Reportagem / Perfil
Entrevista ao Prof. José Ferro - Chefe do Serviço de Neurologia e do Departamento de Neurociências
A Newsletter entrevistou o Professor José Ferro, Professor Catedrático de Neurologia da FML, Chefe do Serviço de Neurologia e do Departamento de Neurociências do CHLN.
«Ao nível das neurociências estamos ainda quase na pré-história do conhecimento. [O futuro] depende muito dos avanços tecnológicos. Actualmente, muito do que nós conhecemos ao nível do sistema nervoso, das áreas que são importantes para coisas como o amor, ou a vontade, dependeram de avanços na ressonância magnética funcional, que é uma tecnologia. Ora, nós temos grande dificuldade em saber ao certo quais vão ser as novas tecnologias daqui a cinco anos. Por exemplo, qual o papel reservado às nanotecnologias no conhecimento do sistema nervoso, etc. Há avanços tecnológicos que nos podem fazer progredir brutalmente e dos quais não estamos à espera. Há sempre uma interacção entre a biologia e outras técnicas. Daí a importância de cursos como a engenharia biomédica, porque daí virão avanços que não são só da Medicina em si.»
Newsletter: O que nos pode dizer sobre a génese desta Unidade Estrutural, a Clínica Universitária de Neurologia, a sua formação, os seus fundadores e que momentos marcam, na sua opinião, a sua criação e a sua história?
Professor José Ferro: A cátedra de Neurologia é bastante antiga, desde o Professor Egas Moniz como o primeiro catedráticos da Neurologia em Lisboa e depois tivemos várias outras pessoas de renome, como o Prof. Almeida Lima, o Professor Lobo Antunes, o Professor Castro Caldas e, portanto, é uma das disciplinas fundamentais do ensino médico, à qual está acoplada esta clínica, que veio do Hospital de Santa Marta para o Hospital de Santa Maria, quando este foi fundado.
Newsletter: Relativamente às actividades que são desenvolvidas por esta clínica, nas três grandes áreas de actuação, nomeadamente o ensino, a investigação e as relações que mantém com a comunidade, o que é que nos pode dizer?
Professor José Ferro: Nós fazemos ensino no curso de Medicina, fazemos ensino também no Mestrado e Doutoramento de Neurociências, participamos ocasionalmente em outras actividades docentes, temos uma actividade de investigação juntamente com o Instituto de Medicina Molecular (IMM), com duas unidades do IMM, uma de Neuromusculares e outra de Investigação Clínica, temos alguns serviços à comunidade, nomeadamente, prestação de exames complementares na área da Neurofisiologia e das avaliações neuropsicológicas, temos o Museu Egas Moniz, que é bastante visitado, temos muitas escolas que vêm visitar o museu, ainda agora tivemos uma escola secundária que veio visitar os vários laboratórios, o museu e uma biblioteca de referência na área das neurociências clínicas.
Newsletter: Relativamente ao que referiu, as visitas que recebem por parte das escolas também tem a ver um pouco com a figura do Professor Egas Moniz…
Professor José Ferro: Algumas com a figura do professor Egas Moniz, outras relaciono com o grande interesse, principalmente os jovens, pelo funcionamento do cérebro. Há uma enorme curiosidade sobre funcionamento do cérebro, as doenças que afectam o cérebro, doenças que hoje em dia são muito faladas. De alguma maneira o Sistema Nervoso é última fronteira do conhecimento biológico e por isso é natural que as pessoas tenham muita curiosidade. É muito desconhecido ainda o cérebro e é natural que as crianças e adolescentes se sintam atraídos por esta área.
Newsletter: Estará talvez aí um dos fundamentos do interesse suscitado e do sucesso, mesmo a nível editorial, por exemplo, de uma figura como o Professor António Damásio, que passou por esta casa, mas não só, vários outros neurologistas têm livros que ultrapassam o âmbito específico da Neurologia para se tornarem, às vezes até, bestsellers…
Professor José Ferro: Exactamente! De alguma maneira nós somos aquilo que o nosso cérebro é, quer do ponto de vista cognitivo, quer relacional ou emocional e, portanto, é natural que as pessoas queiram saber um pouco mais sobre o seu funcionamento e as bases biológicas desse funcionamento.
Newsletter: Quanto à vossa missão pedagógica e no que se refere á formação daqueles que serão os nossos futuros médicos, quais são as metas que estabelecem na sua formação?
Professor José Ferro: Nós temos um ensino que é muito baseado na actividade corrente da enfermaria e do serviço, e temos como metas ensinar aos estudantes de medicina os gestos essências na avaliação neurológica dos doentes, pô-los em contacto com as patologias mais frequentes do sistema nervoso, que são aquelas que eles vão encontrar na sua prática corrente, seja qual for a especialidade ou a actividade que exercerem. Daí que coloquemos um grande ênfase no ensino no ambulatório. Ao contrário do que é tradicional, a maior parte do ensino não é feito dentro da enfermaria, porque os doentes das enfermarias, hoje em dia, são doentes muito complexos, são doentes, digamos, raros ou pouco comuns, pelo que fazemos a maior parte do ensino prático na consulta. Outra coisa a que damos muita importância é tentar dar uma dimensão científica àquilo que ensinamos, estimulando nos estudantes a prática e a participação em projectos de investigação. E temos tido, por exemplo, muitos alunos que nos procuram para fazer as teses finais do Mestrado Integrado. É uma experiência muito gratificante porque são trabalhos de muito boa qualidade, alguns têm dado publicações internacionais e tem sido uma experiência muito interessante.
Newsletter: Os alunos são então submetidos a um ensino com uma grande componente prática?
Professor José Ferro: Tem que haver um corpo de conhecimento teórico, até porque a forma de pensar, do ponto de vista clínico, nas disciplinas que têm que ver com o sistema nervoso é diferente do resto do corpo humano, porque no cérebro há sempre a questão da localização, ou seja, por exemplo, enquanto que no fígado a localização não é muito importante, no cérebro é completamente diferente, um milímetro para o lado pode fazer toda a diferença, na medida em que a estrutura do Sistema Nervoso é muito complexa e, além disso, é distribuída no espaço de determinada maneira e os alunos têm que saber pensar não apenas nas patologias mas na sua localização, portanto têm que ter essa noção anatómica e isto obriga-os a estudar. Muitas vezes têm que fazer um estudo de toda a matéria para conseguir acompanhar os doentes. Mas até é bom que se sintam bastante ignorantes nas primeiras aulas, para os motivar a ter um rendimento máximo e a estudar rapidamente a matéria.
Newsletter: ao nível das parcerias e das relações que esta unidade mantém com os outros organismos que formam o Centro Académico de Medicina, e do que tem sido o vosso contributo específico, o que nos pode dizer?
Professor José Ferro: algumas parecerias que temos estão integradas no próprio ensino, por exemplo, com a oftalmologia, uma vez que fazem parte do mesmo bloco,. Depois temos parcerias naturais que têm que ver com o próprio Hospital, com o Departamento de Neurociências, que inclui também a Neurocirurgia e a Psiquiatria. A Neurocirurgia e a Neurologia foram durante muito tempo e por razões históricas, um único serviço. Depois dividiram-se, mas partilhamos muitas áreas. Somos quase uma única unidade. Depois temos ligações, dentro e fora do Hospital e internacionais, que cada investigador estabelece. Grande parte da investigação de qualidade é hoje feita em redes bastante alargadas e todos os investigadores desta clínica participam nestas redes.
Newsletter: A nível da cooperação institucional internacional, quais é que são as suas expectativas, pessoais e profissionais?
Professor José Ferro: O que eu gostava é que o Centro Académico fosse uma realidade, não só uma realidade do ponto de vista organizativo, mas também uma realidade do ponto de vista administrativo. Ou seja, que houvesse uma entidade única que gerisse todo o centro académico. Vai demorar algum tempo, mas haverá grandes vantagens numa gestão integrada, por exemplo, com todas as contratações se devia ter em conta não só o interesse clínico mas também o interesse académico. Todas as dimensões das carreiras das pessoas deveriam sempre estar presentes.
Newsletter: Referiu anteriormente o parco conhecimento que temos do cérebro e tudo o que daí advém, relativamente ao conhecimento da mente, o problema da consciência… Sem estar a propor-lhe que faça um exercicio de futurologia, o que acha que será legítimo esperarmos desta área, a breve prazo ?
Professor José Ferro: Não gosto nada de fazer futurologia… Creio que, ao nível das Neurociências, estamos ainda quase na pré-história do conhecimento, há coisas que eu posso tentar prever, em termos de avanços, dentro dos próximos cinco anos, talvez, mas a partir daí é quase impossível, depende muito dos avanços tecnológicos. Actualmente, muito do que nós conhecemos ao nível do sistema nervoso, das áreas que são importantes para coisas como o amor, ou a vontade, dependeram de avanços na ressonância magnética funcional, que é uma tecnologia. Ora, nós temos grande dificuldade em saber ao certo quais vão ser as novas tecnologias daqui a cinco anos. Por exemplo, qual o papel reservado às nanotecnologias no conhecimento do sistema nervoso, etc., portanto há avanços tecnológicos que nos podem fazer progredir brutalmente e das quais não estamos à espera. Há sempre uma interacção entre a biologia e outras técnicas. Daí a importância de cursos como a engenharia biomédica, porque daí virão avanços que não são só da Medicina em si.
«Ao nível das neurociências estamos ainda quase na pré-história do conhecimento. [O futuro] depende muito dos avanços tecnológicos. Actualmente, muito do que nós conhecemos ao nível do sistema nervoso, das áreas que são importantes para coisas como o amor, ou a vontade, dependeram de avanços na ressonância magnética funcional, que é uma tecnologia. Ora, nós temos grande dificuldade em saber ao certo quais vão ser as novas tecnologias daqui a cinco anos. Por exemplo, qual o papel reservado às nanotecnologias no conhecimento do sistema nervoso, etc. Há avanços tecnológicos que nos podem fazer progredir brutalmente e dos quais não estamos à espera. Há sempre uma interacção entre a biologia e outras técnicas. Daí a importância de cursos como a engenharia biomédica, porque daí virão avanços que não são só da Medicina em si.»
Newsletter: O que nos pode dizer sobre a génese desta Unidade Estrutural, a Clínica Universitária de Neurologia, a sua formação, os seus fundadores e que momentos marcam, na sua opinião, a sua criação e a sua história?
Professor José Ferro: A cátedra de Neurologia é bastante antiga, desde o Professor Egas Moniz como o primeiro catedráticos da Neurologia em Lisboa e depois tivemos várias outras pessoas de renome, como o Prof. Almeida Lima, o Professor Lobo Antunes, o Professor Castro Caldas e, portanto, é uma das disciplinas fundamentais do ensino médico, à qual está acoplada esta clínica, que veio do Hospital de Santa Marta para o Hospital de Santa Maria, quando este foi fundado.
Newsletter: Relativamente às actividades que são desenvolvidas por esta clínica, nas três grandes áreas de actuação, nomeadamente o ensino, a investigação e as relações que mantém com a comunidade, o que é que nos pode dizer?
Professor José Ferro: Nós fazemos ensino no curso de Medicina, fazemos ensino também no Mestrado e Doutoramento de Neurociências, participamos ocasionalmente em outras actividades docentes, temos uma actividade de investigação juntamente com o Instituto de Medicina Molecular (IMM), com duas unidades do IMM, uma de Neuromusculares e outra de Investigação Clínica, temos alguns serviços à comunidade, nomeadamente, prestação de exames complementares na área da Neurofisiologia e das avaliações neuropsicológicas, temos o Museu Egas Moniz, que é bastante visitado, temos muitas escolas que vêm visitar o museu, ainda agora tivemos uma escola secundária que veio visitar os vários laboratórios, o museu e uma biblioteca de referência na área das neurociências clínicas.
Newsletter: Relativamente ao que referiu, as visitas que recebem por parte das escolas também tem a ver um pouco com a figura do Professor Egas Moniz…
Professor José Ferro: Algumas com a figura do professor Egas Moniz, outras relaciono com o grande interesse, principalmente os jovens, pelo funcionamento do cérebro. Há uma enorme curiosidade sobre funcionamento do cérebro, as doenças que afectam o cérebro, doenças que hoje em dia são muito faladas. De alguma maneira o Sistema Nervoso é última fronteira do conhecimento biológico e por isso é natural que as pessoas tenham muita curiosidade. É muito desconhecido ainda o cérebro e é natural que as crianças e adolescentes se sintam atraídos por esta área.
Newsletter: Estará talvez aí um dos fundamentos do interesse suscitado e do sucesso, mesmo a nível editorial, por exemplo, de uma figura como o Professor António Damásio, que passou por esta casa, mas não só, vários outros neurologistas têm livros que ultrapassam o âmbito específico da Neurologia para se tornarem, às vezes até, bestsellers…
Professor José Ferro: Exactamente! De alguma maneira nós somos aquilo que o nosso cérebro é, quer do ponto de vista cognitivo, quer relacional ou emocional e, portanto, é natural que as pessoas queiram saber um pouco mais sobre o seu funcionamento e as bases biológicas desse funcionamento.
Newsletter: Quanto à vossa missão pedagógica e no que se refere á formação daqueles que serão os nossos futuros médicos, quais são as metas que estabelecem na sua formação?
Professor José Ferro: Nós temos um ensino que é muito baseado na actividade corrente da enfermaria e do serviço, e temos como metas ensinar aos estudantes de medicina os gestos essências na avaliação neurológica dos doentes, pô-los em contacto com as patologias mais frequentes do sistema nervoso, que são aquelas que eles vão encontrar na sua prática corrente, seja qual for a especialidade ou a actividade que exercerem. Daí que coloquemos um grande ênfase no ensino no ambulatório. Ao contrário do que é tradicional, a maior parte do ensino não é feito dentro da enfermaria, porque os doentes das enfermarias, hoje em dia, são doentes muito complexos, são doentes, digamos, raros ou pouco comuns, pelo que fazemos a maior parte do ensino prático na consulta. Outra coisa a que damos muita importância é tentar dar uma dimensão científica àquilo que ensinamos, estimulando nos estudantes a prática e a participação em projectos de investigação. E temos tido, por exemplo, muitos alunos que nos procuram para fazer as teses finais do Mestrado Integrado. É uma experiência muito gratificante porque são trabalhos de muito boa qualidade, alguns têm dado publicações internacionais e tem sido uma experiência muito interessante.
Newsletter: Os alunos são então submetidos a um ensino com uma grande componente prática?
Professor José Ferro: Tem que haver um corpo de conhecimento teórico, até porque a forma de pensar, do ponto de vista clínico, nas disciplinas que têm que ver com o sistema nervoso é diferente do resto do corpo humano, porque no cérebro há sempre a questão da localização, ou seja, por exemplo, enquanto que no fígado a localização não é muito importante, no cérebro é completamente diferente, um milímetro para o lado pode fazer toda a diferença, na medida em que a estrutura do Sistema Nervoso é muito complexa e, além disso, é distribuída no espaço de determinada maneira e os alunos têm que saber pensar não apenas nas patologias mas na sua localização, portanto têm que ter essa noção anatómica e isto obriga-os a estudar. Muitas vezes têm que fazer um estudo de toda a matéria para conseguir acompanhar os doentes. Mas até é bom que se sintam bastante ignorantes nas primeiras aulas, para os motivar a ter um rendimento máximo e a estudar rapidamente a matéria.
Newsletter: ao nível das parcerias e das relações que esta unidade mantém com os outros organismos que formam o Centro Académico de Medicina, e do que tem sido o vosso contributo específico, o que nos pode dizer?
Professor José Ferro: algumas parecerias que temos estão integradas no próprio ensino, por exemplo, com a oftalmologia, uma vez que fazem parte do mesmo bloco,. Depois temos parcerias naturais que têm que ver com o próprio Hospital, com o Departamento de Neurociências, que inclui também a Neurocirurgia e a Psiquiatria. A Neurocirurgia e a Neurologia foram durante muito tempo e por razões históricas, um único serviço. Depois dividiram-se, mas partilhamos muitas áreas. Somos quase uma única unidade. Depois temos ligações, dentro e fora do Hospital e internacionais, que cada investigador estabelece. Grande parte da investigação de qualidade é hoje feita em redes bastante alargadas e todos os investigadores desta clínica participam nestas redes.
Newsletter: A nível da cooperação institucional internacional, quais é que são as suas expectativas, pessoais e profissionais?
Professor José Ferro: O que eu gostava é que o Centro Académico fosse uma realidade, não só uma realidade do ponto de vista organizativo, mas também uma realidade do ponto de vista administrativo. Ou seja, que houvesse uma entidade única que gerisse todo o centro académico. Vai demorar algum tempo, mas haverá grandes vantagens numa gestão integrada, por exemplo, com todas as contratações se devia ter em conta não só o interesse clínico mas também o interesse académico. Todas as dimensões das carreiras das pessoas deveriam sempre estar presentes.
Newsletter: Referiu anteriormente o parco conhecimento que temos do cérebro e tudo o que daí advém, relativamente ao conhecimento da mente, o problema da consciência… Sem estar a propor-lhe que faça um exercicio de futurologia, o que acha que será legítimo esperarmos desta área, a breve prazo ?
Professor José Ferro: Não gosto nada de fazer futurologia… Creio que, ao nível das Neurociências, estamos ainda quase na pré-história do conhecimento, há coisas que eu posso tentar prever, em termos de avanços, dentro dos próximos cinco anos, talvez, mas a partir daí é quase impossível, depende muito dos avanços tecnológicos. Actualmente, muito do que nós conhecemos ao nível do sistema nervoso, das áreas que são importantes para coisas como o amor, ou a vontade, dependeram de avanços na ressonância magnética funcional, que é uma tecnologia. Ora, nós temos grande dificuldade em saber ao certo quais vão ser as novas tecnologias daqui a cinco anos. Por exemplo, qual o papel reservado às nanotecnologias no conhecimento do sistema nervoso, etc., portanto há avanços tecnológicos que nos podem fazer progredir brutalmente e das quais não estamos à espera. Há sempre uma interacção entre a biologia e outras técnicas. Daí a importância de cursos como a engenharia biomédica, porque daí virão avanços que não são só da Medicina em si.