Reportagem / Perfil
Entrevista com o Professor Alexandre Ribeiro - Director do Instituto de Farmacologia e Neurociências
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Newsletter: Caro Professor Alexandre Ribeiro, começamos por lhe agradecer esta oportunidade. Para iniciar esta entrevista gostaríamos que nos falasse da génese do Instituto de Farmacologia e Neurociências, ou seja, quando foi fundado, os seus fundadores, principais acontecimentos e marcos históricos que gostaria de realçar.
Professor Alexandre Ribeiro: O Instituto de Farmacologia e Neurociências resultou da fusão de duas estruturas previamente existentes. Em 1997, vim do Instituto Gulbenkian de Ciência para a FMUL, com o meu grupo, a convite do Professor João Lobo Antunes, na altura presidente do Conselho Cientifico da Faculdade, para criar o Laboratório de Neurociências. Este laboratório existiu até 2004, altura em que se fundiu com o instituto de Farmacologia. Em 2000, o professor responsável pelo instituto, o Professor José Manuel Toscano Rico, pediu a sua aposentação, e o Professor Lobo Antunes pediu-me para assumir responsabilidades de Director do Instituto de Farmacologia. Quando se deu a passagem para o Edifício Egas Moniz, fundiram-se estas duas estruturas, e desde 2004 constitui-se o Instituto de Farmacologia e Neurociências. O Instituto de Farmacologia foi criado quando da fundação da Faculdade de Medicina em 1911. O primeiro professor foi o Professor Sílvio Rebelo, seguido do Professor Toscano Rico, e depois o Professor José Manuel Toscano Rico, ao qual sucedi.
Newsletter: Quais as principais funções e actividades desenvolvidas pelo Instituto ao nível do ensino, da investigação e da comunidade?
Professor Alexandre Ribeiro: Em relação ao ensino, nós participamos nas actividades de ensino da Faculdade. A Farmacologia e as Neurociências são componentes estruturais, que fundamentam os conhecimentos científicos da formação dos médicos. Participamos no ensino pré-graduado do Mestrado Integrado em Medicina, em três áreas: no 2º ano, no módulo 2.3 (Sistemas Orgânicos e Funcionais), com a Farmacologia mais essencial, mais básica, em ligação com a Fisiologia, com a Bioquímica, com a Histologia e com a Anatomia, no módulo 4.2, que é o módulo da Farmacologia a e da Fisiopatologia, com uma Farmacologia mais especializada, diria, mais dirigida à prática clínica. Por outro lado, participamos também num ensino de pré-graduação que integra a Neuroanatomia, a Neurofarmacologia, a Neurofisiologia e a Psicologia, cujo conjunto faz o Tronco das Neurociências. Os responsáveis destas áreas, do ponto de vista da regência, são: eu como coordenador do Instituto, a Professora Ana Sebastião no módulo 2.3, o Professor Henrique Luís Rodrigues no módulo 4.2. No Tronco das Neurociências, a coordenação está a cargo da Professora Ana Sebastião conjuntamente com a Professora Luísa Figueira. Outra actividade de ensino é a nossa participação na Engenharia Biomédica, através de disciplinas optativas, quer em Farmacologia, quer em Neurociências. Temos ainda participado na formação da licenciatura em Ciências da Saúde, mas um dos aspectos que tem ocupado muito o nosso tempo, desde 1998, é no Mestrado em Neurociências, em colaboração com a Neurologia e inicialmente coordenado por mim, pelo Prof. Doutor Lobo Antunes e pelo Prof. Doutor Castro Caldas. No entanto, desde há 3 ou 4 anos a esta parte, existe um novo Conselho de Mestrado composto pela Professora Ana Sebastião, pelo Professor Mamede Carvalho e pela Professora Isabel Pavão, tendo evoluído para Mestrado/Doutoramento em Neurociências.
Em termos de ensino vocacionado para a pós-graduação, somos responsáveis por vários estudantes de mestrado, não só em Neurociências como igualmente por pessoas que vêm da Faculdade de Ciências e de outras instituições realizar aqui os respectivos estudos, de acordo com o modelo de Bolonha, fazendo no Instituto os seus trabalhos de fim de curso para a respectiva tese. Além disso orientamos de momento 12 estudantes de doutoramento.
Em relação à Investigação Científica, esse foi o nosso grande propósito quando se criou o Laboratório de Neurociências, onde se fazia só praticamente este tipo de actividade, e que integra também a orientação de alunos de Mestrado e de Doutoramento com as suas propostas de investigação. Sempre foi nosso objectivo que a actividade de investigar permeasse a actividade docente mesmo a nível pré-graduado, tendo-se criado no início um Curso Livre de Neurociências Experimentais à semelhança do que fez Claude Bernard na Sorbonne no Séc XIX. A investigação que envolve todos os actuais processos de doutoramento ocupam uma parte considerável do tempo das pessoas que estão inseridas no Instituto.
Em relação à questão dos futuros médicos, temos muitos estudantes, que nos chegam através do GAPIC e todos os anos realizam aqui projectos. São geralmente muito bons e realizam trabalho de muito boa qualidade, tendo alguns sido inclusivamente galardoados com prémios quando da apresentação dos seus trabalhos experimentais.
Em relação à nossa intervenção na comunidade, podemos ser mesmo considerados uns ‘activistas’, nomeadamente desde 1997, quando fui eleito membro da Dana Alliance for Brain Initiatives, uma fundação que tem a sua sede em Nova Iorque e que todos os anos promove a organização do que se designa como a «Semana do Cérebro». Fomos mesmo pioneiros na introdução dessa iniciativa em Portugal, em 1999, tendo sido uma constante desde essa data. Consiste, por um lado numa presença através dos média, designadamente através de textos e entrevistas publicados nos jornais, na rádio e na televisão, e por outro, passa pela nossa intervenção nas Escolas Secundárias. Há, desde o início, toda uma mobilização desta unidade para irmos às escolas do ensino secundário a pedido das mesmas. Todos os anos temos mantido ainda actividades várias no Pavilhão do Conhecimento, através de várias diligências como, por exemplo, num ano em que o tema foi o cérebro e a música, tendo sido convidados para o efeito prelectores nacionais e estrangeiros, para além de uma série de outros aspectos ligados ao interesse pelo cérebro que possa surgir por parte da comunidade, fora do estrito âmbito académico. São actividades, todas elas, asseguradas por iniciativas generosas dos colaboradores do Instituto. Trata-se, pois, de uma actividade voluntária, onde participam, para além dos colaboradores mais seniores, estudantes de Doutoramento e todos os que se mostrarem disponíveis, a fim de, dessa forma, podermos vir a assegurar interacções com o maior número de escolas. Embora o núcleo principal destas actividades seja predominantemente vocacionada para o ensino secundário, temos alargado esta acção igualmente a escolas primárias, adequando-se, nesses casos, a linguagem ao nível dos alunos, falando sobre a importância do cérebro, assim como sobre as consequências que podem advir do facto de, se se cuidar mal deste órgão.
É, em suma, uma actividade que tem sido sempre acolhida com grande entusiasmo.
Newsletter: O Instituto é composto por um equipa de colaboradores, como descreve a organização dessa equipa nas várias actividades desenvolvidas pelo Instituto?
Professor Alexandre Ribeiro: O Instituto incorpora uma unidade de investigação do IMM, que é a Unidade de Neurociências organizada em cinco grupos independentes e os seus responsáveis intervêm também na docência em particular na pós-graduação. Cada grupo tem, além de um responsável, ‘pós-docs’, estudantes de doutoramento com bolsas da FCT, estudantes de mestrado, alguns também assistentes da Faculdade, que estão a fazer doutoramentos e tem ainda bolseiros de Investigação inseridos nos projectos da FCT. O Instituto integra ainda presentemente dois investigadores da FCUL que decidiram após anos de investigação noutras áreas dedicar-se agora às Neurociências. O nosso grande interesse é, no fundo, compreender os mecanismos moleculares e celulares da actividade das células que existem no cérebro, os neurónios e as células da glia, e perceber como é que funcionam a nível molecular, a nível celular e, também, dentro do possível, num nível um pouco mais integrado, que vai até aspectos de natureza comportamental e fazer a translação para as doenças. Fazer esta transição from the bench to the bed. Estamos convencidos que compreendendo como é que se aplicam os conhecimentos podemos chegar a melhores tratamentos, i.e., a melhor uso dos fármacos que são utilizados em doenças neurológicas e psiquiátricas. Como objectivos principais destes grupos, diria que o ‘Neuromodulation and Plasticity group, tem que ver com a memória, e aprendizagem, pois tudo o que se passa com estas actividades durante toda a nossa vida, está relacionado com as sinapses serem mais ou menos plásticas. Eu sou o responsável deste grupo. Um outro grupo, ‘Neuroprotection Group’, de que é responsável a Prof. Ana Sebastião (que actualmente é quem dirige a Unidade de Neurociências), que se dedica a compreender como é que o cérebro funcionará se melhorarmos o sistema de neuroprotecção, em particular ao nível das sinapses em condições de hipóxia. Um outro grupo, ‘Receptor Biology and Cognition group’, dirigido pela Doutora. Luísa Lopes, que é staff-scientist do Instituto de Medicina Molecular, dedica-se sobretudo a aspectos comportamentais, e estuda aspectos cognitivos e neuroquímicos ligados ao stress. Existe também o ‘Regulation of Neuronal Death group’, que está mais focado na maneira como os neurónios morrem, e é gerido pela Professora Maria José Diógenes. Em modelos de Doença de Alzheimer, Doença de Parkinson, Esclerose Lateral Amiotrófica, Epilepsia, investiga-se como é que os neurónios morrem. E um último grupo, o ‘Inhibitory Synapses Group’, é o grupo das sinapses inibitórias tendo como foco principal as sinapses glicinérgicas. São sinapses que reduzem a actividade excitatória de alguns neurónios, no caso da epilepsia, os mediadores inibitórios são decisivos na regulação da excitabilidade neuronial. Quem dirige este grupo é a Doutora Cláudia Valente.
Newsletter: Como caracteriza a relação do Instituto com as outras instituições que compõem o Centro Académico de Medicina de Lisboa?
Professor Alexandre Ribeiro: Obviamente que este Instituto acarinha muito a criação do Centro Académico de Medicina. Eu penso que é difícil o exercício da qualidade de uma actividade de investigação na área básica sem haver também uma atmosfera, um sítio onde se faça depois a prática do conhecimento, que resulta dessa actividade ao nível básico. Portanto, a criação do Centro Académico, ao criar uma nova estrutura, que dê maior coesão à ligação entre a FMUL, o IMM e o Hospital, vai criar condições para que ocorra uma investigação mais translacional. Há também uma expectativa de que isso crie as condições para saltos não só qualitativos como quantitativos, em termos, por exemplo, de produtividade científica. Há um reforço da actividade global deste campo com a criação deste Centro, pioneiro em Portugal, e inspirado no que tem acontecido em países como a Holanda onde se procura um maior desenvolvimento e a excelência, com a introdução de novos modelos para aumentar as sinergias entre ensino, investigação e actividade assistencial. Acho que a criação deste Centro é um aspecto muito importante para a construção de novas realidades do ponto de vista estrutural e funcional para a actividade na Área das Ciências da Saúde, globalmente. Sobre as relações entre a Faculdade, o Hospital e o IMM, penso que há uma dinâmica nova, há uma responsabilização maior para o diálogo, para as pessoas fertilizarem conceitos, ideias. Na academia, a nossa missão é a formação dos médicos, formar bons médicos, os melhores médicos, e há uma ideia, que já não é de agora, a de que o melhor médico é também o melhor cientista, isto é, aquele que tem um espírito científico mais aperfeiçoado.
Newsletter: Uma vez que estamos numa sociedade global, a ciência é transmitida além fronteiras pelo mundo inteiro, como é que define a relação do Instituto com outras entidades internacionais?
Prof. Doutor Alexandre Ribeiro: Estamos internacionalizados através do ensino, por exemplo, o Mestrado/Doutoramento em Neurociências faz parte da rede europeia dos mestrados e doutoramentos em Neurociências. Todos os anos várias pessoas do estrangeiro pedem para participar neste mestrado e doutoramento. Mas nem sempre tem sido fácil, porque este mestrado tem um condicionamento que é não oferecer bolsas. Há ainda a internacionalização que resulta da vinda de ‘pós-docs’ estrangeiros. Por outro lado as bolsas da FCT dos nossos estudantes de doutoramento prevêm que durante o seu doutoramento, vão ter que estar durante alguns períodos em laboratórios estrangeiros. Isto é uma forma de, por um lado, de melhorarem as suas qualificações e a percepção do que se faz noutros laboratórios e, por outro lado, de internacionalizar esses jovens através dessa interacção ao mesmo tempo que internacionalizamos também a estrutura a que eles pertencem, neste caso o nosso Instituto. Sucede, ainda que todos os membros do grupo pertencem a várias sociedades científicas internacionais, onde muitas vezes participam em simpósia assim como em estágios e frequentemente convidados para realizar conferências no estrangeiro.
Newsletter: Como membro e ex-presidente da Sociedade Portuguesa de Neurociências, qual a sua opinião sobre o papel desta sociedade científica na teia de relações entre hospitais, faculdades / centros / unidades de investigação e a comunidade?
Professor Alexandre Ribeiro: As pessoas do Instituto têm participado nas direcções, quer da Sociedade Portuguesa de Neurociências, quer da Sociedade Portuguesa de Farmacologia. Algumas têm ocupado o lugar de presidentes destas sociedades e outras outros cargos. As actividades destas sociedades científicas têm-se cruzado com as de outras sociedades, como, por exemplo, a interacção da Sociedade Portuguesa de Neurociências com a Sociedade Portuguesa de Neurologia, que têm realizado reuniões conjuntas. O nosso Laboratório de Neurociências, quando foi criado,em 1997, estava ligado à Neurologia, porque estava inserido no Centro de Neurociências de Lisboa. Este Centro com os outros centros da FMUL que tinham sido classificados de ‘excelente’ ou ‘muito bom’ pela FCT juntaram-se para criar o Instituto de Medicina Molecular.
Newsletter: Para terminar, deixamos à consideração do senhor Professor mais algumas palavras que veja oportunas dirigir aos nossos leitores.
Professor Alexandre Ribeiro: Desejo que seja possível manter apesar das dificuldades a qualidade do ensino e da investigação que têm lugar no Centro Académico nomeadamente as inovações introduzidas nas actividades curriculares, que mudaram da forma mais clássica e tradicional para uma forma mais avançada em relação à integração profissional dos alunos na sua actividade clínica. Por outro lado, a criação de outro instituto que vai ficar no campus, próximo do Edifício Egas Moniz, o Instituto Câmara Pestana, virá trazer novas oportunidades para o ensino e investigação em várias áreas, nomeadamente na área da medicina experimental. Será um desafio em relação à investigação de translação, uma vez que o novo instituto passará a ser uma interface entre a ciência mais fundamental e a sua aplicação à clínica, será pois, uma mais valia para actividade de todo este campus. Espero que nós todos, e certamente o Instituto de Farmacologia e Neurociências e a Unidade de Neurociências irão, com entusiasmo acarinhar este novo projecto.
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