Espaço Aberto
Origens Pediátricas da Doença Pulmonar Crónica do Adulto
“The womb may be more important than the home”.
D J P Barker; BMJ Volume 301 17 November 1990
O reconhecimento de que existem factores precoces que determinam e influenciam o aparecimento de doenças tardiamente na vida foi demonstrado na relação entre o peso ao nascer e a doença cardiovascular, no que é conhecido como a hipótese de Barker. Estudos provenientes da Noruega, Finlândia, Reino Unido e Estados Unidos da América demonstraram taxas de mortalidade por doença cardiovascular inversamente proporcionais à estatura das populações e, diferenças geográficas na mortalidade cardiovascular relacionadas com diferenças anteriores na mortalidade infantil. Os registos provenientes do início do século passado permitiram estabelecer a associação entre peso ao nascer, aleitamento materno e doença cardio-vascular. Estes achados epidemiológicos apontam para a influência de condições adversas de vida, tais como a habitabilidade e a dieta, no aumento do risco de doença isquémica coronária e sugerem a existência de programação precoce com influências tardias em diversas doenças.
Esta mudança de paradigma, que acompanha a substituição das doenças infecciosas pelas degenerativas, estende-se igualmente à doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC), cujas origens em idades pediátricas precoces, emergem do conhecimento do desenvolvimento pulmonar precoce, dos estudos longitudinais das doenças sibilantes e do recuar da capacidade de efectuar estudos funcionais respiratórios (EFR) em todas as idades pediátricas.
A evidência da ligação entre as doenças respiratórias em idade pediátrica e a doença pulmonar crónica do adulto é antiga. Burrows et al. Descreveram, há cerca de 30 anos, a partir de inquéritos efectuados a um grupo de 2.626 adultos, com idades superiores a 20 anos, em Tucson, Arizona, a relação entre as infecções respiratórias em idade pediátrica e a prevalência de sintomas respiratórios e doença pulmonar obstrutiva em idade adulta. Num dos estudos afirmaram a associação entre as infecções respiratórias em idade pediátrica e o declínio acelerado da função respiratória, com o envelhecimento e com o tabagismo.
Barker et al, em 1986, na análise que fizeram aos certificados de óbito num grande número de indivíduos, numa extensa área geográfica, e em diferentes comunidades de Inglaterra e País de Gales, correlacionaram a mortalidade por infecções respiratórias em idade pediátrica em 1921-5 com a mortalidade por DPOC cerca de 50 anos depois (1968-78).
Os estudos de Burrows levaram, na década de 80 do século passado, ao desenho do maior estudo longitudinal prospectivo com início na altura do nascimento. Os resultados do estudo de Tucson têm influenciado, nas últimas décadas, a actuação diagnóstica e a intervenção terapêutica na doença respiratória sibilante dos primeiros anos de vida, a partir de pressupostos de discriminação entre fenótipos de sibilância, com implicações prognósticas ainda não completamente definidas.
Os estudos epidemiológicos mais recentes, iniciados na década de 80 do século passado, não são ainda suficientemente longos para definir de forma absoluta a evolução funcional respiratória, desde o período neonatal até à velhice e morte, mas as conclusões, ainda que grosseiras e deduzidas a partir de sobreposição de resultados demonstram a influência prolongada que alterações precoces da função respiratória têm ao longo de toda a vida.
Naturalmente que o desenvolvimento de equipamentos e de metodologias de determinação da função respiratória, adaptadas às diferentes idades pediátricas, teve um papel preponderante nestas conclusões. A padronização das metodologias e as recomendações para a sua utilização e interpretação, permitiram uniformizar os resultados destes estudos e tirar conclusões extrapoláveis de e para diferentes populações. Estudos longitudinais da função respiratória demonstram que o crescimento pulmonar e das vias aéreas segue um percurso pré-determinado, que os anglo-saxónicos denominam como “tracking”, pelo que a função respiratória individual tende a permanecer na mesma posição relativa (mesma curva ou canal) ao longo da vida (Figura 1). Enquanto as vias de condução aérea estão presentes na totalidade no momento do nascimento, aumentando apenas em tamanho ao longo do crescimento, os alvéolos crescem em tamanho e número. Depois dos 2 anos de idade o crescimento parenquimatoso deve-se essencialmente ao crescimento alveolar. É pois possível que a partir dessa altura, as vias de condução aérea e os espaços alveolares apresentem um crescimento isotrópico.
Estudos da função respiratória em lactentes nascidos prematuramente permitiram verificar que, quer estes tenham sido considerados saudáveis (sem complicações respiratórias ou com suporte ventilatório mínimo), quer tenham critérios de displasia broncopulmonar (DBP) apresentam alterações na função respiratória. Nos primeiros, provavelmente, por interrupção do normal crescimento e alveolarização pulmonares; nos segundos, para além destes factores, por agressão directa pelo suporte ventilatório e pelos radicais livres de oxigénio.
A DBP constitui um exemplo extremo, mas ilustrativo, de que a predisposição genética, os factores ambientais e a respectiva interacção em períodos críticos da vida podem influenciar decisivamente a expressão fenotípica durante as décadas seguintes. A evidência sugere que o mesmo se passa com a asma e a DPOC.
Os factores antenatais, com maior relevância na determinação de redução funcional respiratória e predisposição para doença respiratória em idade pediátrica, são o tabagismo na gravidez, a atopia materna e factores que conduzem ao nascimento leve para a idade gestacional, incluindo a hipertensão materna, alguns fármacos e o baixo peso ao nascer, enquanto, de forma monótona, aparecem como desencadeantes adversos precoces pós-natais, o tabagismo passivo, as infecções respiratórias e factores ambientais relacionados sobretudo com a qualidade do ar no interior do domicílio.
A prevenção eficaz da DPOC do adulto não pode, assim, limitar-se ao abandono dos hábitos tabágicos na idade adulta, embora a prevenção do tabagismo não deva ser desprezada dado o efeito de potencial “gatilho”. São igualmente importantes, as campanhas destinadas à prevenção dos hábitos tabágicos em idade pediátrica e durante a gravidez, à melhoria das condições obstétricas e uma atenção particular para a nutrição. A obesidade, a próxima epidemia, terá consequências evidentes no determinismo da DPOC.
Inquestionavelmente, a compreensão de qualquer doença pulmonar obstrutiva crónica exige o conhecimento do crescimento e desenvolvimento pulmonar antenatal, dos factores de risco endógenos e exógenos e das suas interacções em janelas de susceptibilidade. As infecções virais, com capacidade de latência e efeitos a longo prazo, como é o caso do adenovírus, justificam a realização de estudos que definam possíveis interacções com susceptibilidades genéticas, ambiente e lesão pulmonar antenatal.

Teresa Bandeira
Unidade de Pneumologia Pediátrica e Núcleo Pediátrico de Estudos da Função Respiratória, Sono e Ventilação.
Clínica Universitária de Pediatria.
Departamento da Criança e da Família. HSM. CHLN
Assistente Hospitalar Graduada de Pneumologia. Assistente convidada da FML.
teresa.bandeira@hsm.min-saude.pt
________________
Bibliografia:
Baraldi E, Carraro S, & Filippone M (2009). Bronchopulmonary dysplasia: Definitions and long-term respiratory outcome. Early Human Development, 85, S1-S3.
Barker DJP, Osmond C, Law C. The intra-uterine and early postnatal origins of cardiovascular disease and chronic bronchitis. J7 Epidemiol Community Health 1989;43:237-40.
Barker DJP, Osmond C. Death rates from stroke in England and Wales predicted from past maternal mortality. BMJ 1986;295:83-6.
Barker DJP, Winter PD, Osmond C, Margetts B, Simmonds SJ. Weight in infancy and death from ischaemic heart disease. Lancet 1989;ii:577-80.
Barker DJP, Bull AR, Osmond C, Simmonds SJ. Fetal and placental size and risk of hypertension in adult life. BMJ 1990;301:259-62.
Burrows B, Knudson RJ, & Lebowitz MD (1977). The relationship of childhood respiratory illness to adult obstructive airway disease. Am Rev Respir Dis, 115, 751-60.
Bush A (2008). COPD: A Pediatric Disease. Int J Chron Obstruct Pulmon Dis, 5, 53-67.
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Guerra, S. & Martinez, F. D. (2009). Asthma and COPD. Natural History. In Asthma and COPD (Second Edition) (pp. 23-35). Oxford: Academic Press.
Sears, M. R., Greene, J. M., Willan, A. R., Wiecek, E. M., Taylor, D. R., Flannery, E. M. et al. (2003). A Longitudinal, Population-Based, Cohort Study of Childhood Asthma Followed to Adulthood. N Engl J Med, 349, 1414-1422.
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Taussig, L. M., Wright, A. L., Morgan, W. J., Harrison, H. R., Ray, C. G., & The Group (1989). The Tucson Children's Respiratory Study: I. Design And Implementation of a Prospective Study of Acute and Chronic Respiratory Illness In Children. 129, 1219-1231.
D J P Barker; BMJ Volume 301 17 November 1990
O reconhecimento de que existem factores precoces que determinam e influenciam o aparecimento de doenças tardiamente na vida foi demonstrado na relação entre o peso ao nascer e a doença cardiovascular, no que é conhecido como a hipótese de Barker. Estudos provenientes da Noruega, Finlândia, Reino Unido e Estados Unidos da América demonstraram taxas de mortalidade por doença cardiovascular inversamente proporcionais à estatura das populações e, diferenças geográficas na mortalidade cardiovascular relacionadas com diferenças anteriores na mortalidade infantil. Os registos provenientes do início do século passado permitiram estabelecer a associação entre peso ao nascer, aleitamento materno e doença cardio-vascular. Estes achados epidemiológicos apontam para a influência de condições adversas de vida, tais como a habitabilidade e a dieta, no aumento do risco de doença isquémica coronária e sugerem a existência de programação precoce com influências tardias em diversas doenças.
Esta mudança de paradigma, que acompanha a substituição das doenças infecciosas pelas degenerativas, estende-se igualmente à doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC), cujas origens em idades pediátricas precoces, emergem do conhecimento do desenvolvimento pulmonar precoce, dos estudos longitudinais das doenças sibilantes e do recuar da capacidade de efectuar estudos funcionais respiratórios (EFR) em todas as idades pediátricas.
A evidência da ligação entre as doenças respiratórias em idade pediátrica e a doença pulmonar crónica do adulto é antiga. Burrows et al. Descreveram, há cerca de 30 anos, a partir de inquéritos efectuados a um grupo de 2.626 adultos, com idades superiores a 20 anos, em Tucson, Arizona, a relação entre as infecções respiratórias em idade pediátrica e a prevalência de sintomas respiratórios e doença pulmonar obstrutiva em idade adulta. Num dos estudos afirmaram a associação entre as infecções respiratórias em idade pediátrica e o declínio acelerado da função respiratória, com o envelhecimento e com o tabagismo.
Barker et al, em 1986, na análise que fizeram aos certificados de óbito num grande número de indivíduos, numa extensa área geográfica, e em diferentes comunidades de Inglaterra e País de Gales, correlacionaram a mortalidade por infecções respiratórias em idade pediátrica em 1921-5 com a mortalidade por DPOC cerca de 50 anos depois (1968-78).
Os estudos de Burrows levaram, na década de 80 do século passado, ao desenho do maior estudo longitudinal prospectivo com início na altura do nascimento. Os resultados do estudo de Tucson têm influenciado, nas últimas décadas, a actuação diagnóstica e a intervenção terapêutica na doença respiratória sibilante dos primeiros anos de vida, a partir de pressupostos de discriminação entre fenótipos de sibilância, com implicações prognósticas ainda não completamente definidas.
Os estudos epidemiológicos mais recentes, iniciados na década de 80 do século passado, não são ainda suficientemente longos para definir de forma absoluta a evolução funcional respiratória, desde o período neonatal até à velhice e morte, mas as conclusões, ainda que grosseiras e deduzidas a partir de sobreposição de resultados demonstram a influência prolongada que alterações precoces da função respiratória têm ao longo de toda a vida.
Naturalmente que o desenvolvimento de equipamentos e de metodologias de determinação da função respiratória, adaptadas às diferentes idades pediátricas, teve um papel preponderante nestas conclusões. A padronização das metodologias e as recomendações para a sua utilização e interpretação, permitiram uniformizar os resultados destes estudos e tirar conclusões extrapoláveis de e para diferentes populações. Estudos longitudinais da função respiratória demonstram que o crescimento pulmonar e das vias aéreas segue um percurso pré-determinado, que os anglo-saxónicos denominam como “tracking”, pelo que a função respiratória individual tende a permanecer na mesma posição relativa (mesma curva ou canal) ao longo da vida (Figura 1). Enquanto as vias de condução aérea estão presentes na totalidade no momento do nascimento, aumentando apenas em tamanho ao longo do crescimento, os alvéolos crescem em tamanho e número. Depois dos 2 anos de idade o crescimento parenquimatoso deve-se essencialmente ao crescimento alveolar. É pois possível que a partir dessa altura, as vias de condução aérea e os espaços alveolares apresentem um crescimento isotrópico.
Estudos da função respiratória em lactentes nascidos prematuramente permitiram verificar que, quer estes tenham sido considerados saudáveis (sem complicações respiratórias ou com suporte ventilatório mínimo), quer tenham critérios de displasia broncopulmonar (DBP) apresentam alterações na função respiratória. Nos primeiros, provavelmente, por interrupção do normal crescimento e alveolarização pulmonares; nos segundos, para além destes factores, por agressão directa pelo suporte ventilatório e pelos radicais livres de oxigénio.
A DBP constitui um exemplo extremo, mas ilustrativo, de que a predisposição genética, os factores ambientais e a respectiva interacção em períodos críticos da vida podem influenciar decisivamente a expressão fenotípica durante as décadas seguintes. A evidência sugere que o mesmo se passa com a asma e a DPOC.
Os factores antenatais, com maior relevância na determinação de redução funcional respiratória e predisposição para doença respiratória em idade pediátrica, são o tabagismo na gravidez, a atopia materna e factores que conduzem ao nascimento leve para a idade gestacional, incluindo a hipertensão materna, alguns fármacos e o baixo peso ao nascer, enquanto, de forma monótona, aparecem como desencadeantes adversos precoces pós-natais, o tabagismo passivo, as infecções respiratórias e factores ambientais relacionados sobretudo com a qualidade do ar no interior do domicílio.
A prevenção eficaz da DPOC do adulto não pode, assim, limitar-se ao abandono dos hábitos tabágicos na idade adulta, embora a prevenção do tabagismo não deva ser desprezada dado o efeito de potencial “gatilho”. São igualmente importantes, as campanhas destinadas à prevenção dos hábitos tabágicos em idade pediátrica e durante a gravidez, à melhoria das condições obstétricas e uma atenção particular para a nutrição. A obesidade, a próxima epidemia, terá consequências evidentes no determinismo da DPOC.
Inquestionavelmente, a compreensão de qualquer doença pulmonar obstrutiva crónica exige o conhecimento do crescimento e desenvolvimento pulmonar antenatal, dos factores de risco endógenos e exógenos e das suas interacções em janelas de susceptibilidade. As infecções virais, com capacidade de latência e efeitos a longo prazo, como é o caso do adenovírus, justificam a realização de estudos que definam possíveis interacções com susceptibilidades genéticas, ambiente e lesão pulmonar antenatal.

Teresa Bandeira
Unidade de Pneumologia Pediátrica e Núcleo Pediátrico de Estudos da Função Respiratória, Sono e Ventilação.
Clínica Universitária de Pediatria.
Departamento da Criança e da Família. HSM. CHLN
Assistente Hospitalar Graduada de Pneumologia. Assistente convidada da FML.
teresa.bandeira@hsm.min-saude.pt
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Bibliografia:
Baraldi E, Carraro S, & Filippone M (2009). Bronchopulmonary dysplasia: Definitions and long-term respiratory outcome. Early Human Development, 85, S1-S3.
Barker DJP, Osmond C, Law C. The intra-uterine and early postnatal origins of cardiovascular disease and chronic bronchitis. J7 Epidemiol Community Health 1989;43:237-40.
Barker DJP, Osmond C. Death rates from stroke in England and Wales predicted from past maternal mortality. BMJ 1986;295:83-6.
Barker DJP, Winter PD, Osmond C, Margetts B, Simmonds SJ. Weight in infancy and death from ischaemic heart disease. Lancet 1989;ii:577-80.
Barker DJP, Bull AR, Osmond C, Simmonds SJ. Fetal and placental size and risk of hypertension in adult life. BMJ 1990;301:259-62.
Burrows B, Knudson RJ, & Lebowitz MD (1977). The relationship of childhood respiratory illness to adult obstructive airway disease. Am Rev Respir Dis, 115, 751-60.
Bush A (2008). COPD: A Pediatric Disease. Int J Chron Obstruct Pulmon Dis, 5, 53-67.
Campbell JM, Cameron D, Jones DM. High maternal mortality in certain areas. London: HMSO, 1932. (Ministry of Health reports on public health and medical subjects, No 68).
Guerra, S. & Martinez, F. D. (2009). Asthma and COPD. Natural History. In Asthma and COPD (Second Edition) (pp. 23-35). Oxford: Academic Press.
Sears, M. R., Greene, J. M., Willan, A. R., Wiecek, E. M., Taylor, D. R., Flannery, E. M. et al. (2003). A Longitudinal, Population-Based, Cohort Study of Childhood Asthma Followed to Adulthood. N Engl J Med, 349, 1414-1422.
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