Espaço Aberto
Propensão Para a Vitimização: Será Possível Minimizar?
Com um esforço de sistematização de pouco mais de meio século, a nível mundial(1), as questões associadas à vitimização, em Portugal, têm sido relativamente pouco estudadas(2).
Os diferentes órgãos de comunicação social têm apresentado uma apetência acrescida pela divulgação de notícias que envolvem pessoas que experienciaram quadros diversos de vitimização: das vítimas de exclusão social às marcantes abordagens jornalísticas aos familiares de vítimas de acidentes trágicos ou catástrofes naturais como na quebrada de terras na Ribeira Quente, Açores, a 31 de Outubro de 1997, ou na queda da ponte de Entre-os-Rios, a 5 de Março de 2001, passando por vítimas de crimes, dos mais vulgares aos mais bizarros. Tais estratégias, associadas aos índices de audiências que atingem, sugerem-nos um interesse colectivo no tema e em particular na visualização das consequências das experimentações da vitimização em geral(3).
A vivência de experiências de vitimização, bem como a mera visualização, nos órgãos de comunicação social, de terceiros a serem vítimas de uma situação deplorável, ou apenas das consequências de episódios de vitimização, são, numa vertente interaccionista(4), apontadas como aprendizagens, que podem funcionar como formas de prevenção. Aliás, a estratégia policial de divulgação regular de ocorrências policiais fundamenta-se no princípio da prevenção geral, potenciando assim o não surgimento de novas vítimas.
Não nos parece que tais reacções sejam universais e lineares, levantando-se-nos inúmeras questões, nomeadamente, como se explica que determinadas pessoas tenham sido vítimas de forma sistemática e reiterada de comportamentos criminais sem que praticamente nada tenham feito para o evitar? E como podem pessoas com um historial sem vivências de vitimização e sem grandes preocupações preventivas manterem-se no tempo com baixas probabilidades de vitimização? E as pessoas mais informadas e que visualizam mais programas televisivos sobre matérias criminais têm menor propensão para serem vítimas de um crime? Se assim é, qual o motivo de o conhecimento do discurso do medo aumentar o receio de se ser vítima de um crime que “espreita em cada esquina”(5), quando o conhecimento leva à prevenção e à diminuição da probabilidade de vitimização?
Por outro lado, há teorias demonstrativas da culpa da vítima, ainda que parcelar. Nesse sentido, Mendelson (1947), considerado o precursor da vitimologia, partiu da identificação do grau de culpa da vítima para a classificar entre a vítima totalmente inocente e a vítima totalmente culpada, passando pela vítima de culpabilidade mediana, a vítima menos culpada que o agressor e a vítima mais culpada que o agressor.
A teorização de classificação das vítimas, quanto à culpa, de Mendelson, não pode ser vista como um esforço de diminuição do grau de culpa do agressor, apesar de, no âmbito das relações vítima-agressor, se proceder com frequência à chamada culpabilização da vítima, nas salas de audiências, através da atribuição, ainda que parcelar, de graus de culpa à vítima, na vivência de um episódio de vitimização, muito frequente por parte da defesa de arguidos acusados do crime de violação(6).
Durante séculos, as vítimas, além de serem alvo dos comportamentos criminais, desprezadas e eternamente esquecidas pelos sistemas de justiça, têm sido alvo de outras formas de violência, a começar pela própria violência institucional ao nível do trato e da obrigação sistemática de revisitação e reprodução verbal e, por vezes corporal, do trauma sofrido.
Abordadas, de forma sintética, algumas preocupações associadas à vitimização, para as quais não foram ainda encontradas respostas definitivas, é inegável o espaço de estudo das vítimas, em particular numa estratégia preventiva, de onde sobressaem duas vertentes de intervenção, nomeadamente, a montante e a jusante. Ou seja, intervir sobre as vítimas para minimizar o impacto psicológico, físico e económico, ou intervir de modo a evitar que estejam reunidas as condições para que o acto de vitimização ocorra.
Para além de tudo o que a imaginação nos pode proporcionar nesta matéria, acreditamos que, para além do tradicional lamento do acto de vitimização, sobretudo devido ao trauma psicológico, muito está por fazer, ainda que tenhamos de voltar às origens(7)!
Alberto Peixoto
acrpeixoto@sapo.pt
_________
(1)Estudos do criminólogo alemão Von Hentig sobre a vítima datam de 1948. CUSSON, Maurice, Criminologia, Casa das Letras, Cruz Quebrada, 2006, p.163.
(2) É de referir que depois do Inquérito de Vitimação de 1994, o único realizado a nível nacional, só em Março de 2009, quinze anos depois, houve a decisão política de se voltar a realizar um novo inquérito nacional sobre a problemática. (Informação disponível a 18/Mar/2009, em http://www.aps.pt/cms/docs_prv/docs/DPR49253f37e581c_1.pdf)
(3) RAMONET, Ignacio, A Tirania da Comunicação, Campo das Letras, Porto, 1999.
(4)COOK, 1986; SKOGAN, 1987; VAN DIJK, 1994, em CUSSON, Maurice, Criminologia, Casa das Letras, Cruz Quebrada, 2006, p.185.
(6) MACHADO, Carla, Crime e Insegurança – Discursos do Medo Imagens do Outro, Editorial Notícias, Lisboa, 2004, p. 254.
(7) HINDELANG et al, Victims of Personal Crime, An Empirical Foundation for a Theory of Personal Victimization, Cambridge, Mass., Bailinger, 1978.
Os diferentes órgãos de comunicação social têm apresentado uma apetência acrescida pela divulgação de notícias que envolvem pessoas que experienciaram quadros diversos de vitimização: das vítimas de exclusão social às marcantes abordagens jornalísticas aos familiares de vítimas de acidentes trágicos ou catástrofes naturais como na quebrada de terras na Ribeira Quente, Açores, a 31 de Outubro de 1997, ou na queda da ponte de Entre-os-Rios, a 5 de Março de 2001, passando por vítimas de crimes, dos mais vulgares aos mais bizarros. Tais estratégias, associadas aos índices de audiências que atingem, sugerem-nos um interesse colectivo no tema e em particular na visualização das consequências das experimentações da vitimização em geral(3).
A vivência de experiências de vitimização, bem como a mera visualização, nos órgãos de comunicação social, de terceiros a serem vítimas de uma situação deplorável, ou apenas das consequências de episódios de vitimização, são, numa vertente interaccionista(4), apontadas como aprendizagens, que podem funcionar como formas de prevenção. Aliás, a estratégia policial de divulgação regular de ocorrências policiais fundamenta-se no princípio da prevenção geral, potenciando assim o não surgimento de novas vítimas.
Não nos parece que tais reacções sejam universais e lineares, levantando-se-nos inúmeras questões, nomeadamente, como se explica que determinadas pessoas tenham sido vítimas de forma sistemática e reiterada de comportamentos criminais sem que praticamente nada tenham feito para o evitar? E como podem pessoas com um historial sem vivências de vitimização e sem grandes preocupações preventivas manterem-se no tempo com baixas probabilidades de vitimização? E as pessoas mais informadas e que visualizam mais programas televisivos sobre matérias criminais têm menor propensão para serem vítimas de um crime? Se assim é, qual o motivo de o conhecimento do discurso do medo aumentar o receio de se ser vítima de um crime que “espreita em cada esquina”(5), quando o conhecimento leva à prevenção e à diminuição da probabilidade de vitimização?
Por outro lado, há teorias demonstrativas da culpa da vítima, ainda que parcelar. Nesse sentido, Mendelson (1947), considerado o precursor da vitimologia, partiu da identificação do grau de culpa da vítima para a classificar entre a vítima totalmente inocente e a vítima totalmente culpada, passando pela vítima de culpabilidade mediana, a vítima menos culpada que o agressor e a vítima mais culpada que o agressor.
A teorização de classificação das vítimas, quanto à culpa, de Mendelson, não pode ser vista como um esforço de diminuição do grau de culpa do agressor, apesar de, no âmbito das relações vítima-agressor, se proceder com frequência à chamada culpabilização da vítima, nas salas de audiências, através da atribuição, ainda que parcelar, de graus de culpa à vítima, na vivência de um episódio de vitimização, muito frequente por parte da defesa de arguidos acusados do crime de violação(6).
Durante séculos, as vítimas, além de serem alvo dos comportamentos criminais, desprezadas e eternamente esquecidas pelos sistemas de justiça, têm sido alvo de outras formas de violência, a começar pela própria violência institucional ao nível do trato e da obrigação sistemática de revisitação e reprodução verbal e, por vezes corporal, do trauma sofrido.
Abordadas, de forma sintética, algumas preocupações associadas à vitimização, para as quais não foram ainda encontradas respostas definitivas, é inegável o espaço de estudo das vítimas, em particular numa estratégia preventiva, de onde sobressaem duas vertentes de intervenção, nomeadamente, a montante e a jusante. Ou seja, intervir sobre as vítimas para minimizar o impacto psicológico, físico e económico, ou intervir de modo a evitar que estejam reunidas as condições para que o acto de vitimização ocorra.
Para além de tudo o que a imaginação nos pode proporcionar nesta matéria, acreditamos que, para além do tradicional lamento do acto de vitimização, sobretudo devido ao trauma psicológico, muito está por fazer, ainda que tenhamos de voltar às origens(7)!
Alberto Peixoto
acrpeixoto@sapo.pt
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(1)Estudos do criminólogo alemão Von Hentig sobre a vítima datam de 1948. CUSSON, Maurice, Criminologia, Casa das Letras, Cruz Quebrada, 2006, p.163.
(2) É de referir que depois do Inquérito de Vitimação de 1994, o único realizado a nível nacional, só em Março de 2009, quinze anos depois, houve a decisão política de se voltar a realizar um novo inquérito nacional sobre a problemática. (Informação disponível a 18/Mar/2009, em http://www.aps.pt/cms/docs_prv/docs/DPR49253f37e581c_1.pdf)
(3) RAMONET, Ignacio, A Tirania da Comunicação, Campo das Letras, Porto, 1999.
(4)COOK, 1986; SKOGAN, 1987; VAN DIJK, 1994, em CUSSON, Maurice, Criminologia, Casa das Letras, Cruz Quebrada, 2006, p.185.
(6) MACHADO, Carla, Crime e Insegurança – Discursos do Medo Imagens do Outro, Editorial Notícias, Lisboa, 2004, p. 254.
(7) HINDELANG et al, Victims of Personal Crime, An Empirical Foundation for a Theory of Personal Victimization, Cambridge, Mass., Bailinger, 1978.