Mais e Melhor
O Museu Egas Moniz
Com a transferência do Serviço de Neurologia do Antigo Hospital Escolar de Santa Marta para o novo Hospital de Santa Maria em 1955, foi decidido recolher algumas peças do espólio do antigo serviço e, em particular, os objectos que foram deixados pelo Professor Egas Moniz.
Com o novo Hospital foi também para aí transferido o Centro de Estudos Egas Moniz, criado no Hospital Júlio de Matos, e que tinha por objectivo dar continuidade ao trabalho inovador do Professor Egas Moniz, não só com a idealizada «Escola Portuguesa de Angiologia», como com a continuação dos estudos sobre leucotomia, ainda tão cheios de incertezas. Aquele viria mais tarde a ser instalado na torre da neurologia no piso 6. Nos pisos superiores instalaram-se as áreas de internamento de Neurologia e Neurocirurgia, que integravam na altura um único serviço.
Surgiu então a ideia de expor alguns desses objectos de modo a que permitissem dar a conhecer e perpetuar a memória da obra de Egas Moniz, na sua vertente médica, com especial destaque para a descoberta e aplicações da angiografia e também sobre o Prémio Nobel que lhe foi atribuído em 1949.
Assim, com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, foi instalado num espaço do Piso 6, integrando a área do CEEM, uma área expositiva designada por «Museu Egas Moniz».
Nesse espaço podem ser vistos exemplares bibliográficos mais importantes da obra do Professor, começando por um exemplar da sua primeira publicação, a sua dissertação inaugural: Alterações Anátomo-Patológicas da Difteria (1900). Segue-se o livro capital sobre a descoberta e primeiras aplicações da angiografia: Diagnostic des Tumeurs Cérébrales et Épreuve de L’encephalographie Arterielle (Ed. Masson-Paris 1931), enriquecido com um prefácio de Joseph Babinski. Segue-se L’Angiographie Cérébrale (Ed. Masson – Paris 1934).
Acompanhando a evolução dos trabalhos de Egas Moniz está exposto um exemplar do volume princeps sobre a leucotomia: Tentatives Opératoires dans le Traitement de Certaines Psychoses (Ed. Masson-1936).
De referir ainda os exemplares de cariz auto-biográfico: Confidências de um Investigador Científico(1948) e Nossa Casa (1950).
Sempre que identificamos primeiras edições ou exemplares autografados temos vindo a substituir os expostos por estes, indiscutivelmente mais valiosos.
Em termos bibliográficos, salienta-se ainda o conteúdo de um elegante escaparate em que se dá uma visão alargada das capacidades do nosso Professor. Assim, temos temas histórico-políticos: Um Ano de Política (1920), em que relata os últimos 12 meses como político activo, desde Março de 1918, com Sidónio Pais e terminou igualmente em Março, mas de 1919, com o abandono da Conferência de Paz em Versalhes.
A atestar a versatilidade do autor expõem-se outros volumes: Ao Lado da Medicina, uma colectânea de discursos e conferências e A Neurologia na Guerra (1917), onde se abordam as patologias traumáticas do sistema nervoso resultantes da guerra.
É digno de especial referência um pequeno mas interessante volume: O Abade Faria na História do Hipnotismo (1924), tema de grande interesse neuro-psiquiátrico no século XIX.
Talvez o que mais surpreenda o visitante esclarecido seja uma obra extensa em que o autor aborda com profundidade a vida e obra de Júlio Dinis (1924), por quem tinha particular admiração.
Na vitrina central apresentam-se alguns manuscritos em papel timbrado do Hospital de Santa Marta e também do seu consultório. Aí se podem encontrar receitas e alguns apontamentos sobre doentes seus. Uma delas chegou ao museu através de uma dádiva recente.
Recuperámos e expusemos uma pauta dos alunos da Cadeira de Neurologia de 1927/28, com as respectivas classificações. Igualmente se expõem o programa das aulas com o nome do assistente encarregado de as ministrar.
Exibem-se em seguida uma caixa de madeira com objectos de uso comum (bilhete de eléctrico, parafuso, chave, carro de linhas), utilizados pelo Professor para testar a sensibilidade discriminativa. Seguem-se pequenos cadernos manuscritos com a súmula do tema de aulas: Mielites, Encefalites, etc. Ao lado expõem-se caixas com colecções de diapositivos de vidro utilizadas na época.
Na parte superior da vitrina existe uma sucessão de molduras onde se dispunham varias páginas de uma carta escrita de Paris a Almeida Lima mas que, devido ao efeito da luz, resolvemos recolher e acondicionar devidamente, para que se não deteriorasse mais e utilizámos o espaço para expor uma série de fotografias obtidas em várias épocas da vida de Egas Moniz, algumas praticamente desconhecidas e que obtivemos de várias fontes, merecendo especial relevo as cedidas pelo Arquivo Fotográfico da Câmara Municipal de Lisboa representando Egas Moniz no seu gabinete de deputado em 1908 e fotografado por Joshua Benoliel.
O retrato a pastel da autoria de José Malhoa (1932), representando Egas Moniz com os trajes académicos de Coimbra é uma obra de grande valor artístico, frequentemente cedida, a título de empréstimo, para exposições várias.
Outro ponto importante é, sem dúvida, a reconstituição completa do modesto gabinete de Egas Moniz no Hospital de Santa Marta com as peças originais, o que nos permite mergulhar um pouco no ambiente da sua sala e também lembrar as palavras de Percival Bailey inscritas numa lápide por ocasião da jubilação do Mestre e colocada no átrio do museu: «É certo que grandes coisas se têm feito com insuficientes recursos e ambientes desfavoráveis. Vejam a obra de Cajal em Espanha e de Moniz em Portugal. O génio paira acima destas circunstâncias».
Na sala seguinte ilustram-se as diversas patologias do sistema nervoso central em que a angiografia foi e é, ainda, útil. A colecção comporta cerca de 200 chapas radiográficas que foram sujeitas a um processo de manutenção, tendo todos os antigos vidros que as protegiam sido substituídos por modernos vidros anti-reflexo, tornando a observação mais agradável.
A exposição completa-se com algumas peças utilizadas na angiografia e na leucotomia, além de fotografia das pessoas mais importantes na vida e na obra, começando por sua esposa, passando pelo cirurgião Dr. António Martins, pelo Prof. António Flores e terminando no Prof. Almeida Lima.
Salientam-se, evidentemente, os painéis retro-iluminados que descrevem a descoberta da angiogafia e que além do seu valor histórico apresentam uma disposição de grande valor didáctico e que tem igualmente sido cedido para exposições temporárias.
Numa outra vitrina reproduz-se fielmente o diploma do Prémio Nobel e a medalha respectiva, cujos originais estão na Casa-Museu Egas Moniz em Avanca.
As mais recentes aquisições que, sem dúvida, enriquecem o Museu são uma colecção de álbuns fotográficos, mais de 30, onde se reproduzem casos clínicos com as mais diversas patologias neurológicas e também angiografias do Hospital Escolar de Santa Marta. Esse espólio, que andava disperso, encontra-se agora reunido e devidamente exposto.
Noutra vitrina expõe-se uma colecção de livros de registo cirúrgico, com início nos anos trinta, que também se encontravam dispersos e só recentemente foram recuperados e expostos.
O Museu tem vindo a receber visitas, com frequência crescente, quer por parte de estabelecimentos de ensino, quer por investigadores de outros países.
Tivemos agora a satisfação de ver este Museu ser integrado no conjunto de áreas expositivas que integram o roteiro histórico da Universidade de Lisboa por ocasião das comemorações dos 100 anos da sua criação (1911-2011).
Mas temos também mágoas e a maior é, sem dúvida, a mesa onde foram executadas as primeiras angiografias. Encontra-se tão precioso objecto na sala de espera do serviço de Radiologia do Hospital de Santa Marta, sujeita a uma triste e aviltante sina de mesa de apoio, onde se espalham revistas para entretenimento de quem aguarda na sala de espera.
Não obstante os contactos realizados, não conseguimos a sua cedência para ser preservada com a dignidade a que tem direito pois, seguramente, ficaria bem integrada na sala do Museu onde se exibem angiografias, as primeiras das quais foram obtidas naquela mesma mesa.
Prof. Doutor Victor Oliveira
Responsável do Núcleo Histórico-documental e Museu Egas Moniz
voliveira@fm.ul.pt
Com o novo Hospital foi também para aí transferido o Centro de Estudos Egas Moniz, criado no Hospital Júlio de Matos, e que tinha por objectivo dar continuidade ao trabalho inovador do Professor Egas Moniz, não só com a idealizada «Escola Portuguesa de Angiologia», como com a continuação dos estudos sobre leucotomia, ainda tão cheios de incertezas. Aquele viria mais tarde a ser instalado na torre da neurologia no piso 6. Nos pisos superiores instalaram-se as áreas de internamento de Neurologia e Neurocirurgia, que integravam na altura um único serviço.
Surgiu então a ideia de expor alguns desses objectos de modo a que permitissem dar a conhecer e perpetuar a memória da obra de Egas Moniz, na sua vertente médica, com especial destaque para a descoberta e aplicações da angiografia e também sobre o Prémio Nobel que lhe foi atribuído em 1949.
Assim, com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, foi instalado num espaço do Piso 6, integrando a área do CEEM, uma área expositiva designada por «Museu Egas Moniz».
Nesse espaço podem ser vistos exemplares bibliográficos mais importantes da obra do Professor, começando por um exemplar da sua primeira publicação, a sua dissertação inaugural: Alterações Anátomo-Patológicas da Difteria (1900). Segue-se o livro capital sobre a descoberta e primeiras aplicações da angiografia: Diagnostic des Tumeurs Cérébrales et Épreuve de L’encephalographie Arterielle (Ed. Masson-Paris 1931), enriquecido com um prefácio de Joseph Babinski. Segue-se L’Angiographie Cérébrale (Ed. Masson – Paris 1934).
Acompanhando a evolução dos trabalhos de Egas Moniz está exposto um exemplar do volume princeps sobre a leucotomia: Tentatives Opératoires dans le Traitement de Certaines Psychoses (Ed. Masson-1936).
De referir ainda os exemplares de cariz auto-biográfico: Confidências de um Investigador Científico(1948) e Nossa Casa (1950).
Sempre que identificamos primeiras edições ou exemplares autografados temos vindo a substituir os expostos por estes, indiscutivelmente mais valiosos.
Em termos bibliográficos, salienta-se ainda o conteúdo de um elegante escaparate em que se dá uma visão alargada das capacidades do nosso Professor. Assim, temos temas histórico-políticos: Um Ano de Política (1920), em que relata os últimos 12 meses como político activo, desde Março de 1918, com Sidónio Pais e terminou igualmente em Março, mas de 1919, com o abandono da Conferência de Paz em Versalhes.
A atestar a versatilidade do autor expõem-se outros volumes: Ao Lado da Medicina, uma colectânea de discursos e conferências e A Neurologia na Guerra (1917), onde se abordam as patologias traumáticas do sistema nervoso resultantes da guerra.
É digno de especial referência um pequeno mas interessante volume: O Abade Faria na História do Hipnotismo (1924), tema de grande interesse neuro-psiquiátrico no século XIX.
Talvez o que mais surpreenda o visitante esclarecido seja uma obra extensa em que o autor aborda com profundidade a vida e obra de Júlio Dinis (1924), por quem tinha particular admiração.
Na vitrina central apresentam-se alguns manuscritos em papel timbrado do Hospital de Santa Marta e também do seu consultório. Aí se podem encontrar receitas e alguns apontamentos sobre doentes seus. Uma delas chegou ao museu através de uma dádiva recente.
Recuperámos e expusemos uma pauta dos alunos da Cadeira de Neurologia de 1927/28, com as respectivas classificações. Igualmente se expõem o programa das aulas com o nome do assistente encarregado de as ministrar.
Exibem-se em seguida uma caixa de madeira com objectos de uso comum (bilhete de eléctrico, parafuso, chave, carro de linhas), utilizados pelo Professor para testar a sensibilidade discriminativa. Seguem-se pequenos cadernos manuscritos com a súmula do tema de aulas: Mielites, Encefalites, etc. Ao lado expõem-se caixas com colecções de diapositivos de vidro utilizadas na época.
Na parte superior da vitrina existe uma sucessão de molduras onde se dispunham varias páginas de uma carta escrita de Paris a Almeida Lima mas que, devido ao efeito da luz, resolvemos recolher e acondicionar devidamente, para que se não deteriorasse mais e utilizámos o espaço para expor uma série de fotografias obtidas em várias épocas da vida de Egas Moniz, algumas praticamente desconhecidas e que obtivemos de várias fontes, merecendo especial relevo as cedidas pelo Arquivo Fotográfico da Câmara Municipal de Lisboa representando Egas Moniz no seu gabinete de deputado em 1908 e fotografado por Joshua Benoliel.
Numa vitrina vertical criada com a remodelação do museu, expusemos uma colecção de diplomas das mais prestigiadas instituições políticas e científicas da época outorgadas ao nosso homenageado. O seu elevado número não permitiu a exposição total tendo-se, naturalmente, optado pelas que consideramos mais relevantes.
Mas o material museológico de maior impacto é constituído por vários outros objectos ou conjuntos:
O retrato a pastel da autoria de José Malhoa (1932), representando Egas Moniz com os trajes académicos de Coimbra é uma obra de grande valor artístico, frequentemente cedida, a título de empréstimo, para exposições várias.
Outro ponto importante é, sem dúvida, a reconstituição completa do modesto gabinete de Egas Moniz no Hospital de Santa Marta com as peças originais, o que nos permite mergulhar um pouco no ambiente da sua sala e também lembrar as palavras de Percival Bailey inscritas numa lápide por ocasião da jubilação do Mestre e colocada no átrio do museu: «É certo que grandes coisas se têm feito com insuficientes recursos e ambientes desfavoráveis. Vejam a obra de Cajal em Espanha e de Moniz em Portugal. O génio paira acima destas circunstâncias».
Na sala seguinte ilustram-se as diversas patologias do sistema nervoso central em que a angiografia foi e é, ainda, útil. A colecção comporta cerca de 200 chapas radiográficas que foram sujeitas a um processo de manutenção, tendo todos os antigos vidros que as protegiam sido substituídos por modernos vidros anti-reflexo, tornando a observação mais agradável.
A exposição completa-se com algumas peças utilizadas na angiografia e na leucotomia, além de fotografia das pessoas mais importantes na vida e na obra, começando por sua esposa, passando pelo cirurgião Dr. António Martins, pelo Prof. António Flores e terminando no Prof. Almeida Lima.
Salientam-se, evidentemente, os painéis retro-iluminados que descrevem a descoberta da angiogafia e que além do seu valor histórico apresentam uma disposição de grande valor didáctico e que tem igualmente sido cedido para exposições temporárias.
Numa outra vitrina reproduz-se fielmente o diploma do Prémio Nobel e a medalha respectiva, cujos originais estão na Casa-Museu Egas Moniz em Avanca.
As mais recentes aquisições que, sem dúvida, enriquecem o Museu são uma colecção de álbuns fotográficos, mais de 30, onde se reproduzem casos clínicos com as mais diversas patologias neurológicas e também angiografias do Hospital Escolar de Santa Marta. Esse espólio, que andava disperso, encontra-se agora reunido e devidamente exposto.
Noutra vitrina expõe-se uma colecção de livros de registo cirúrgico, com início nos anos trinta, que também se encontravam dispersos e só recentemente foram recuperados e expostos.
O Museu tem vindo a receber visitas, com frequência crescente, quer por parte de estabelecimentos de ensino, quer por investigadores de outros países.
Tivemos agora a satisfação de ver este Museu ser integrado no conjunto de áreas expositivas que integram o roteiro histórico da Universidade de Lisboa por ocasião das comemorações dos 100 anos da sua criação (1911-2011).
Mas temos também mágoas e a maior é, sem dúvida, a mesa onde foram executadas as primeiras angiografias. Encontra-se tão precioso objecto na sala de espera do serviço de Radiologia do Hospital de Santa Marta, sujeita a uma triste e aviltante sina de mesa de apoio, onde se espalham revistas para entretenimento de quem aguarda na sala de espera.
Não obstante os contactos realizados, não conseguimos a sua cedência para ser preservada com a dignidade a que tem direito pois, seguramente, ficaria bem integrada na sala do Museu onde se exibem angiografias, as primeiras das quais foram obtidas naquela mesma mesa.
Prof. Doutor Victor Oliveira
Responsável do Núcleo Histórico-documental e Museu Egas Moniz
voliveira@fm.ul.pt