Espaço Aberto
Projecto de Investigação no Âmbito do Estudo LADIS - LeukoAraisosis and DISability
O projecto de investigação “A influência das alterações da substância branca cerebral na qualidade de vida e no estado funcional no envelhecimento”, enquadra-se no âmbito de um estudo cooperativo europeu das alterações da substância branca cerebral, o estudo LADIS (LeukoAraisosis and DISability).
Apesar da primeira descrição do quadro clínico, associado às alterações da substância branca cerebral, ter sido relatada há mais de 100 anos, os estudos sobre as alterações da substância branca cerebral têm sido sobretudo desenvolvidos nos últimos 20 anos, depois da descrição imagiológica das mesmas (designadas leukoaraiosis), através das técnicas de Tomografia Cerebral e /ou Ressonância Magnética . Os estudos publicados ao longo destes anos produziram resultados controversos e até mesmo contraditórios, sobre a implicação das alterações da substância branca cerebral na cognição, na marcha, no controlo urinário e na depressão. O estudo LADIS surgiu de um esforço cooperativo europeu, multicêntrico, em avaliar o impacto das alterações da substância branca cerebral na transição de um estado de saúde /autonomia para um estado de incapacidade /dependência, no envelhecimento.
O estudo iniciou-se em 2000 e decorreu em 11 centros europeus (Amsterdão, Copenhaga, Florença, Helsínquia, Lisboa, Gotemburgo, Graz, Huddinge, Manheim, Newcastle e Paris). Coube a alguns centros a coordenação de grupos de investigação. O grupo de Lisboa, constituído pelo Prof. Doutor José Manuel Ferro, pela Dra. Sofia Madureira e por mim foi, desde o início do projecto, responsável por toda a parte cognitiva. Esta consistiu na harmonização dos testes cognitivos a utilizar por todos os centros, no desenho da bateria de avaliação neuropsicológica (Madureira et al, 2006), na produção das normas de utilização da bateria, na definição das medidas de defeito cognitivo e de declínio ao longo do tempo, na supervisão da qualidade dos dados registados, na confirmação dos diagnósticos cognitivos finais, na definição da forma de avaliação estatística dos dados cognitivos, na coordenação das publicações do foro cognitivo e, finalmente, na produção de publicações de resultados do estudo. O mesmo processo de harmonização de medidas de avaliação e registo realizado pelo grupo de Lisboa, no que concerne à parte cognitiva, foi efectuado nas diversas áreas em estudo: estado global e funcional, qualidade de vida, funcionamento motor e marcha, pelos restantes grupos organizados em grupos de trabalho consoante as áreas de interesse. Com o resultado produziu-se um manual de orientação para todos os centros participantes (Pantoni et al, 2005).
Incluiram-se no estudo 639 sujeitos, com mais de 65 anos (idade média 74.1 ± 5.0 anos; 55% do género feminino), independentes nas actividades de vida diária (definição de acordo com a escala de actividades de vida diária - IADL (Lawton et al), com alterações da substância branca cerebral, de qualquer gravidade, classificadas de acordo com a escala de Fazekas (2) (alterações ligeiras: 44%, moderadas: 31%, severas: 25%, na inclusão), mínimo de 4 anos de escolaridade (escolaridade média: 9.6±3.8 anos), sem patologia médica, neurológica ou psiquiátrica major ou que comprometesse o seguimento a longo prazo. Os sujeitos foram avaliados usando a mesma bateria de registo na inclusão e, anualmente, ao longo de 3 anos. Foi realizada RMN CE na inclusão e no fim do seguimento do estudo. Fez-se um seguimento adicional, maioritariamente telefónico, 5 anos após a inclusão.
O estudo LADIS veio confirmar o impacto marcado das alterações da substância branca cerebral na transição para declínio funcional após 3 anos, com um risco de 30% de transição anual para incapacidade no grupo de alterações graves da substância branca, contrastando com 11% de risco no grupo de alterações ligeiras. As alterações da substância branca associaram-se, de forma independente, a urgência urinária (Poggesi et al, 2008) a alterações da marcha e do equilíbrio (Baezner H et al, 2008) e a depressão (Teodorczuk A et al, 2010 ) .
A nível cognitivo verificou-se que, mesmo no início do estudo, os idosos independentes com alterações da substância branca cerebral grave apresentavam pior desempenho na realização de provas de funções executivas, atenção e velocidade, quando comparados com os que tinham alterações da substância branca de grau ligeiro ou moderado (Verdelho et al, 2007).
No fim dos 3 anos de seguimento do estudo, 90 sujeitos tiveram um diagnóstico clínico de demência (demência vascular, 54; doença de Alzheimer, 22; doença de Alzheimer com componente vascular, 12; demência frontotemporal, 2) e 147 doentes tiveram diagnóstico de defeito cognitivo sem critérios de demência (defeito cognitivo vascular sem critérios de demência, 86; defeito cognitivo ligeiro, 61). Ao longo do tempo, as alterações da substância branca foram preditoras de declínio cognitivo (Verdelho et al, 2010). Foi ainda possível predizer diferentes tipos de demência, ao longo do tempo: a demência vascular foi determinada por alterações graves da substância branca cerebral e pela presença de antecedentes de acidente vascular cerebral, enquanto a doença de Alzheimer foi determinada pela atrofia do lobo temporal e não pelas alterações da substância branca (Verdelho et al , 2010).
Os resultados do estudo LADIS continuam a ser analisados tendo, até à data, originado 37 publicações em revistas internacionais. O projecto de investigação que apresentei, surge pela necessidade de responder à questão, muito prática, colocada pelos doentes que procuram um clínico para saber qual a consequência na sua saúde de ter “pintas” na cabeça, encontradas num exame que fizeram, estando parte dos predictores cognitivos identificados pelo nosso grupo de trabalho disponíveis já nas publicações efectuadas.
Ana Verdelho
averdelho@fm.ul.pt
_____________
Bibliografia
1. Pantoni L, Basile AM, Pracucci G, et al. Impact of age-related cerebral white matter changes on the transition to disability—The LADIS study: rationale, design and methodology. Neuroepidemiology 2005;24:51–62.
2. Madureira S, Verdelho A, Ferro JM, et al. Development of a neuropsychological battery for a multinational study: the LADIS. Neuroepidemiology 2006;27:101–116.
3. Fazekas F, Chawluk JB, Alavi A, et al. MR signal abnormalities at 1.5T in Alzheimer’s dementia and normal aging. AJNR Am J Neuroradiol 1987;8:421–426.
4. Lawton MP, Brody EM. Assessment of older people: self-maintaining and instrumental activities of daily living. Gerontologist 1969;9:179–186.
5. Verdelho A, Madureira S, Ferro JM, et al. Differential impact of cerebral white matter changes, diabetes, hypertension and stroke on cognitive performance among non-disabled elderly. The LADIS study. J Neurol Neurosurg Psychiatry 2007;78:1325-1330.
6. Poggesi A, Pracucci G, Chabriat H, Erkinjuntti T,et al. Urinary complaints in nondisabled elderly people with age-related white matter changes: the Leukoaraiosis And DISability (LADIS) StudyJAGS 2008; 56:1638–1643,
7. Teodorczuk A Firbank MJ, Pantoni L, Poggesi A, et al Relationship between baseline white-matter changes and development of late-life depressive symptoms: 3-year results from the LADIS study Psychol Med. 2010 Apr;40(4):603-10.
8. Baezner H, Blahak C, Poggesi A, Pantoni L, et al Association of gait and balance disorders with age-related white matter changes: the LADIS study Neurology® 2008;70:935–942
9. Verdelho A, Madureira S, Moleiro C, Ferro JM et al White matter changes and diabetes predict cognitive decline in the elderly: the LADIS study.Neurology® 2010;75:160–167
Apesar da primeira descrição do quadro clínico, associado às alterações da substância branca cerebral, ter sido relatada há mais de 100 anos, os estudos sobre as alterações da substância branca cerebral têm sido sobretudo desenvolvidos nos últimos 20 anos, depois da descrição imagiológica das mesmas (designadas leukoaraiosis), através das técnicas de Tomografia Cerebral e /ou Ressonância Magnética . Os estudos publicados ao longo destes anos produziram resultados controversos e até mesmo contraditórios, sobre a implicação das alterações da substância branca cerebral na cognição, na marcha, no controlo urinário e na depressão. O estudo LADIS surgiu de um esforço cooperativo europeu, multicêntrico, em avaliar o impacto das alterações da substância branca cerebral na transição de um estado de saúde /autonomia para um estado de incapacidade /dependência, no envelhecimento.
O estudo iniciou-se em 2000 e decorreu em 11 centros europeus (Amsterdão, Copenhaga, Florença, Helsínquia, Lisboa, Gotemburgo, Graz, Huddinge, Manheim, Newcastle e Paris). Coube a alguns centros a coordenação de grupos de investigação. O grupo de Lisboa, constituído pelo Prof. Doutor José Manuel Ferro, pela Dra. Sofia Madureira e por mim foi, desde o início do projecto, responsável por toda a parte cognitiva. Esta consistiu na harmonização dos testes cognitivos a utilizar por todos os centros, no desenho da bateria de avaliação neuropsicológica (Madureira et al, 2006), na produção das normas de utilização da bateria, na definição das medidas de defeito cognitivo e de declínio ao longo do tempo, na supervisão da qualidade dos dados registados, na confirmação dos diagnósticos cognitivos finais, na definição da forma de avaliação estatística dos dados cognitivos, na coordenação das publicações do foro cognitivo e, finalmente, na produção de publicações de resultados do estudo. O mesmo processo de harmonização de medidas de avaliação e registo realizado pelo grupo de Lisboa, no que concerne à parte cognitiva, foi efectuado nas diversas áreas em estudo: estado global e funcional, qualidade de vida, funcionamento motor e marcha, pelos restantes grupos organizados em grupos de trabalho consoante as áreas de interesse. Com o resultado produziu-se um manual de orientação para todos os centros participantes (Pantoni et al, 2005).
Incluiram-se no estudo 639 sujeitos, com mais de 65 anos (idade média 74.1 ± 5.0 anos; 55% do género feminino), independentes nas actividades de vida diária (definição de acordo com a escala de actividades de vida diária - IADL (Lawton et al), com alterações da substância branca cerebral, de qualquer gravidade, classificadas de acordo com a escala de Fazekas (2) (alterações ligeiras: 44%, moderadas: 31%, severas: 25%, na inclusão), mínimo de 4 anos de escolaridade (escolaridade média: 9.6±3.8 anos), sem patologia médica, neurológica ou psiquiátrica major ou que comprometesse o seguimento a longo prazo. Os sujeitos foram avaliados usando a mesma bateria de registo na inclusão e, anualmente, ao longo de 3 anos. Foi realizada RMN CE na inclusão e no fim do seguimento do estudo. Fez-se um seguimento adicional, maioritariamente telefónico, 5 anos após a inclusão.
O estudo LADIS veio confirmar o impacto marcado das alterações da substância branca cerebral na transição para declínio funcional após 3 anos, com um risco de 30% de transição anual para incapacidade no grupo de alterações graves da substância branca, contrastando com 11% de risco no grupo de alterações ligeiras. As alterações da substância branca associaram-se, de forma independente, a urgência urinária (Poggesi et al, 2008) a alterações da marcha e do equilíbrio (Baezner H et al, 2008) e a depressão (Teodorczuk A et al, 2010 ) .
A nível cognitivo verificou-se que, mesmo no início do estudo, os idosos independentes com alterações da substância branca cerebral grave apresentavam pior desempenho na realização de provas de funções executivas, atenção e velocidade, quando comparados com os que tinham alterações da substância branca de grau ligeiro ou moderado (Verdelho et al, 2007).
No fim dos 3 anos de seguimento do estudo, 90 sujeitos tiveram um diagnóstico clínico de demência (demência vascular, 54; doença de Alzheimer, 22; doença de Alzheimer com componente vascular, 12; demência frontotemporal, 2) e 147 doentes tiveram diagnóstico de defeito cognitivo sem critérios de demência (defeito cognitivo vascular sem critérios de demência, 86; defeito cognitivo ligeiro, 61). Ao longo do tempo, as alterações da substância branca foram preditoras de declínio cognitivo (Verdelho et al, 2010). Foi ainda possível predizer diferentes tipos de demência, ao longo do tempo: a demência vascular foi determinada por alterações graves da substância branca cerebral e pela presença de antecedentes de acidente vascular cerebral, enquanto a doença de Alzheimer foi determinada pela atrofia do lobo temporal e não pelas alterações da substância branca (Verdelho et al , 2010).
Os resultados do estudo LADIS continuam a ser analisados tendo, até à data, originado 37 publicações em revistas internacionais. O projecto de investigação que apresentei, surge pela necessidade de responder à questão, muito prática, colocada pelos doentes que procuram um clínico para saber qual a consequência na sua saúde de ter “pintas” na cabeça, encontradas num exame que fizeram, estando parte dos predictores cognitivos identificados pelo nosso grupo de trabalho disponíveis já nas publicações efectuadas.
Ana Verdelho
averdelho@fm.ul.pt
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Bibliografia
1. Pantoni L, Basile AM, Pracucci G, et al. Impact of age-related cerebral white matter changes on the transition to disability—The LADIS study: rationale, design and methodology. Neuroepidemiology 2005;24:51–62.
2. Madureira S, Verdelho A, Ferro JM, et al. Development of a neuropsychological battery for a multinational study: the LADIS. Neuroepidemiology 2006;27:101–116.
3. Fazekas F, Chawluk JB, Alavi A, et al. MR signal abnormalities at 1.5T in Alzheimer’s dementia and normal aging. AJNR Am J Neuroradiol 1987;8:421–426.
4. Lawton MP, Brody EM. Assessment of older people: self-maintaining and instrumental activities of daily living. Gerontologist 1969;9:179–186.
5. Verdelho A, Madureira S, Ferro JM, et al. Differential impact of cerebral white matter changes, diabetes, hypertension and stroke on cognitive performance among non-disabled elderly. The LADIS study. J Neurol Neurosurg Psychiatry 2007;78:1325-1330.
6. Poggesi A, Pracucci G, Chabriat H, Erkinjuntti T,et al. Urinary complaints in nondisabled elderly people with age-related white matter changes: the Leukoaraiosis And DISability (LADIS) StudyJAGS 2008; 56:1638–1643,
7. Teodorczuk A Firbank MJ, Pantoni L, Poggesi A, et al Relationship between baseline white-matter changes and development of late-life depressive symptoms: 3-year results from the LADIS study Psychol Med. 2010 Apr;40(4):603-10.
8. Baezner H, Blahak C, Poggesi A, Pantoni L, et al Association of gait and balance disorders with age-related white matter changes: the LADIS study Neurology® 2008;70:935–942
9. Verdelho A, Madureira S, Moleiro C, Ferro JM et al White matter changes and diabetes predict cognitive decline in the elderly: the LADIS study.Neurology® 2010;75:160–167