Espaço Aberto
Eficácia da Terapia da Fala Intensiva em Doentes Afásicos de Causa Vascular
Afasia é a perturbação adquirida da linguagem por uma lesão cerebral e que pode afectar a expressão oral, a compreensão auditiva, a leitura e a escrita.
As doenças cardiovasculares em geral e os Acidentes Vaculares Cerebrais (AVC) em particular são a primeira causa de morte nos países desenvolvidos. Nos EUA ocorrem anualmente 795.000 novos casos de AVC, isto é um em cada 40 segundos (American Heart Association, 2010).
A causa mais frequente da afasia, na população adulta, são as doenças cérebro-vasculares, ocorrendo em cerca de 1/3 dos que sofrem AVCs (Pedersen et al., 1995), embora os traumatismos cranio-encefálicos, doenças infecciosas do sistema nervoso central e alguns tumores cerebrais também a possam provocar. A linguagem encontra-se lateralizada preferencialmente ao hemisfério esquerdo, na maioria dos indivíduos dextros, resultando a afasia sobretudo de lesões vasculares daquele hemisfério, sendo que a curva de recuperação da afasia de causa vascular aquela que está melhor caracterizada (Mazzoni et al., 1992).
Após a instalação do defeito inicial verifica-se, quase sempre, alguma recuperação espontânea durante os primeiros três meses (sobretudo nas três primeiras semanas) (Hartman, 1981). A melhoria tende a estabilizar entre o terceiro e o sexto mês e, em regra, não ocorrem modificações significativas do quadro após o primeiro ano de doença (Basso, 1992; Sarno e Levita, 1979), verificando-se mesmo, nalguns casos, uma deterioração clínica (Hanson, 1989; Fonseca et al., 1993).
Em termos psicossociais, a presença de afasia tem um papel determinante na funcionalidade (Paolucci et al., 1988) no estado emocional (Starkstein e Robinson, 1988; Ferro e Madureira, 2002), na qualidade de vida (Melo et al., 1988; Sarno, 1997) e na possibilidade de regresso ao trabalho (Fonseca et al., 1993).
As variáveis biológicas parecem ter particular importância no prognóstico, nomeadamente, a localização e extensão da lesão, a etiologia e a gravidade inicial do quadro afásico (Basso, 1992).
Segundo múltiplos autores (Poeck et al., 1989; Basso, 1992; Mazzoni, 1995) a terapia da fala influencia positivamente a recuperação. A constatação da sua eficácia tem vindo, nos últimos anos, a ser confirmada em estudos de neuroimagem funcional (Small et al., 1998; Musso et al., 1999; Léger et al., 2002; Peck et al., 2004).
Em 2003, Bhogal e colaboradores através de uma revisão sistemática referente à reabilitação da afasia, identificaram todos os estudos controlados (entre 1975 e 2002) e seleccionaram apenas 10 para análise. Concluíram que o efeito positivo da terapêutica ocorria, sobretudo quando esta era ministrada de forma intensiva e breve.
O regime terapêutico clássico é, em regra, de duas ou três sessões semanais, com a duração de uma hora, durante uma média de seis meses.
Desde 2005, que o Laboratório de Estudos de Linguagem ,em colaboração com o Centro de Medicina de Reabilitação do Alcoitão, tem a decorrer um ensaio clínico multicêntrico, controlado e aleatorizado, paralelo (com dois braços) da eficácia da terapia da fala intensiva em doentes afásicos de causa vascular (SPIRIT).
A distribuição dos doentes pelos dois braços terapêuticos é estratificada pela gravidade da afasia.
Em ambos os grupos, os doentes são submetidos a terapia da fala durante 100 horas, distribuídas no grupo de terapia intensiva por duas horas por dia, cinco dias por semana, durante dez semanas e no grupo de controlo por duas sessões semanais de uma hora durante 50 semanas.
Os doentes são avaliados quatro vezes: a inicial (T0); às dez semanas (T1), correspondendo ao final do período de tratamento no grupo da terapia intensiva e a uma avaliação intermédia no grupo de terapia convencional; às 50 semanas (T2) altura final da terapia do grupo de controlo e a uma avaliação tardia do grupo intensivo e às 62 semanas (T3), correspondendo a uma avaliação de seguimento de ambos os grupos.
Os resultados preliminares parecem apontar para uma melhoria mais acentuada e mais rápida do grupo sujeito a terapia da fala na modalidade intensiva, que terá que ser confirmada com a admissão de mais sujeitos no estudo.
Desde o início, foram avaliados 945 sujeitos nos dois centros envolvidos, dos quais apenas 2,9% (27 doentes) foram incluídos no estudo por somente estes preencherem os critérios de inclusão.
Dos sujeitos excluídos, 70% foram-no por um único critério e 30 % por vários.
Dos 655 excluídos unicamente por uma factor, 43,2% foram-no por razões diagnósticas, 10,8% por apresentarem uma afasia muito grave ou muito ligeira, 10% por terem etiologias não elegíveis, cerca de 8% por apresentarem muito tempo de evolução e sensivelmente 28% por múltiplas razões.
O número tão reduzido de sujeitos admitidos neste estudo vem confirmar a dificuldade de se fazerem estudos controlados neste campo do conhecimento, em virtude de estarem em jogo tantas variáveis que podem influenciar o decurso da recuperação. No entanto, só com estudos metodologicamente correctos é que se poderão retirar ilações verdadeiramente credíveis e que poderão verdadeiramente ajudar a compreender qual a melhor forma de atender este tipo de doentes que apresentam dificuldades numa das capacidades mais nobres do Ser Humano: Comunicar.
José Fonseca
Laboratório de Estudos de Linguagem
jfonseca@fm.ul.pt
_______________
Bibliografia:
Basso, A. (1992). Prognostic factors in aphasia. Aphasiology, 6 (4), 337-348.
Bhogal, S.K., Teasell, R., & Speechley, M. (2003). Intensity of aphasia therapy, impact on recovery. Stroke, 34 (4), 98-993.
Ferro, J.M. & Madureira, S. (2002). Recovery from cognitive and behavioral deficits. In J. Bogousslavsky (Eds), Long term effects of stroke, (p. 149-181). Marcel Dekker, Inc., New York
Fonseca, J.M.; Farrajota, L., Leal, G. & Castro Caldas, A. (1993). Aphasia tem years later. Journal of Clinical and Experimental Neuropsychology,15 (3), 398.
Hartman, J. (1981). Measurement of early spontaneous recovery from aphasia with stroke. Ann Neurol, 9, 89-91.
Peck, K.K.; Moore, A.B.; Crosson, B.A. Gaiefsky, M.; Gopinath, K.S.; White, K. & Briggs, R.W. (2004). Functional Magnetic Resonance imaging before and after aphasia therapy: shifts in hemodynamic time to peak during an overt language task. Stroke, 554-559.
Pedersen, P.M.; Jorgensen, H.S.; Nakayama, H.; Raaschou, H.O. & Olsen, T.S. (1995). Aphasia in acute stroke: Incidence, determinants and recovery. Annals of Neurology, 38, 659-666.
As doenças cardiovasculares em geral e os Acidentes Vaculares Cerebrais (AVC) em particular são a primeira causa de morte nos países desenvolvidos. Nos EUA ocorrem anualmente 795.000 novos casos de AVC, isto é um em cada 40 segundos (American Heart Association, 2010).
A causa mais frequente da afasia, na população adulta, são as doenças cérebro-vasculares, ocorrendo em cerca de 1/3 dos que sofrem AVCs (Pedersen et al., 1995), embora os traumatismos cranio-encefálicos, doenças infecciosas do sistema nervoso central e alguns tumores cerebrais também a possam provocar. A linguagem encontra-se lateralizada preferencialmente ao hemisfério esquerdo, na maioria dos indivíduos dextros, resultando a afasia sobretudo de lesões vasculares daquele hemisfério, sendo que a curva de recuperação da afasia de causa vascular aquela que está melhor caracterizada (Mazzoni et al., 1992).
Após a instalação do defeito inicial verifica-se, quase sempre, alguma recuperação espontânea durante os primeiros três meses (sobretudo nas três primeiras semanas) (Hartman, 1981). A melhoria tende a estabilizar entre o terceiro e o sexto mês e, em regra, não ocorrem modificações significativas do quadro após o primeiro ano de doença (Basso, 1992; Sarno e Levita, 1979), verificando-se mesmo, nalguns casos, uma deterioração clínica (Hanson, 1989; Fonseca et al., 1993).
Em termos psicossociais, a presença de afasia tem um papel determinante na funcionalidade (Paolucci et al., 1988) no estado emocional (Starkstein e Robinson, 1988; Ferro e Madureira, 2002), na qualidade de vida (Melo et al., 1988; Sarno, 1997) e na possibilidade de regresso ao trabalho (Fonseca et al., 1993).
As variáveis biológicas parecem ter particular importância no prognóstico, nomeadamente, a localização e extensão da lesão, a etiologia e a gravidade inicial do quadro afásico (Basso, 1992).
Segundo múltiplos autores (Poeck et al., 1989; Basso, 1992; Mazzoni, 1995) a terapia da fala influencia positivamente a recuperação. A constatação da sua eficácia tem vindo, nos últimos anos, a ser confirmada em estudos de neuroimagem funcional (Small et al., 1998; Musso et al., 1999; Léger et al., 2002; Peck et al., 2004).
Em 2003, Bhogal e colaboradores através de uma revisão sistemática referente à reabilitação da afasia, identificaram todos os estudos controlados (entre 1975 e 2002) e seleccionaram apenas 10 para análise. Concluíram que o efeito positivo da terapêutica ocorria, sobretudo quando esta era ministrada de forma intensiva e breve.
O regime terapêutico clássico é, em regra, de duas ou três sessões semanais, com a duração de uma hora, durante uma média de seis meses.
Desde 2005, que o Laboratório de Estudos de Linguagem ,em colaboração com o Centro de Medicina de Reabilitação do Alcoitão, tem a decorrer um ensaio clínico multicêntrico, controlado e aleatorizado, paralelo (com dois braços) da eficácia da terapia da fala intensiva em doentes afásicos de causa vascular (SPIRIT).
A distribuição dos doentes pelos dois braços terapêuticos é estratificada pela gravidade da afasia.
Em ambos os grupos, os doentes são submetidos a terapia da fala durante 100 horas, distribuídas no grupo de terapia intensiva por duas horas por dia, cinco dias por semana, durante dez semanas e no grupo de controlo por duas sessões semanais de uma hora durante 50 semanas.
Os doentes são avaliados quatro vezes: a inicial (T0); às dez semanas (T1), correspondendo ao final do período de tratamento no grupo da terapia intensiva e a uma avaliação intermédia no grupo de terapia convencional; às 50 semanas (T2) altura final da terapia do grupo de controlo e a uma avaliação tardia do grupo intensivo e às 62 semanas (T3), correspondendo a uma avaliação de seguimento de ambos os grupos.
Os resultados preliminares parecem apontar para uma melhoria mais acentuada e mais rápida do grupo sujeito a terapia da fala na modalidade intensiva, que terá que ser confirmada com a admissão de mais sujeitos no estudo.
Desde o início, foram avaliados 945 sujeitos nos dois centros envolvidos, dos quais apenas 2,9% (27 doentes) foram incluídos no estudo por somente estes preencherem os critérios de inclusão.
Dos sujeitos excluídos, 70% foram-no por um único critério e 30 % por vários.
Dos 655 excluídos unicamente por uma factor, 43,2% foram-no por razões diagnósticas, 10,8% por apresentarem uma afasia muito grave ou muito ligeira, 10% por terem etiologias não elegíveis, cerca de 8% por apresentarem muito tempo de evolução e sensivelmente 28% por múltiplas razões.
O número tão reduzido de sujeitos admitidos neste estudo vem confirmar a dificuldade de se fazerem estudos controlados neste campo do conhecimento, em virtude de estarem em jogo tantas variáveis que podem influenciar o decurso da recuperação. No entanto, só com estudos metodologicamente correctos é que se poderão retirar ilações verdadeiramente credíveis e que poderão verdadeiramente ajudar a compreender qual a melhor forma de atender este tipo de doentes que apresentam dificuldades numa das capacidades mais nobres do Ser Humano: Comunicar.
José Fonseca
Laboratório de Estudos de Linguagem
jfonseca@fm.ul.pt
_______________
Bibliografia:
Basso, A. (1992). Prognostic factors in aphasia. Aphasiology, 6 (4), 337-348.
Bhogal, S.K., Teasell, R., & Speechley, M. (2003). Intensity of aphasia therapy, impact on recovery. Stroke, 34 (4), 98-993.
Ferro, J.M. & Madureira, S. (2002). Recovery from cognitive and behavioral deficits. In J. Bogousslavsky (Eds), Long term effects of stroke, (p. 149-181). Marcel Dekker, Inc., New York
Fonseca, J.M.; Farrajota, L., Leal, G. & Castro Caldas, A. (1993). Aphasia tem years later. Journal of Clinical and Experimental Neuropsychology,15 (3), 398.
Hartman, J. (1981). Measurement of early spontaneous recovery from aphasia with stroke. Ann Neurol, 9, 89-91.
Peck, K.K.; Moore, A.B.; Crosson, B.A. Gaiefsky, M.; Gopinath, K.S.; White, K. & Briggs, R.W. (2004). Functional Magnetic Resonance imaging before and after aphasia therapy: shifts in hemodynamic time to peak during an overt language task. Stroke, 554-559.
Pedersen, P.M.; Jorgensen, H.S.; Nakayama, H.; Raaschou, H.O. & Olsen, T.S. (1995). Aphasia in acute stroke: Incidence, determinants and recovery. Annals of Neurology, 38, 659-666.
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