Investigação e Formação Avançada
Investigação Pediátrica: Intervenções e Resultados em Ensaios Clínicos de Bronquiolite
A bronquiolite viral é a infecção aguda do tracto respiratório inferior mais comum durante o primeiro ano de vida.(1) O principal agente envolvido é o Vírus Respiratório Sincicial (VRS), e a doença ocorre habitualmente num padrão sazonal.(2) O diagnóstico, clínico, inclui sintomas de rinorreia, tosse, febre baixa, que evoluem para sibilância/pieira e dificuldade respiratória.(3) A bronquiolite tem um impacto clínico e económico substancial, sendo um dos principais motivos de internamento nesta faixa etária (em países desenvolvidos, até 3 em cada 100 crianças com a doença são internadas), a que acrescem os encargos para as crianças e famílias tratadas em ambulatório.(2,4) O número de hospitalizações têm aumentado acentuadamente nas últimas décadas, e as populações vulneráveis (i.e. prematuros) têm maior morbilidade.5 São conhecidos factores de risco pré- e pós-natais para a ocorrência de bronquiolite, e a associação da doença à sibilância recorrente e asma tem sido objecto de continuados esforços de investigação.(6,7)
O tratamento da bronquiolite é um tópico muito controverso em pediatria. A forma como a doença é abordada varia a nível mundial, reflectindo a diversidade de terapêuticas e a ausência de evidência clara quanto à eficácia de qualquer uma delas.(8,9) As intervenções mais comuns, incluindo o uso de broncodilatadores e corticosteróides, não conseguiram demonstrar resultados consistentes e clinicamente relevantes em prévias meta-análises de ensaios clínicos randomizados (EC).(9)
Por outro lado, o desenvolvimento de vacinas contra o VRS tem sido lento e difícil, e não se conhecem ainda tratamentos eficazes que reduzam os sintomas pós-bronquiolite e o risco tardio de sibilância recorrente e asma. Para os clínicos que se encontram na linha da frente a cada época de bronquiolite, as desilusões da investigação actual são tão gritantes quanto o impacto na morbilidade com que se deparam diariamente. É no mínimo desanimador que as únicas opções válidas para estas crianças sejam cuidados de suporte, como a monitorização, o suporte respiratório e a hidratação adequada; contudo, são estas as únicas medidas de rotina recomendadas pelas actuais normas de orientação clínica (guidelines).(10)
Como refiro de seguida, a tese de doutoramento que me encontro a elaborar aborda algumas das questões em aberto relativamente ao tratamento da bronquiolite, numa perspectiva de síntese e de investigação em ensaios clínicos. O principal objectivo é o de melhorar o desenho e a execução de ensaios clínicos nesta área, através da análise metodológica da evidência actual, e da avaliação dos outcomes (medidas) actualmente utilizados. Nesse sentido, estabeleceram-se colaborações internacionais com investigadores nos Países Baixos e no Canadá, o que permitiu acesso a conteúdo e técnicas especializadas. Os orientadores são o Prof. Doutor J.C. Trindade e a Prof. Doutora C. Sampaio (FML e IMM, Lisboa), e Martin Offringa, MD, PhD (Academic Medical Center-AMC, Amsterdão). O trabalho está a ser desenvolvido sob os auspícios do Programa de Educação Médica Avançada da Fundação Calouste Gulbenkian, e como aluno de doutoramento do Instituto de Medicina Molecular.
Corticosteróides e broncodilatadores: um regresso ao passado?
Os corticosteróides constituem um exemplo marcante dos resultados contraditórios da investigação terapêutica nesta área. A sua utilização remonta à passada década de 60, por analogia aos bons resultados obtidos em crianças com asma aguda.(11) Porém, o facto da inflamação desempenhar um papel crucial na fisiopatologia da bronquiolite contrasta com a ausência de evidência clara quanto à eficácia clínica destes fármacos anti-inflamatórios. A última revisão sistemática da Cochrane Collaboration não encontrou qualquer benefício em nenhum dos resultados clínicos analisados, o que não impede que estes fármacos continuem a ser frequentemente utilizados na prática clínica.(8,12) Torna-se assim importante esclarecer os seus eventuais benefícios, em particular tendo em conta os seus conhecidos efeitos adversos.
Recentemente foram publicados os dois maiores ECs multicêntricos em bronquiolite, e ambos analisaram o uso de corticosteróides.(13,14) Os resultados do ensaio CanBEST, realizado no Canadá, apontaram surpreendentemente para uma vantagem clínica importante quando se associaram corticosteróides sistémicos e epinefrina inalada. Este facto relançou o debate em torno dos benefícios e riscos destas terapias, realçando a importância de testar estas novas hipóteses científicas e integrá-las na evidência existente.
Em colaboração com o Alberta Research Centre for Health Evidence, do Departamento de Pediatria da Universidade de Alberta, em Edmonton (Canadá), num projecto liderado por Lisa Hartling, realizámos uma revisão sistemática alargada com várias meta-análises estudando o efeito de corticosteróides, epinefrina e outros broncodilatadores. O nosso objectivo foi analisar toda a evidência à luz dos resultados mais recentes, recorrendo a novos instrumentos metodológicos que nos permitem explorar e comparar simultaneamente a eficácia e segurança de todas as intervenções, incluindo a terapêutica combinada. Este trabalho conduziu à publicação recente de uma nova revisão Cochrane, que confirmou a ausência de benefício clinicamente relevante dos corticosteróides na bronquiolite, quando analisadas a taxa de admissões e a duração de internamento hospitalar.(15) Os resultados exploratórios para a terapêutica combinada com dexametasona e epinefrina, incluindo análises de subgrupo, apontaram para algum benefício na redução de admissões, mas os dados de segurança foram limitados. Utilizámos igualmente novos métodos de meta-análise em rede (Bayesiana) que ajudaram a confirmar estes resultados, e apontaram a epinefrina e a terapia combinada como as intervenções mais promissoras.(16)
Em busca de outcomes apropriados
Os resultados contraditórios poderão estar em parte relacionados com as várias limitações dos ECs até agora executados nesta área. Um dos principais aspectos que afecta seriamente a validade dos estudos tem sido a escolha heterogénea e desadequada dos outcomes e instrumentos de medição. A selecção de outcomes apropriados é essencial para o desenho do estudo, sendo frequente referir que os estudos são tão válidos e credíveis quantos os seus outcomes.(17) Estes podem abranger um espectro de domínios de saúde distintos (por exemplo, biológicos, clínicos, etc.), e a escolha de instrumentos que os meçam adequadamente exige conhecimento das suas propriedades de medição/clinimétricas (por exemplo, validade, fiabilidade, e responsividade).(18) Infelizmente escasseia a investigação sobre outcomes em ECs pediátricos, apesar das recentes iniciativas que pretendem uniformizar grupos de outcomes (core sets of outcomes) para distintas condições e intervenções, passíveis de ser utilizados em vários estudos por serem sólidos do ponto de vista científico, relevantes numa perspectiva clínica, e importantes para os doentes.(19)
A nossa perspectiva é de que as insuficiências na escolha de outcomes e instrumentos de medida põe em causa a relevância científica, ética e económica dos ECs em bronquiolite. Frequentemente, os estudos têm apresentado resultados de outcomes fisiológicos ou surrogate outcomes – “substitutos” de curto prazo para os outcomes clínicos verdadeiramente relevantes. Muitos dos instrumentos escolhidos para medir estes outcomes não foram desenvolvidos de forma estruturada, e as suas propriedades clinimétricas estão pouco estudadas. Estes problemas são um obstáculo importante à conjugação de resultados em meta-análise. Adicionalmente, tem-se constatado que alguns domínios de saúde importantes, como a qualidade de vida e os sintomas respiratórios, não têm sido avaliados.
Os projectos que temos em curso utilizam uma abordagem abrangente a este tópico, com o objectivo de melhorar a avaliação de outcomes em futuros ECs. Em colaboração com o Departamento de Epidemiologia Clínica Pediátrica, AMC, e M. Offringa e J.H. Lee, estamos a conduzir revisões sistemáticas para identificar e caracterizar os outcomes usados em estudos terapêuticos de bronquiolite, assim como as suas propriedades clinimétricas. Estamos igualmente a utilizar dados recolhidos no ensaio CanBEST, liderado por A. Plint, para estudarmos a validade, fiabilidade e responsividade de um instrumento de medição importante, a escala RDAI. O objectivo final é iniciar um processo de selecção de outcomes que possam ser usados de forma standard em estudos futuros, baseando-se em procedimentos de consenso entre clínicos, investigadores e pacientes.
Conclusão
Os desafios que se colocam à investigação sobre bronquiolite são múltiplos: desde a necessidade de identificar estratégias terapêuticas eficazes e seguras para os episódios agudos, até à clarificação da sua associação mais tardia à sibilação recorrente e asma. Para podermos enfrentá-los, é crucial que a concepção e realização de estudos clínicos, epidemiológicos e translacionais sejam adequadas. As insuficiências identificadas em bronquiolite são muito semelhantes às que encontramos noutras áreas pediátricas, tantas vezes orfã no domínio da investigação, e sublinham a necessidade de estimular e melhorar a qualidade dos estudos. Os resultados que se obtiverem com a presente investigação poderão contribuir para a concepção de melhores ECs, e, em última análise, beneficiar o tratamento desta doença.
Ricardo M. R. M. Cunha Fernandes
Departamento da Criança e da Família, Hospital de Santa Maria, Centro Hospitalar Lisboa Norte EPE
Laboratório de Farmacologia Clínica e Terapêutica, Faculdade de Medicina de Lisboa (FML) e Instituto de Medicina Molecular (IMM)
Programa Gulbenkian de Formação Médica Avançada
ricardocunhafernandes@clix.pt
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
(1) Wright Al, Taussig Lm, Ray Cg, Harrison Hr, Holberg Cj, The Group. The Tucson Children's Respiratory Study: II. Lower Respiratory Tract Illness In The First Year Of Life. Am J Epidemiol. 1989;129:1232-1246.
(2) Smyth RL, Openshaw PJ. Bronchiolitis. The Lancet. 2006;368:312-322.
(3) Bush A, Thomson AH. Acute bronchiolitis. BMJ. 2007;335:1037-1041.
(4) Shay DK, Holman RC, Newman RD, Liu LL, Stout JW, Anderson LJ. Bronchiolitis-Associated Hospitalizations Among US Children, 1980-1996. JAMA. 1999;282:1440-1446.
(5) Deshpande SA, Northern V. The clinical and health economic burden of respiratory syncytial virus disease among children under 2 years of age in a defined geographical area. Arch Dis Child. 2003;88:1065-1069.
(6) Martinez FD. Heterogeneity of the Association between Lower Respiratory Illness in Infancy and Subsequent Asthma. Proc Am Thorac Soc. 2005;2:157-161.
(7) Kuehni CE, Spycher BD, Silverman M. Causal Links between RSV Infection and Asthma: No Clear Answers to an Old Question. Am J Respir Crit Care Med. 2009;179:1079-1080.
(8) Plint AC, Johnson DW, Wiebe N et al. Practice variation among pediatric emergency departments in the treatment of bronchiolitis. Acad Emerg Med. 2004;11:353-360.
(9) Bialy L, Smith M, Bourke T, Becker L. The Cochrane Library and bronchiolitis: an umbrella review. Evid -Based Child Health. 2006;1:939-947.
(10) Subcommittee on Diagnosis and Management of Bronchiolitis. Diagnosis and Management of Bronchiolitis. Pediatrics. 2006;118:1774-1793.
(11) Connolly JH, Field CM, Glasgow JF, Slattery CM, MacLynn DM. A double blind trial of prednisolone in epidemic bronchiolitis due to respiratory syncytial virus. Acta Paediatr Scand. 1969;58:116-120.
(12) Patel H, Platt R, Lozano JM. WITHDRAWN: Glucocorticoids for acute viral bronchiolitis in infants and young children. Cochrane Database Syst Rev. 2008;CD004878.
(13) Corneli HM, Zorc JJ, Mahajan P et al. A Multicenter, Randomized, Controlled Trial of Dexamethasone for Bronchiolitis. N Engl J Med. 2007;357:331-339.
(14) Plint AC, Johnson DW, Patel H et al. Epinephrine and Dexamethasone in Children with Bronchiolitis. N Engl J Med. 2009;360:2079-2089.
(15) Fernandes RM, Bialy LM, Vandermeer B, Tjosvold L, Plint AC, Patel H, Johnson DW, Klassen TP, Hartling L. Glucocorticoids for acute viral bronchiolitis in infants and young children. Cochrane Database of Systematic Reviews 2010, Issue 10.
(16) Hartling L, Fernandes RM, Bialy L, Vandermeer B, Tjosvold L, Johnson D, Plint A, Klassen TP. Comparative effectiveness review of steroids and bronchodilators for the acute care of bronchiolitis. European Respiratory Society Annual Congress, Barcelona, Espanha, 2010.
(17) Tugwell P, Boers M. OMERACT conference on outcome measures in rheumatoid arthritis clinical trials: introduction. J Rheumatol. 1993;20:528-530.
(18) Streiner D, Geoffrey N. Health Measurement Scales: A Practical Guide to Their Development and Use. 4th ed. Oxford: Oxford University Press; 2008.
(19) Clarke M. Standardising outcomes for clinical trials and systematic reviews. Trials. 2007;8:39
O tratamento da bronquiolite é um tópico muito controverso em pediatria. A forma como a doença é abordada varia a nível mundial, reflectindo a diversidade de terapêuticas e a ausência de evidência clara quanto à eficácia de qualquer uma delas.(8,9) As intervenções mais comuns, incluindo o uso de broncodilatadores e corticosteróides, não conseguiram demonstrar resultados consistentes e clinicamente relevantes em prévias meta-análises de ensaios clínicos randomizados (EC).(9)
Por outro lado, o desenvolvimento de vacinas contra o VRS tem sido lento e difícil, e não se conhecem ainda tratamentos eficazes que reduzam os sintomas pós-bronquiolite e o risco tardio de sibilância recorrente e asma. Para os clínicos que se encontram na linha da frente a cada época de bronquiolite, as desilusões da investigação actual são tão gritantes quanto o impacto na morbilidade com que se deparam diariamente. É no mínimo desanimador que as únicas opções válidas para estas crianças sejam cuidados de suporte, como a monitorização, o suporte respiratório e a hidratação adequada; contudo, são estas as únicas medidas de rotina recomendadas pelas actuais normas de orientação clínica (guidelines).(10)
Como refiro de seguida, a tese de doutoramento que me encontro a elaborar aborda algumas das questões em aberto relativamente ao tratamento da bronquiolite, numa perspectiva de síntese e de investigação em ensaios clínicos. O principal objectivo é o de melhorar o desenho e a execução de ensaios clínicos nesta área, através da análise metodológica da evidência actual, e da avaliação dos outcomes (medidas) actualmente utilizados. Nesse sentido, estabeleceram-se colaborações internacionais com investigadores nos Países Baixos e no Canadá, o que permitiu acesso a conteúdo e técnicas especializadas. Os orientadores são o Prof. Doutor J.C. Trindade e a Prof. Doutora C. Sampaio (FML e IMM, Lisboa), e Martin Offringa, MD, PhD (Academic Medical Center-AMC, Amsterdão). O trabalho está a ser desenvolvido sob os auspícios do Programa de Educação Médica Avançada da Fundação Calouste Gulbenkian, e como aluno de doutoramento do Instituto de Medicina Molecular.
Corticosteróides e broncodilatadores: um regresso ao passado?
Os corticosteróides constituem um exemplo marcante dos resultados contraditórios da investigação terapêutica nesta área. A sua utilização remonta à passada década de 60, por analogia aos bons resultados obtidos em crianças com asma aguda.(11) Porém, o facto da inflamação desempenhar um papel crucial na fisiopatologia da bronquiolite contrasta com a ausência de evidência clara quanto à eficácia clínica destes fármacos anti-inflamatórios. A última revisão sistemática da Cochrane Collaboration não encontrou qualquer benefício em nenhum dos resultados clínicos analisados, o que não impede que estes fármacos continuem a ser frequentemente utilizados na prática clínica.(8,12) Torna-se assim importante esclarecer os seus eventuais benefícios, em particular tendo em conta os seus conhecidos efeitos adversos.
Recentemente foram publicados os dois maiores ECs multicêntricos em bronquiolite, e ambos analisaram o uso de corticosteróides.(13,14) Os resultados do ensaio CanBEST, realizado no Canadá, apontaram surpreendentemente para uma vantagem clínica importante quando se associaram corticosteróides sistémicos e epinefrina inalada. Este facto relançou o debate em torno dos benefícios e riscos destas terapias, realçando a importância de testar estas novas hipóteses científicas e integrá-las na evidência existente.
Em colaboração com o Alberta Research Centre for Health Evidence, do Departamento de Pediatria da Universidade de Alberta, em Edmonton (Canadá), num projecto liderado por Lisa Hartling, realizámos uma revisão sistemática alargada com várias meta-análises estudando o efeito de corticosteróides, epinefrina e outros broncodilatadores. O nosso objectivo foi analisar toda a evidência à luz dos resultados mais recentes, recorrendo a novos instrumentos metodológicos que nos permitem explorar e comparar simultaneamente a eficácia e segurança de todas as intervenções, incluindo a terapêutica combinada. Este trabalho conduziu à publicação recente de uma nova revisão Cochrane, que confirmou a ausência de benefício clinicamente relevante dos corticosteróides na bronquiolite, quando analisadas a taxa de admissões e a duração de internamento hospitalar.(15) Os resultados exploratórios para a terapêutica combinada com dexametasona e epinefrina, incluindo análises de subgrupo, apontaram para algum benefício na redução de admissões, mas os dados de segurança foram limitados. Utilizámos igualmente novos métodos de meta-análise em rede (Bayesiana) que ajudaram a confirmar estes resultados, e apontaram a epinefrina e a terapia combinada como as intervenções mais promissoras.(16)
Em busca de outcomes apropriados
Os resultados contraditórios poderão estar em parte relacionados com as várias limitações dos ECs até agora executados nesta área. Um dos principais aspectos que afecta seriamente a validade dos estudos tem sido a escolha heterogénea e desadequada dos outcomes e instrumentos de medição. A selecção de outcomes apropriados é essencial para o desenho do estudo, sendo frequente referir que os estudos são tão válidos e credíveis quantos os seus outcomes.(17) Estes podem abranger um espectro de domínios de saúde distintos (por exemplo, biológicos, clínicos, etc.), e a escolha de instrumentos que os meçam adequadamente exige conhecimento das suas propriedades de medição/clinimétricas (por exemplo, validade, fiabilidade, e responsividade).(18) Infelizmente escasseia a investigação sobre outcomes em ECs pediátricos, apesar das recentes iniciativas que pretendem uniformizar grupos de outcomes (core sets of outcomes) para distintas condições e intervenções, passíveis de ser utilizados em vários estudos por serem sólidos do ponto de vista científico, relevantes numa perspectiva clínica, e importantes para os doentes.(19)
A nossa perspectiva é de que as insuficiências na escolha de outcomes e instrumentos de medida põe em causa a relevância científica, ética e económica dos ECs em bronquiolite. Frequentemente, os estudos têm apresentado resultados de outcomes fisiológicos ou surrogate outcomes – “substitutos” de curto prazo para os outcomes clínicos verdadeiramente relevantes. Muitos dos instrumentos escolhidos para medir estes outcomes não foram desenvolvidos de forma estruturada, e as suas propriedades clinimétricas estão pouco estudadas. Estes problemas são um obstáculo importante à conjugação de resultados em meta-análise. Adicionalmente, tem-se constatado que alguns domínios de saúde importantes, como a qualidade de vida e os sintomas respiratórios, não têm sido avaliados.
Os projectos que temos em curso utilizam uma abordagem abrangente a este tópico, com o objectivo de melhorar a avaliação de outcomes em futuros ECs. Em colaboração com o Departamento de Epidemiologia Clínica Pediátrica, AMC, e M. Offringa e J.H. Lee, estamos a conduzir revisões sistemáticas para identificar e caracterizar os outcomes usados em estudos terapêuticos de bronquiolite, assim como as suas propriedades clinimétricas. Estamos igualmente a utilizar dados recolhidos no ensaio CanBEST, liderado por A. Plint, para estudarmos a validade, fiabilidade e responsividade de um instrumento de medição importante, a escala RDAI. O objectivo final é iniciar um processo de selecção de outcomes que possam ser usados de forma standard em estudos futuros, baseando-se em procedimentos de consenso entre clínicos, investigadores e pacientes.
Conclusão
Os desafios que se colocam à investigação sobre bronquiolite são múltiplos: desde a necessidade de identificar estratégias terapêuticas eficazes e seguras para os episódios agudos, até à clarificação da sua associação mais tardia à sibilação recorrente e asma. Para podermos enfrentá-los, é crucial que a concepção e realização de estudos clínicos, epidemiológicos e translacionais sejam adequadas. As insuficiências identificadas em bronquiolite são muito semelhantes às que encontramos noutras áreas pediátricas, tantas vezes orfã no domínio da investigação, e sublinham a necessidade de estimular e melhorar a qualidade dos estudos. Os resultados que se obtiverem com a presente investigação poderão contribuir para a concepção de melhores ECs, e, em última análise, beneficiar o tratamento desta doença.
Ricardo M. R. M. Cunha Fernandes
Departamento da Criança e da Família, Hospital de Santa Maria, Centro Hospitalar Lisboa Norte EPE
Laboratório de Farmacologia Clínica e Terapêutica, Faculdade de Medicina de Lisboa (FML) e Instituto de Medicina Molecular (IMM)
Programa Gulbenkian de Formação Médica Avançada
ricardocunhafernandes@clix.pt
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
(1) Wright Al, Taussig Lm, Ray Cg, Harrison Hr, Holberg Cj, The Group. The Tucson Children's Respiratory Study: II. Lower Respiratory Tract Illness In The First Year Of Life. Am J Epidemiol. 1989;129:1232-1246.
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(4) Shay DK, Holman RC, Newman RD, Liu LL, Stout JW, Anderson LJ. Bronchiolitis-Associated Hospitalizations Among US Children, 1980-1996. JAMA. 1999;282:1440-1446.
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(6) Martinez FD. Heterogeneity of the Association between Lower Respiratory Illness in Infancy and Subsequent Asthma. Proc Am Thorac Soc. 2005;2:157-161.
(7) Kuehni CE, Spycher BD, Silverman M. Causal Links between RSV Infection and Asthma: No Clear Answers to an Old Question. Am J Respir Crit Care Med. 2009;179:1079-1080.
(8) Plint AC, Johnson DW, Wiebe N et al. Practice variation among pediatric emergency departments in the treatment of bronchiolitis. Acad Emerg Med. 2004;11:353-360.
(9) Bialy L, Smith M, Bourke T, Becker L. The Cochrane Library and bronchiolitis: an umbrella review. Evid -Based Child Health. 2006;1:939-947.
(10) Subcommittee on Diagnosis and Management of Bronchiolitis. Diagnosis and Management of Bronchiolitis. Pediatrics. 2006;118:1774-1793.
(11) Connolly JH, Field CM, Glasgow JF, Slattery CM, MacLynn DM. A double blind trial of prednisolone in epidemic bronchiolitis due to respiratory syncytial virus. Acta Paediatr Scand. 1969;58:116-120.
(12) Patel H, Platt R, Lozano JM. WITHDRAWN: Glucocorticoids for acute viral bronchiolitis in infants and young children. Cochrane Database Syst Rev. 2008;CD004878.
(13) Corneli HM, Zorc JJ, Mahajan P et al. A Multicenter, Randomized, Controlled Trial of Dexamethasone for Bronchiolitis. N Engl J Med. 2007;357:331-339.
(14) Plint AC, Johnson DW, Patel H et al. Epinephrine and Dexamethasone in Children with Bronchiolitis. N Engl J Med. 2009;360:2079-2089.
(15) Fernandes RM, Bialy LM, Vandermeer B, Tjosvold L, Plint AC, Patel H, Johnson DW, Klassen TP, Hartling L. Glucocorticoids for acute viral bronchiolitis in infants and young children. Cochrane Database of Systematic Reviews 2010, Issue 10.
(16) Hartling L, Fernandes RM, Bialy L, Vandermeer B, Tjosvold L, Johnson D, Plint A, Klassen TP. Comparative effectiveness review of steroids and bronchodilators for the acute care of bronchiolitis. European Respiratory Society Annual Congress, Barcelona, Espanha, 2010.
(17) Tugwell P, Boers M. OMERACT conference on outcome measures in rheumatoid arthritis clinical trials: introduction. J Rheumatol. 1993;20:528-530.
(18) Streiner D, Geoffrey N. Health Measurement Scales: A Practical Guide to Their Development and Use. 4th ed. Oxford: Oxford University Press; 2008.
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