Espaço Aberto
Papel do Peptídeo Natriurético de Tipo B na Classificação do Tipo AVC Isquémico
Em cerca de 30 a 40 % dos Acidentes Vasculares Cerebrais (AVC) isquémicos não é possível determinar uma etiologia. Tal acontece, frequentemente, mesmo após uma investigação clínica exaustiva. É possível que uma fracção destes AVC’s, denominados criptogénicos, ocorra após um episódio de fibrilhação auricular (FA) paroxístico, que não pôde ser documentado. Os AVC’s relacionados com FA são geralmente graves, com uma mortalidade estimada ao 1º ano de 50%. Têm uma elevada recorrência e resultam em morbilidade e custos significativos. A correcta identificação de uma etiologia cardioembolica nestes doentes é importante, uma vez que está demonstrado que a anticoagulação oral, comparativamente com a terapêutica antiagregante, reduz o risco de AVC recorrente em doentes com FA não-valvular e poderá estar associada a menor gravidade do AVC em caso de recorrência.
Os meios complementares de diagnóstico actuais têm baixa capacidade para detectar FA paroxística. Apesar do Holter ser superior ao electrocardiograma, numa revisão sistemática a capacidade do Holter (24-72 horas). para detectar FA paroxística. foi de 4,6%. Monitorizações mais prolongadas (4-7 dias) detectam FA em mais 8% de doentes. Registos prolongados de eventos com duração de 7 dias, aos 0, 3 e 6 meses após um AVC, detectaram FA em 14% de doentes.
Assim, é necessário equacionar formas alternativas de detectar uma possível etiologia cardioembólica nos AVC’s criptogénicos. A importância de uma correcta identificação de um AVC como cardioembólico conduziu à hipótese de utilização de biomarcadores para o seu diagnóstico.
Estudos anteriores demonstraram um aumento das concentrações séricas do Peptideo Natriurético Cerebral (BNP), durante a fase aguda do AVC isquémico, quando comparados com as de controlos e com os pontos de corte estabelecidos para insuficiência cardíaca. O Peptídeo Natriurético Cerebral (BNP) é uma neurohormona que tem sido estudada e divulgada como uma hormona natriurética cardíaca. Contudo, estudos recentes sugerem que pode ter um papel importante na fisiopatologia do AVC agudo. Quimicamente é um péptido inicialmente produzido como uma pró-hormona denominada pró-BNP. O pró-BNP é, posteriormente, subdividido no BNP biologicamente activo e no N-terminal-proBNP (NT-proBNP), sem actividade biológica. A maior parte dos ensaios mede o NT-proBNP. Até agora atribui-se a produção de BNP a dois locais: o cérebro e, principalmente, o coração. Aqui, o principal estímulo para a síntese e secreção de BNP é o estiramento dos miócitos. Num estado fisiológico normal, a aurícula é o principal local de produção cardíaca. As catecolaminas, angiotensina II e endotelina podem estimular a secreção de BNP, através de mecanismos parácrinos ou endócrinos. Presume-se que o NT-proBNP seja eliminado da circulação por excreção renal. Os efeitos biológicos do BNP incluem natriurese, diurese, vasodilatação, inibição do eixo renina-angiotensina-aldosterona e sistema nervoso simpático. Este péptido é, actualmente, utilizado como marcador de disfunção ventricular esquerda e de prognóstico em doentes com insuficiência cardíaca congestiva (ICC) e com síndromes coronários agudos. Observaram-se níveis plasmáticos elevados de NT-proBNP em doentes com insuficiência renal, hipertensão essencial e disritmias, tal como FA. A idade avançada e níveis baixos de hemoglobina estão associados a elevação plasmática de BNP.
Apesar do BNP ter sido primariamente identificado no tecido cerebral, a informação actual sobre este péptido natriurético na doença cerebrovascular é limitada. Alguns trabalhos realizados mostraram uma elevação aguda do NT-pro-BNP durante a fase aguda do AVC isquémico.
Foram colocadas quatro hipóteses para a elevação do NT-proBNP durante o AVC isquémico agudo:
- Estes doentes têm, por vezes, insuficiência cardíaca e o aumento de BNP poderia reflectir disfunção ventricular.
- Poderia estar relacionado com FA, um factor de risco para AVC e causa de elevação de BNP.
- Sendo o cérebro um local de produção de BNP, poderia surgir após lesão do parênquima cerebral
- Tendo efeitos simpaticoinibitórios, o aumento do BNP poderia surgir em resposta a um aumento da actividade simpática.
Num trabalho anterior, que realizámos no âmbito da elaboração de uma dissertação original no âmbito do curso de Mestrado em Neurociências da FMUL, procurámos determinar se a elevação de NT-proBNP, na fase aguda do AVC isquémico, poderia ter uma origem cardíaca. Os resultados sugeriram que o aumento da concentração sérica de NT-proBNP que ocorre no contexto do AVC tem uma origem cardíaca. Verificámos que os doentes com AVC isquémico cardioembólico tiveram concentrações médias de NT-proBNP superiores, de forma estatisticamente significativa, às dos doentes com AVC isquémico não-cardioembolico. Não se encontrou uma associação entre a concentração sérica de NT-proBNP e a extensão/localização do AVC ou os valores de pressão arterial. O NT-proBNP teve uma capacidade muito boa para diagnosticar AVC cardioembólico associado a fibrilhação auricular, nas primeiras 72 horas após AVC isquémico, tendo sido determinados através da análise de curvas ROC, dois pontos de corte com elevada sensibilidade e especificidade. Para a identificação de AVC de etiologia cardioembólica obteve-se um valor de área abaixo da curva (AUC) de 0,77±0,06. Estabelecemos o ponto de corte com a maior especificidade e sensibilidade em 265,50 pg/mL (71,4% e 74%, respectivamente). Para identificação de AVC de etiologia cardioembólica com FA obteve-se uma AUC de 0,92±0,03. O valor de NT-proBNP estabelecido como ponto de corte foi 265,50 pg/mL (sensibilidade 94,4%, especificidade 72,9%) e 912,0 pg/mL (sensibilidade 55,5%, especificidade 97,9%).
Realiza-se agora outro estudo, numa amostra diferente, com um maior número de doentes, para validar os pontos de corte estabelecidos. Procura-se, também, identificar possíveis fontes de variação do NT-proBNP e, nomeadamente, estabelecer o perfil de evolução temporal do NT-proBNP após um AVC isquémico. O trabalho tem a orientação do Professor José Ferro e da Professora Dulce Brito e a colaboração do Dr. Sampaio Matias e dos médicos da Unidade de Acidentes Vasculares Cerebrais do Serviço de Neurologia do Hospital de Santa Maria.
Ana Catarina Fonseca
Serviço de Neurologia
Hospital de Santa Maria
catarinagfonseca@gmail.com
Os meios complementares de diagnóstico actuais têm baixa capacidade para detectar FA paroxística. Apesar do Holter ser superior ao electrocardiograma, numa revisão sistemática a capacidade do Holter (24-72 horas). para detectar FA paroxística. foi de 4,6%. Monitorizações mais prolongadas (4-7 dias) detectam FA em mais 8% de doentes. Registos prolongados de eventos com duração de 7 dias, aos 0, 3 e 6 meses após um AVC, detectaram FA em 14% de doentes.
Assim, é necessário equacionar formas alternativas de detectar uma possível etiologia cardioembólica nos AVC’s criptogénicos. A importância de uma correcta identificação de um AVC como cardioembólico conduziu à hipótese de utilização de biomarcadores para o seu diagnóstico.
Estudos anteriores demonstraram um aumento das concentrações séricas do Peptideo Natriurético Cerebral (BNP), durante a fase aguda do AVC isquémico, quando comparados com as de controlos e com os pontos de corte estabelecidos para insuficiência cardíaca. O Peptídeo Natriurético Cerebral (BNP) é uma neurohormona que tem sido estudada e divulgada como uma hormona natriurética cardíaca. Contudo, estudos recentes sugerem que pode ter um papel importante na fisiopatologia do AVC agudo. Quimicamente é um péptido inicialmente produzido como uma pró-hormona denominada pró-BNP. O pró-BNP é, posteriormente, subdividido no BNP biologicamente activo e no N-terminal-proBNP (NT-proBNP), sem actividade biológica. A maior parte dos ensaios mede o NT-proBNP. Até agora atribui-se a produção de BNP a dois locais: o cérebro e, principalmente, o coração. Aqui, o principal estímulo para a síntese e secreção de BNP é o estiramento dos miócitos. Num estado fisiológico normal, a aurícula é o principal local de produção cardíaca. As catecolaminas, angiotensina II e endotelina podem estimular a secreção de BNP, através de mecanismos parácrinos ou endócrinos. Presume-se que o NT-proBNP seja eliminado da circulação por excreção renal. Os efeitos biológicos do BNP incluem natriurese, diurese, vasodilatação, inibição do eixo renina-angiotensina-aldosterona e sistema nervoso simpático. Este péptido é, actualmente, utilizado como marcador de disfunção ventricular esquerda e de prognóstico em doentes com insuficiência cardíaca congestiva (ICC) e com síndromes coronários agudos. Observaram-se níveis plasmáticos elevados de NT-proBNP em doentes com insuficiência renal, hipertensão essencial e disritmias, tal como FA. A idade avançada e níveis baixos de hemoglobina estão associados a elevação plasmática de BNP.
Apesar do BNP ter sido primariamente identificado no tecido cerebral, a informação actual sobre este péptido natriurético na doença cerebrovascular é limitada. Alguns trabalhos realizados mostraram uma elevação aguda do NT-pro-BNP durante a fase aguda do AVC isquémico.
Foram colocadas quatro hipóteses para a elevação do NT-proBNP durante o AVC isquémico agudo:
- Estes doentes têm, por vezes, insuficiência cardíaca e o aumento de BNP poderia reflectir disfunção ventricular.
- Poderia estar relacionado com FA, um factor de risco para AVC e causa de elevação de BNP.
- Sendo o cérebro um local de produção de BNP, poderia surgir após lesão do parênquima cerebral
- Tendo efeitos simpaticoinibitórios, o aumento do BNP poderia surgir em resposta a um aumento da actividade simpática.
Num trabalho anterior, que realizámos no âmbito da elaboração de uma dissertação original no âmbito do curso de Mestrado em Neurociências da FMUL, procurámos determinar se a elevação de NT-proBNP, na fase aguda do AVC isquémico, poderia ter uma origem cardíaca. Os resultados sugeriram que o aumento da concentração sérica de NT-proBNP que ocorre no contexto do AVC tem uma origem cardíaca. Verificámos que os doentes com AVC isquémico cardioembólico tiveram concentrações médias de NT-proBNP superiores, de forma estatisticamente significativa, às dos doentes com AVC isquémico não-cardioembolico. Não se encontrou uma associação entre a concentração sérica de NT-proBNP e a extensão/localização do AVC ou os valores de pressão arterial. O NT-proBNP teve uma capacidade muito boa para diagnosticar AVC cardioembólico associado a fibrilhação auricular, nas primeiras 72 horas após AVC isquémico, tendo sido determinados através da análise de curvas ROC, dois pontos de corte com elevada sensibilidade e especificidade. Para a identificação de AVC de etiologia cardioembólica obteve-se um valor de área abaixo da curva (AUC) de 0,77±0,06. Estabelecemos o ponto de corte com a maior especificidade e sensibilidade em 265,50 pg/mL (71,4% e 74%, respectivamente). Para identificação de AVC de etiologia cardioembólica com FA obteve-se uma AUC de 0,92±0,03. O valor de NT-proBNP estabelecido como ponto de corte foi 265,50 pg/mL (sensibilidade 94,4%, especificidade 72,9%) e 912,0 pg/mL (sensibilidade 55,5%, especificidade 97,9%).
Realiza-se agora outro estudo, numa amostra diferente, com um maior número de doentes, para validar os pontos de corte estabelecidos. Procura-se, também, identificar possíveis fontes de variação do NT-proBNP e, nomeadamente, estabelecer o perfil de evolução temporal do NT-proBNP após um AVC isquémico. O trabalho tem a orientação do Professor José Ferro e da Professora Dulce Brito e a colaboração do Dr. Sampaio Matias e dos médicos da Unidade de Acidentes Vasculares Cerebrais do Serviço de Neurologia do Hospital de Santa Maria.
Ana Catarina Fonseca
Serviço de Neurologia
Hospital de Santa Maria
catarinagfonseca@gmail.com