Resumo
Neste artigo procura-se reflectir sobre as relações entre emoção e adoecer e apresentar dois projectos de investigação em curso, no âmbito desta relação e numa perspectiva psicobiológica, enquadrados na actividade docente e assistencial que se desenvolve.
Introdução
A investigação que se tem procurado implementar fundamenta-se numa abordagem psicossomática da doença, na qual os factores da vulnerabilidade psicobiológica são identificados e trabalhados, quer no sentido da redução dessa vulnerabilidade, quer no sentido da diminuição do sofrimento emocional associado à vivência da doença crónica e do seu impacto na vida do doente. Fundamenta-se também em modelos de compreensão de factores emocionais, cognitivos, comportamentais e sociais que determinam a auto-regulação do doente, de acordo com perspectivas que decorrem da Psicologia da Saúde.
A um nível psicológico tem-se procurado investigar a relação entre emoção, stress e doença, tendo em conta o papel de factores do desenvolvimento e estratégias individuais, na determinação duma vulnerabilidade que se intui a nível clínico.
A importância da perturbação emocional na mortalidade e morbilidade associada a várias patologias tem reforçado o interesse pelo papel da emoção nos processos de adaptação à doença. Por outro lado, tem sido demonstrado que a vivência de emoções negativas, frequentes e duradouras ou, inversamente, a sua supressão, são factores de agravamento na evolução de várias doenças, influenciando negativamente o equilíbrio do organismo nos domínios psicofisiológico e cognitivo-comportamental.
Do mesmo modo, o stress crónico, considerado como uma ameaça à homeostase, cria um estado de alerta no organismo e põe em marcha um conjunto de respostas adaptativas de nível biológico e comportamental. Esta resposta adaptativa, que se destina a repor o equilíbrio homeostático, desencadeia um conjunto de mecanismos reguladores globalmente designados como o sistema de stress, representado essencialmente pelo eixo Hipotálamo-Hipófise-Suprarrenal e pelo Sistema Nervoso Autónomo, coordenados a nível do Sistema Nervoso Central. Assumindo a importância da activação destas estruturas e, para explicar a relação entre stress e diferentes patologias, surgem novos paradigmas que colocam os focos de investigação na regulação imunológica, neuro-endócrina e mecanismos de inflamação (citocinas pró-inflamatórias e marcadores de inflamação sistémica), no papel de outros neuropéptidos e seus receptores, bem como no estudo de interacção entre factores genéticos e do meio.
No que se refere aos factores associados ao desenvolvimento, a investigação tem sustentado que os estilos de vinculação, relativamente estáveis ao longo da vida, parecem influenciar o modo como os indivíduos respondem a situações de stress.
Os esquemas de vinculação reflectem aprendizagens que dão forma a redes neuronais, dependentes de factores genéticos, mas também da experiência e que conectam o cortéx órbito-frontal, a amígdala e os circuitos reguladores do alerta, da emoção e dos afectos. É no contexto destas redes que as interacções precoces se ligam a sentimentos de conforto e segurança ou ansiedade e medo. Os esquemas de vinculação segura, associados a emoções positivas, promovem a formação de um ambiente neuroquímico que conduz ao crescimento, autoregulação e autonomia. Ao contrário, os esquemas de vinculação insegura, associados a emoções negativas, parecem frequentemente relacionar-se com a doença física ou mental.
Projectos em curso
A área dos processos psicobiológicos associados à doença, stress e adaptação à doença crónica tem sido a sua principal área de investimento, quer em termos clínicos, quer em termos de estudo e pesquisa. Procurando dar continuidade à investigação desenvolvida elaborou, ao longo dos últimos anos, projectos que integram as dimensões clínica e de investigação, no domínio de uma abordagem psicossomática da doença.
Assim, tem-se procurado investigar a vulnerabilidade ao stress, partindo dos seus determinantes ao longo do desenvolvimento, bem como as relações entre factores de stress, vivência e expressividade emocional, na adaptação e na evolução de doenças crónicas.
A depressão, a obesidade e a diabetes são áreas de interesse prioritário na saúde mental e física, representando campos privilegiados para uma intervenção preventiva. A investigação do papel de factores de risco na etiologia de qualquer destas perturbações tem seguido múltiplos percursos, desde o biológico ao psicossocial.
É neste contexto que temos vindo a desenvolver um trabalho de investigação cujo objectivo geral é avaliar a importância dos factores psicológicos associados à personalidade/temperamento, expressão das emoções e vulnerabilidade ao stress, na génese/evolução da Diabetes, do sindroma metabólico e suas complicações. Este projecto denomina-se “Factores Psicológicos e Vulnerabilidade ao Stress na Diabetes, Obesidade e Síndrome Metabólico”
A investigação tem demonstrado que as interacções desadaptativas na infância estão associadas a competências insuficientes de auto-regulação, nomeadamente na produção de níveis adequados de cortisol, face a stressors. Tais disfunções estão frequentemente associadas a patologias psiquiátricas ou doença física.
A presente investigação, partindo de um modelo de desenvolvimento dos sistemas de auto-regulação na interacção com as experiências precoces, visa compreender a importância da reactividade ao stress e estratégias de adaptação, no cancro de mama e na infecção VIH/SIDA. Assim, pretende-se caracterizar e relacionar a vulnerabilidade ao stress e a adaptação à doença física em função do estilo de vinculação e explorar as interacções entre dimensões psicofisiológicas, emocionais e comportamentais, em grupos de doentes com cancro da mama, infecção VIH/SIDA e numa amostra de controlo. O projecto intitula-se “Indicadores Psicofisiológicos da Reactividade ao Stress e Adaptação à Doença: Estilos de Vinculação, Coping e Regulação Emocional”.
Estes projectos têm sido delineados através de um trabalho de equipa e com a colaboração de outros investigadores do nosso Serviço, de outros Centros de Investigação e de alunos de Mestrado e Doutoramento.
“Para lá da dor”.
Autor: Francisco Simões
Sílvia Ouakinin
Serviço de Psicologia Médica, Clínica Universitária de Psiquiatria e Saúde Mental, FMUL / CHLN
souakinin@fm.ul.pt
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