Espaço Aberto
Doença Trombótica das Veias e Seios Venosos Cerebrais
Introdução
A trombose das veias ou seios venosos cerebrais (TVC) é uma doença pouco comum, constituindo cerca de 1% dos acidentes vasculares cerebrais. Pode ocorrer em qualquer idade mas é mais frequente em crianças e adultos jovens(1). Surge em vários contextos médicos ou cirúrgicos, sendo por isso importante conhecer as suas formas de apresentação clínica, como diagnosticar, tratar e prever o prognóstico.
Nos últimos anos houve grande desenvolvimento nesta área, sobretudo pela realização de um estudo prospectivo e multicêntrico, o International Study on Cerebral Vein and Dural Sinus Thrombosis- ISCVT. O centro de coordenação deste estudo foi no Departamento de Neurologia do Hospital de Santa Maria.
Participaram 89 centros de 21 países e a inclusão de elevado número de casos permitiu conhecer melhor esta doença e o seu prognóstico(5).
Apresentação Clínica
A TVC pode apresentar-se de forma aguda, subaguda ou crónica(1,5). Os sintomas mais frequentes são cefaleias, convulsões, defeitos focais, alteração do estado mental, alteração da consciência e alteração da acuidade visual.
Os sintomas podem agrupar-se em três síndromas:
1) Síndroma de hipertensão intracraniana isolada (cefaleia com ou sem vómitos, edema papilar ou alteração visual);
2) Síndroma focal (defeitos focais, convulsões ou ambos);
3) Encefalopatia (sinais multifocais, alteração do estado mental, estupor ou coma).
Há formas menos comuns de apresentação: síndroma do seio cavernoso, cefaleia súbita, paralisia de múltiplos nervos cranianos, enxaqueca com aura, tinnitus pulsátil.
Diagnóstico
O diagnóstico requer a demonstração de oclusão de uma veia/seio dural por exame de imagem cerebral.
Habitualmente, a tomografia computorizada (TC) é o primeiro exame efectuado, sobretudo para excluir outras condições (tumor, hematoma subdural, hemorragia subaracnoideia, encefalite). A TC é normal ou inespecífica em grande número de casos, em 60-80% mostra lesões cerebrais, como edema/enfarte ou hemorragia.
A veno-TC permite demonstrar os defeitos de preenchimento das veias ou seios durais ocluídos.
A Ressonância Magnética (RM) cerebral com veno-RM é a melhor técnica para diagnosticar TVC. Nas ponderações T1 ou T2 demonstra-se alteração de sinal no seio dural/veia ocluídos e na veno-RM o fluxo venoso não é visualizado.
![](http://news.medicina.ulisboa.pt/wp-content/uploads/2010/12/P_C._1.JPG)
![](http://news.medicina.ulisboa.pt/wp-content/uploads/2010/12/P_C._2.JPG)
Figura: Trombose venosa do seio lateral esquerdo diagnosticada por RM (seta indica o trombo como sinal hiperintenso no seio lateral esquerdo) (A) e veno-RM (setas indicam ausência de visualização do referido seio) (B)
A ponderação T2* é útil para o diagnóstico de trombose de veia cortical isolada. A angiografia cerebral é realizada em situações de difícil diagnóstico ou para terapêutica endovascular.
Procurar as Causas
Parte importante da avaliação dos doentes com TVC é a procura da sua causa (Tabela).
Os factores de risco mais importantes são condições protrombóticas, genéticas ou adquiridas. Em mais de metade dos doentes existe mais do que um factor de risco. Em cerca de 15% não se consegue identificar nenhum factor predisponente à TVC. Estes doentes devem ser seguidos a longo prazo, porque pode ser identifcada uma causa (neoplasia, vasculite).
Curso Clínico e Prognóstico
O prognóstico é geralmente bom. Deve existir monitorização na fase aguda porque um quarto dos doentes podem agravar e 5% morrer. Os doentes que morreram no ISCVT tinham na admissão com mais frequência alteração de consciência, alteração do estado mental, trombose do sistema venoso profundo, hemorragia hemisfério cerebral direito e lesão da fossa posterior. A morte resultou sobretudo de herniação por lesão cerebral unilateral ou lesões múltiplas(3).
A grande maioria dos doentes recupera a longo prazo (80% no ISCVT). Os factores associados a mau prognóstico são: infecção do SNC, neoplasia, trombose do sistema venoso profundo, hemorragia cerebral, coma, alteração do estado mental, sexo masculino e idade >37 anos. Após a alta, os doentes podem ter algumas complicações, como cefaleias, convulsões ou eventos trombóticos recorrentes(5).
O Tratamento
O tratamento assenta em vários tipos de intervenções:
1) Tratamento das causas (infecções, vasculite, doença inflamatória)
2) Terapêutica antitrombótica
A anticoagulação (heparina fraccionada ou não fraccionada) é o principal tratamento da TVC. Foram feitos quatro ensaios e uma meta-análise de dois desses ensaios que mostraram uma redução não significativa do risco de morte 0.33 (95% CI 0.08-1.21) e de mau prognóstico 0.46 (95% CI 0.16 to 1.31). A anticoagulação é segura na presença de lesões cerebrais hemorrágicas.
Alguns doentes agravam sob anticoagulação. Pode considerar-se realizar terapêutica endovascular, com injecção de trombolítico nos seios ocluídos(2).
A anticoagulação com varfarina deve manter-se após a fase aguda: 3 meses na presença de factor de risco precipitante, 6-12 meses se existe uma trombofilia ligeira e, definitivamente, na presença de trombofilia grave(4).
3) Tratamento sintomático e das complicações
A hipertensão intracraniana pode ser reduzida com acetazolamida, punções lombares (caso não existam lesões cerebrais) ou colocação de shunt lombo-peritoneal (se ocorrer alteração na acuidade visual).
Se existir hipertensão intracraniana grave, lesões cerebrais e for eminente herniação transtentorial, deve-se considerar efectuar cirurgia/craniectomia descompressiva.
Recomenda-se anti-epiléticos se ocorreram convulsões na fase inicial da TVC, sobretudo na presença de lesões cerebrais.
Conclusões
A investigação clínica na TVC, doença pouco frequente, requer o envolvimento de múltiplos centros para incluir grande número de doentes. O ISCVT foi o ponto de partida para formar uma rede de centros organizada para estudar a TVC. Estão em curso novos estudos para melhorar a terapêutica, nomeadamente, um ensaio aleatorizado para estudo de trombólise endovascular (To-ACT) e um registo prospectivo de craniectomia descompressiva.
Patrícia Canhão
Clínica Universitária Neurológica
pcanhao@fm.ul.pt
__________________
Bibliografia
1. Bousser MG, Ferro JM. Cerebral venous thrombosis: an update. Lancet Neurol 2007;6:162-170.
2. Canhão P, Falcão F, Ferro JM. Thrombolytics for cerebral sinus thrombosis: a systematic review. Cerebrovasc Dis 2003;15:159-166.
3. Canhão P, Ferro JM, Lindgren AG, et al; ISCVT Investigators. Causes and predictors of death in cerebral venous thrombosis. Stroke 2005;36:1720-1725.
4. Einhäupl K, Stam J, Bousser MG, et al. EFNS guideline on the treatment of cerebral venous and sinus thrombosis in adult patients. Eur J Neurol. 2010;17(10):1229-1235.
5. Ferro JM, Canhão P, Stam J, et al; ISCVT Investigators: Prognosis of cerebral vein and dural sinus thrombosis: results of the International Study on Cerebral Vein and Dural Sinus Thrombosis (ISCVT). Stroke 2004;35:664-670.
A trombose das veias ou seios venosos cerebrais (TVC) é uma doença pouco comum, constituindo cerca de 1% dos acidentes vasculares cerebrais. Pode ocorrer em qualquer idade mas é mais frequente em crianças e adultos jovens(1). Surge em vários contextos médicos ou cirúrgicos, sendo por isso importante conhecer as suas formas de apresentação clínica, como diagnosticar, tratar e prever o prognóstico.
Nos últimos anos houve grande desenvolvimento nesta área, sobretudo pela realização de um estudo prospectivo e multicêntrico, o International Study on Cerebral Vein and Dural Sinus Thrombosis- ISCVT. O centro de coordenação deste estudo foi no Departamento de Neurologia do Hospital de Santa Maria.
Participaram 89 centros de 21 países e a inclusão de elevado número de casos permitiu conhecer melhor esta doença e o seu prognóstico(5).
Apresentação Clínica
A TVC pode apresentar-se de forma aguda, subaguda ou crónica(1,5). Os sintomas mais frequentes são cefaleias, convulsões, defeitos focais, alteração do estado mental, alteração da consciência e alteração da acuidade visual.
Os sintomas podem agrupar-se em três síndromas:
1) Síndroma de hipertensão intracraniana isolada (cefaleia com ou sem vómitos, edema papilar ou alteração visual);
2) Síndroma focal (defeitos focais, convulsões ou ambos);
3) Encefalopatia (sinais multifocais, alteração do estado mental, estupor ou coma).
Há formas menos comuns de apresentação: síndroma do seio cavernoso, cefaleia súbita, paralisia de múltiplos nervos cranianos, enxaqueca com aura, tinnitus pulsátil.
Diagnóstico
O diagnóstico requer a demonstração de oclusão de uma veia/seio dural por exame de imagem cerebral.
Habitualmente, a tomografia computorizada (TC) é o primeiro exame efectuado, sobretudo para excluir outras condições (tumor, hematoma subdural, hemorragia subaracnoideia, encefalite). A TC é normal ou inespecífica em grande número de casos, em 60-80% mostra lesões cerebrais, como edema/enfarte ou hemorragia.
A veno-TC permite demonstrar os defeitos de preenchimento das veias ou seios durais ocluídos.
A Ressonância Magnética (RM) cerebral com veno-RM é a melhor técnica para diagnosticar TVC. Nas ponderações T1 ou T2 demonstra-se alteração de sinal no seio dural/veia ocluídos e na veno-RM o fluxo venoso não é visualizado.
Figura: Trombose venosa do seio lateral esquerdo diagnosticada por RM (seta indica o trombo como sinal hiperintenso no seio lateral esquerdo) (A) e veno-RM (setas indicam ausência de visualização do referido seio) (B)
A ponderação T2* é útil para o diagnóstico de trombose de veia cortical isolada. A angiografia cerebral é realizada em situações de difícil diagnóstico ou para terapêutica endovascular.
Procurar as Causas
Parte importante da avaliação dos doentes com TVC é a procura da sua causa (Tabela).
Os factores de risco mais importantes são condições protrombóticas, genéticas ou adquiridas. Em mais de metade dos doentes existe mais do que um factor de risco. Em cerca de 15% não se consegue identificar nenhum factor predisponente à TVC. Estes doentes devem ser seguidos a longo prazo, porque pode ser identifcada uma causa (neoplasia, vasculite).
Curso Clínico e Prognóstico
O prognóstico é geralmente bom. Deve existir monitorização na fase aguda porque um quarto dos doentes podem agravar e 5% morrer. Os doentes que morreram no ISCVT tinham na admissão com mais frequência alteração de consciência, alteração do estado mental, trombose do sistema venoso profundo, hemorragia hemisfério cerebral direito e lesão da fossa posterior. A morte resultou sobretudo de herniação por lesão cerebral unilateral ou lesões múltiplas(3).
A grande maioria dos doentes recupera a longo prazo (80% no ISCVT). Os factores associados a mau prognóstico são: infecção do SNC, neoplasia, trombose do sistema venoso profundo, hemorragia cerebral, coma, alteração do estado mental, sexo masculino e idade >37 anos. Após a alta, os doentes podem ter algumas complicações, como cefaleias, convulsões ou eventos trombóticos recorrentes(5).
O Tratamento
O tratamento assenta em vários tipos de intervenções:
1) Tratamento das causas (infecções, vasculite, doença inflamatória)
2) Terapêutica antitrombótica
A anticoagulação (heparina fraccionada ou não fraccionada) é o principal tratamento da TVC. Foram feitos quatro ensaios e uma meta-análise de dois desses ensaios que mostraram uma redução não significativa do risco de morte 0.33 (95% CI 0.08-1.21) e de mau prognóstico 0.46 (95% CI 0.16 to 1.31). A anticoagulação é segura na presença de lesões cerebrais hemorrágicas.
Alguns doentes agravam sob anticoagulação. Pode considerar-se realizar terapêutica endovascular, com injecção de trombolítico nos seios ocluídos(2).
A anticoagulação com varfarina deve manter-se após a fase aguda: 3 meses na presença de factor de risco precipitante, 6-12 meses se existe uma trombofilia ligeira e, definitivamente, na presença de trombofilia grave(4).
3) Tratamento sintomático e das complicações
A hipertensão intracraniana pode ser reduzida com acetazolamida, punções lombares (caso não existam lesões cerebrais) ou colocação de shunt lombo-peritoneal (se ocorrer alteração na acuidade visual).
Se existir hipertensão intracraniana grave, lesões cerebrais e for eminente herniação transtentorial, deve-se considerar efectuar cirurgia/craniectomia descompressiva.
Recomenda-se anti-epiléticos se ocorreram convulsões na fase inicial da TVC, sobretudo na presença de lesões cerebrais.
Conclusões
A investigação clínica na TVC, doença pouco frequente, requer o envolvimento de múltiplos centros para incluir grande número de doentes. O ISCVT foi o ponto de partida para formar uma rede de centros organizada para estudar a TVC. Estão em curso novos estudos para melhorar a terapêutica, nomeadamente, um ensaio aleatorizado para estudo de trombólise endovascular (To-ACT) e um registo prospectivo de craniectomia descompressiva.
Patrícia Canhão
Clínica Universitária Neurológica
pcanhao@fm.ul.pt
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Bibliografia
1. Bousser MG, Ferro JM. Cerebral venous thrombosis: an update. Lancet Neurol 2007;6:162-170.
2. Canhão P, Falcão F, Ferro JM. Thrombolytics for cerebral sinus thrombosis: a systematic review. Cerebrovasc Dis 2003;15:159-166.
3. Canhão P, Ferro JM, Lindgren AG, et al; ISCVT Investigators. Causes and predictors of death in cerebral venous thrombosis. Stroke 2005;36:1720-1725.
4. Einhäupl K, Stam J, Bousser MG, et al. EFNS guideline on the treatment of cerebral venous and sinus thrombosis in adult patients. Eur J Neurol. 2010;17(10):1229-1235.
5. Ferro JM, Canhão P, Stam J, et al; ISCVT Investigators: Prognosis of cerebral vein and dural sinus thrombosis: results of the International Study on Cerebral Vein and Dural Sinus Thrombosis (ISCVT). Stroke 2004;35:664-670.
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