maior área enfartada e pior recuperação funcional após AVC isquémico (Gao et al, 2010). É, por isso, expectável que a redução destes elementos protectores do sono possa ter implicações prognósticas nestes doentes.
O estudo dos FS e CK em doentes com lesão cerebral é importante por contribuir para o conhecimento das redes cerebrais envolvidas na génese destes elementos. Permite também uma melhor caracterização do sono no AVC agudo. A classificação do sono nestes doentes está sujeita a grande variabilidades inter e intra observadores, facto que complica à uniformização da investigação neste tema. É necessário estabelecer o que é o padrão normal de sono do doente com AVC. A descrição precisa das alterações microestruturais constitui um dos primeiros passos para melhorar os critérios de classificação do sono nos doentes com AVC.
Assim, a presente investigação tem por objectivo caracterizar do ponto de vista neurofisiológico (duração, amplitude, frequência dominante, topografia e lateralidade) os fusos de sono (FS) e complexos K (CK) em doentes com AVC agudo da artéria cerebral média (ACM) e correlacionar as características neurofisiológicas destes grafoelementos com o prognóstico funcional à 1ª semana e 1º mês após AVC.
Este trabalho integrará um projecto em curso no mesmo laboratório intitulado “Monitorização Electroencefalográfica em doentes com Acidente Vascular Cerebral submetidos a rtPA”, que tem por objectivos descrever as alterações electroencefalográficas no AVC agudo submetido ou não a trombólise intravenosa, e correlacionar as alterações electroencefalográficas com o prognóstico funcional na 1ª semana, no 1º mês e 6 meses após o AVC. Estes trabalhos pretendem contribuir para a delineação de modelos neurofisiológicos do sono e vigília com valor prognóstico para os doentes com AVC, permitindo elaborar estratégias de tratamento mais eficazes.
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Referências bibliográficas
• Bassetti CL, Aldrich MS. (2001). Sleep electroencephalogram changes in acute hemispheric stroke. Sleep Med, 2(3):185-194.
• Colrain. (2005). K-Complex History and Review. SLEEP, Vol. 28, No. 2.
• Gao B, Cam E, Jaeger H, Zunzunegui C, Sarnthein J, Bassetti CL. (2010). Sleep disruption aggravates focal cerebral ischemia in the rat. Sleep, Jul 1; 33(7):879-87.
• Genzel, et al. (2009). Slow Wave and REM Sleep Awakenings and Memory. SLEEP, Vol. 32, No. 3.
• Gottselig JM, Bassetti CL, Achermann P. (2002). Power and coherence of sleep spindle frequency activity following hemispheric stroke. Brain, (2): 373-383.
• Hermann DM, et al. (2008). Evolution of neurological, neuropsychological and sleep-wake disturbances after paramedian thalamic stroke. Stroke, 39(1):62-8.
• Jiménez-Conde J, Roquer J. (2009). Ischemic stroke rhythms: external factors that contribute to modulate the moment of event´s occurrence. Med Clin, 132, 671-6.
• Siengsukon CF, Boyd LA. (2009). Sleep to learn after stroke: implicit and explicit off-line motor learning. Neurosci Lett, Feb 13; 451(1):1-5.
• Terzoudi A, et al. (2009). Sleep architecture in stroke and relation to outcome. Eur Neurol, 61(1):16-22.
• Uramaki Y. (2009). Relationships between sleep spindles and activities of the cerebral cortex after hemispheric stroke as determined by simultaneous EEG and MEG recordings. J Clin Neurophysiol, Aug; 26(4).
• Walker MP. (2008). Cognitive consequences of sleep and sleep loss. Sleep Medicine, 9 Suppl. 1 S29–S34.
• Wennberg. (2010). Intracranial cortical localization of the human K-complex. Clinical Neurophysiology.
Joana Isaac [1], Ana Rita Peralta [2,3,6] Carla Bentes [2,4,5,6]
Serviço de Neurologia, Departamento de Neurociências do Hospital de Santa Maria
teixeirajoana@campus.ul.pt
[1]Aluna do 3º ano do curso de Mestrado Integrado em Medicina da Faculdade de Medicina de Lisboa
[2]Assistente hospitalar, Serviço de Neurologia, Departamento de Neurociências, Hospital de Santa Maria, Centro Hospitalar Lisboa Norte
[3]Assistente convidada de Neurologia e Fisiologia, Faculdade de Medicina de Lisboa
[4]Assistente convidada de Neurologia, Faculdade de Medicina de Lisboa
[5]Neurofisiologista
[6]Investigadora do Instituto de Medicina Molecular
O presente artigo pretende descrever um projecto de investigação aceite e apoiado pelo GAPIC (2011), que está a ser realizado no Laboratório de EEG/Sono e Unidade de AVCs - Serviço de Neurologia, Departamento de Neurociências do Hospital de Santa Maria, pela aluna do 3º ano do Curso de Medicina Joana Isaac, sob a orientação de Ana Rita Peralta e Carla Bentes.
Os acidentes vasculares cerebrais (AVCs), apresentam actualmente uma incidência entre 2 a 18 por cada 1.000 habitantes. Constituem a primeira causa de invalidez e a segunda causa de morte em todo o mundo (Jiménez-Conde & Roquer, 2009).
O sono é marcadamente afectado na fase aguda do AVC. As alterações mais consensuais são a redução no tempo total de sono, eficiência do sono, fase N2 e N3, aumento do número de despertares, da fase N1 e da latência ao sono (Terzoudi A et al., 2009; Hermann DM et al., 2008). O prognóstico do AVC correlaciona-se positivamente com a percentagem de sono N2 (Siengsukon & Boyd, 2009).
Estão também documentadas alterações da microestrutura do sono, nomeadamente dos fusos de sono (FS). Os FS correspondem a uma actividade cortical espontânea, com origem no tálamo, típicos da fase N2. A redução dos FS em doentes com AVC, foi sobretudo demonstrada no AVC talâmico. Em AVCs hemisféricos os estudos são muito mais escassos. Bassetti e Aldrisch (2001) documentaram a redução do número de FS ipsilaterais à lesão. Um estudo posterior confirmou que a potência e coerência da banda espectral dos FS estavam significativamente diminuídas no hemisfério ipsilateral à lesão em AVCs hemisféricos de diversos territórios arteriais (Gottselig, Basseti & Achermann, 2002). Urakami (2009) demonstrou que, no hemisfério ipsilateral a hematomas hemisféricos profundos, as fontes cerebrais destes grafoelementos apresentam representações topográficas menos extensas e localizadas nas regiões frontal pré e pós central e parietal.
Em doentes com AVC, foi também demonstrado o efeito potenciador do sono na consolidação de memórias motoras implícitas e explícitas (Siengsukon & Boyd, 2009). É possível que parte desta potenciação da memória, dependente do sono nos doentes com AVC, seja mediada pelos mecanismos subjacentes a estas oscilações rítmicas na banda espectral dos FS. É provável, por isso, que as modificações das características destes grafoelementos após o AVC tenham importância prognóstica. Até à data, só um estudo sugere haver, de facto, uma correlação positiva entre a potência e coerência na banda espectral dos FS no hemisfério ipsilateral à lesão e o índice de Barthel obtido entre os 2-19 meses pós AVC (Gottselig, Basseti & Achermann, 2002).
Os complexos K (CK) são grafoelementos da fase N2 de sono, de grande amplitude, bifásicos, que apresentam maior amplitude em topografia frontal bilateral (Wennberg, 2010). A sua função não é conhecida, mas diversos estudos sugerem que desempenham um papel protector do sono, evitando a ocorrência de microdespertares (Colrain, 2005). Parecem não existir até à data, estudos que especificamente analisem as características neurofisiológicas e a quantificação do CK após AVC. A fragmentação de sono provoca, no rato, maior área enfartada e pior recuperação funcional após AVC isquémico (Gao et al, 2010). É, por isso, expectável que a redução destes elementos protectores do sono possa ter implicações prognósticas nestes doentes.
O estudo dos FS e CK em doentes com lesão cerebral é importante por contribuir para o conhecimento das redes cerebrais envolvidas na génese destes elementos. Permite também uma melhor caracterização do sono no AVC agudo. A classificação do sono nestes doentes está sujeita a grande variabilidades inter e intra observadores, facto que complica à uniformização da investigação neste tema. É necessário estabelecer o que é o padrão normal de sono do doente com AVC. A descrição precisa das alterações microestruturais constitui um dos primeiros passos para melhorar os critérios de classificação do sono nos doentes com AVC.
Assim, a presente investigação tem por objectivo caracterizar do ponto de vista neurofisiológico (duração, amplitude, frequência dominante, topografia e lateralidade) os fusos de sono (FS) e complexos K (CK) em doentes com AVC agudo da artéria cerebral média (ACM) e correlacionar as características neurofisiológicas destes grafoelementos com o prognóstico funcional à 1ª semana e 1º mês após AVC.
Este trabalho integrará um projecto em curso no mesmo laboratório intitulado “Monitorização Electroencefalográfica em doentes com Acidente Vascular Cerebral submetidos a rtPA”, que tem por objectivos descrever as alterações electroencefalográficas no AVC agudo submetido ou não a trombólise intravenosa, e correlacionar as alterações electroencefalográficas com o prognóstico funcional na 1ª semana, no 1º mês e 6 meses após o AVC. Estes trabalhos pretendem contribuir para a delineação de modelos neurofisiológicos do sono e vigília com valor prognóstico para os doentes com AVC, permitindo elaborar estratégias de tratamento mais eficazes.
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Referências bibliográficas
• Bassetti CL, Aldrich MS. (2001). Sleep electroencephalogram changes in acute hemispheric stroke. Sleep Med, 2(3):185-194.
• Colrain. (2005). K-Complex History and Review. SLEEP, Vol. 28, No. 2.
• Gao B, Cam E, Jaeger H, Zunzunegui C, Sarnthein J, Bassetti CL. (2010). Sleep disruption aggravates focal cerebral ischemia in the rat. Sleep, Jul 1; 33(7):879-87.
• Genzel, et al. (2009). Slow Wave and REM Sleep Awakenings and Memory. SLEEP, Vol. 32, No. 3.
• Gottselig JM, Bassetti CL, Achermann P. (2002). Power and coherence of sleep spindle frequency activity following hemispheric stroke. Brain, (2): 373-383.
• Hermann DM, et al. (2008). Evolution of neurological, neuropsychological and sleep-wake disturbances after paramedian thalamic stroke. Stroke, 39(1):62-8.
• Jiménez-Conde J, Roquer J. (2009). Ischemic stroke rhythms: external factors that contribute to modulate the moment of event´s occurrence. Med Clin, 132, 671-6.
• Siengsukon CF, Boyd LA. (2009). Sleep to learn after stroke: implicit and explicit off-line motor learning. Neurosci Lett, Feb 13; 451(1):1-5.
• Terzoudi A, et al. (2009). Sleep architecture in stroke and relation to outcome. Eur Neurol, 61(1):16-22.
• Uramaki Y. (2009). Relationships between sleep spindles and activities of the cerebral cortex after hemispheric stroke as determined by simultaneous EEG and MEG recordings. J Clin Neurophysiol, Aug; 26(4).
• Walker MP. (2008). Cognitive consequences of sleep and sleep loss. Sleep Medicine, 9 Suppl. 1 S29–S34.
• Wennberg. (2010). Intracranial cortical localization of the human K-complex. Clinical Neurophysiology.