Espaço Aberto
Melanoma Maligno Cutâneo - Critérios de Diagnóstico e Factores de Prognóstico
Introdução
O melanoma maligno (MM) corresponde a uma neoplasia maligna de melanócitos, resistente tanto à quimioterapia como à radioterapia, pelo que o seu tratamento de eleição é cirúrgico. Em virtude do alto potencial metastático, o objectivo principal consiste no diagnóstico e tratamento na fase inicial da doença. A primeira publicação deste tumor foi efectuada pelo médico francês René Laennec em 1806.(1)
Na pele, o MM inicia-se habitualmente na epiderme a partir de mutação ocorrida em melanócito aí localizado. É denominado MM in situ enquanto se encontra confinado à epiderme, incluindo-se nesta o epitélio anexial (folículos pilosos e glândulas sudoríparas). Nesta fase, não existe risco de metastização, em virtude de o epitélio carecer de vasos sanguíneos e linfáticos.
O passo seguinte na evolução do MM corresponde à invasão da derme e é a partir deste momento que o MM se torna realmente “maligno”, uma vez que ganha a possibilidade de metastizar para tecidos e órgãos distantes.
Só em cerca de um quinto dos casos o MM tem origem em lesão melanocítica benigna prévia, como nevos congénitos, principalmente nos denominados congénitos gigantes (quando o seu maior eixo é superior a 20 cm) e também em nevos adquiridos (nevos displásicos, ou muito raramente, em nevos azuis).
Critérios de diagnóstico
O diagnóstico de MM assenta essencialmente na correlação entre a clínica e a observação microscópica de cortes histológicos representativos de todo o tumor, corados por hematoxilina e eosina (H&E), pois ainda não existe nenhum marcador imuno-histoquímico, 100% específico e sensível, para o diagnóstico de MM, que nos permita substituir o exame histológico de rotina.
O MM consiste habitualmente numa mancha hiperpigmentada, única, que evolui progressivamente para pápula e posteriormente para tumor, fazendo parte da chamada lista dos tumores negros cutâneos.(2)
A cor homogénea da lesão inicial, com o tempo, vai ganhando várias tonalidades como o negro, o castanho-escuro, o castanho-claro, o vermelho, o azul e o cinzento. Os bordos, que começam por ser regulares, vão-se tornando irregulares, assim como a superfície, que de início é lisa, pode alternar áreas atróficas (com eventual ulceração secundária) e áreas verrucosas.
No estudo de uma lesão melanocítica é classicamente utilizado o acrónimo ABCDE, cujas letras correspondem às iniciais de: Assimetria, Bordo irregular, Cor variada, Diâmetro superior a 6 mm e Elevação/evolução.
Actualmente pode realizar-se a observação das lesões suspeitas por dermatoscópio de luz polarizada (microscopia por epiluminescência), que permite um aumento de dez ou mais vezes.
Na semiologia clínica do MM que surge em lesão melanocítica prévia, deve ser valorizado não só o aparecimento de áreas de hipopigmentação, como também o prurido, a hemorragia e a ulceração.
O MM surge sobretudo em indivíduos caucasóides, com mais de 40 anos de idade, sendo raro na puberdade e excepcional nas crianças. Não se observa predomínio de qualquer um dos sexos.
Em perspectiva clínico-patológica, os MM encontram-se divididos classicamente em quatro tipos:
- MM de crescimento superficial
- MM sobre lêntigo maligno
- MM nodular
- MM acrolentiginoso.
O MM é amelanótico quando contém nenhum (ou pouco) pigmento melânico, o que dificulta o seu diagnóstico clínico. Localiza-se preferencialmente na face de idosos e está associado habitualmente com padrão histológico de desmoplasia, constituindo o grupo denominado MM Desmoplásico, que foi tema da minha tese de doutoramento.(3)
Incidência, prevalência e mortalidade
A incidência e a prevalência do MM variam com os factores de risco pessoais e ambientais.
Como factores de risco pessoais, podemos enumerar características próprias a cada indivíduo, como a história pessoal ou familiar de MM,(4) presença de potenciais lesões precursoras de MM (como grande número de nevos displásicos e até de nevos comuns(5;6), a susceptibilidade da pele ao Sol(7) e a presença de indicadores de dano actínico crónico.
Como exemplos de factores de risco do ambiente, a estadia em locais de maior exposição à radiação ultravioleta (menor latitude e maior altitude), principalmente na infância.(8)
A maior incidência de MM ocorre na população branca do continente australiano, seguida do continente norte-americano e da Europa setentrional com taxas de incidência padronizadas por idade, por 100 000 habitantes e por ano de 37.7, 16.4 e 8.4 para o sexo masculino e de 29.4, 11.7 e 10.0 para o sexo feminino, respectivamente.(9) Nos Estados Unidos da América, a incidência de MM entre a população branca é cerca de 20 vezes superior à observada na população negra.(10) Em Portugal não existem estatísticas fidedignas da sua ocorrência.
Nos casos de MM acral(11) ou das mucosas é difícil entender a acção patogénica da radiação ultravioleta na sua origem. Os MM subungueais representam cerca de 20% dos MM observados nas pessoas de pele escura, incluindo nestas as populações orientais, enquanto correspondem a 2% na população branca.(12) Num estudo de 406 MM subungueais publicado em 2002,(13) a localização preferencial do MM foi no 1.º dedo, tanto das mãos (58% no dedo polegar), como dos pés (86% no hallux). Estes autores sugerem como causa mais provável deste tipo de MM o traumatismo.
Factores de prognóstico
Clinicamente podemos afirmar que são variáveis de pior prognóstico:
• Idade – MM com a mesma espessura têm habitualmente um comportamento mais agressivo nos doentes com mais de 60 anos.(14)
• Localização anatómica – MM da cabeça e pescoço e do tronco estão associados com uma maior taxa de metástases e de mortalidade do que o MM acral.(15) Quando os MM ocorrem na cabeça, o couro cabeludo é a localização associada com o pior prognóstico.(16)
• Sexo – Habitualmente os MM com a mesma espessura têm um comportamento mais agressivo nos homens do que nas doentes do sexo feminino.(17)
• Ulceração – Habitualmente associada a um volume tumoral maior e, portanto, a um pior prognóstico.(18)
O estudo histológico da totalidade da peça excisada permite-nos estudar as variáveis histológicas com interesse prognóstico:
• Nível de Breslow - corresponde à espessura do MM em mm medida na vertical entre o topo da camada granulosa e a célula tumoral localizada mais profundamente.(19) Isoladamente é a característica mais importante na previsão do tempo de sobrevida de doentes com MM exclusivamente cutâneo.(15)
• Nível de Clark corresponde ao grau de invasão tumoral e divide-se em 5 níveis sendo o nível I quando a lesão se encontra confinada à epiderme e seus anexos (MM in situ), nível II quando se limita à derme papilar, III na transição entre a derme papilar e a reticular, nível IV quando atinge a derme reticular, até ao nível V que corresponde à invasão tumoral do panículo adiposo.(20) A percentagem de doentes com sobrevida livre de doença aos 10 anos é de acordo com os 5 níveis de 100%, 96%, 86%, 66% e 53%, respectivamente.(21)
• Ulceração define-se como uma solução de continuidade no epitélio que recobre o tumor, com evidência de reacção do hospedeiro, para se poder excluir a que resulta do traumatismo da biópsia. Está demonstrado que a ulceração agrava o prognóstico em inúmeras análises multivariáveis já publicadas.(22)
• Regressão corresponde à “destruição” de partes do MM por linfócitos memória, que se pensa terem metastizado primariamente para um gânglio regional e que “regressaram” ao tumor. Faz-nos também pensar que o tumor já teria tido uma espessura maior, numa fase prévia ao recrutamento das células inflamatórias.(15)
• Índice mitótico expressa-se em baixo, médio e alto, de acordo com o número de mitoses por mm2, quando são: inferiores a 1, entre 1 e 4 e mais de 4 mitoses, respectivamente. A presença de mitoses na derme está associada a uma diminuição da sobrevida. Quando o número de mitoses é igual ou superior a 6, o risco de metastização é 12 vezes superior ao de um doente em cujo tumor não se observa qualquer mitose.(17)
• TIL ou tumor infiltrating lymphocytes corresponde à presença de linfócitos infiltrando o tumor (entre ou em contiguidade com as células tumorais) e mostrou ter um significado prognóstico independente.(23) O prognóstico é melhor quando existe uma reacção inflamatória intensa, definida como uma banda linfocitária densa, por baixo do tumor ou infiltrando difusamente o próprio tumor. Inversamente, a ausência de infiltrado inflamatório está associada a um pior prognóstico. O volume do infiltrado linfocitário é inversamente proporcional à espessura do MM primário, sendo habitualmente escasso nos tumores que são invasivos em profundidade.
• Invasão linfo-vascular corresponde à presença de células tumorais não só dentro dos vasos linfáticos ou sanguíneos, como também na sua parede (junto às células endoteliais) e está associada a um pior prognóstico.(24)
• Neurotropismo corresponde à observação microscópica de células tumorais malignas no espaço perineural dos nervos. O neurotropismo pode ser intraneural, perineural ou ter aspectos de diferenciação neural, simulando células de Schwann. A extensão do MM ao longo de nervos cranianos periféricos pode ser uma complicação de alguns MM da cabeça e pescoço, principalmente da variedade desmoplásica. Denominam-se então MM neurotrópicos e podem estar associados com infiltração local, recidivas múltiplas e metástases para o SNC.(25)
• Satelitose corresponde à presença de focos tumorais, isolados do tumor principal, localizados a menos de 5 cm da lesão primária. Quando os focos tumorais surgem na mesma região anatómica, mas a uma distância superior a 5 cm denominam-se metástases em trânsito. A presença de satelitose é um indicador de mau prognóstico, pois corresponde ao estádio IV do sistema de classificação da American Joint Commission on Cancer Staging Committee(AJCC), mesmo quando as metástases são apenas microscópicas.(26)
Os aspectos do tumor primário (T) – espessura em mm (= 1.0, 1.01-2.0, 2.01-4.0, > 4.0), juntamente com a presença ou ausência de ulceração, o n.º de mitoses por mm2 e o nível de Clark (II/III e IV/V); a presença e o número das metástases ganglionares (N) e a presença e a localização das metástases à distância (M), para determinar o estádio baseado nestes três atributos (TNM). O aumento sérico da enzima desidrogenase láctica ou LDH, tem igualmente interesse como sinal de mau prognóstico.(26)
Informação recolhida pelo AJCC concluiu que os MM finos (de espessura igual ou inferior a 1 mm) têm um excelente prognóstico com uma sobrevida superior a 90% aos 5 anos, em contraste com os MM espessos (de espessura superior a 4 mm) que estão associados a um pior prognóstico, com cerca de 45% de sobrevida aos 5 anos.(15;27)
Além da espessura, outros factores são relevantes para o estabelecimento do prognóstico. Foi assim proposta pela AJCC a separação dos doentes com MM, em subgrupos de prognóstico semelhante, com interesse no tratamento e na investigação.
Esta classificação, baseada na associação das informações clínicas e histopatológicas, permite a separação dos doentes em estádios, entre 0 e IV, com prognósticos distintos. O estádio 0 corresponde ao MM in situ; os estádios I e II aos MM primários exclusivamente cutâneos; o estádio III corresponde à metastização ganglionar, sendo o factor mais relevante, não o tamanho dos gânglios envolvidos, mas sim o seu número (1, 2 ou 3 e, 4 ou mais); o estádio IV corresponde à fase de MM com metástases à distância (pele e tecido celular subcutâneo, pulmão e qualquer outro órgão ou quando o valor do enzima desidrogenase láctica – LDH se encontra elevado).
A sobrevida aos 5 anos para os doentes com MM primários diagnosticados nos estádios entre 0 e II é de cerca de 80%, se comparada com uma sobrevida de 35% quando os gânglios linfáticos estão invadidos (estádio III). Quando existem metástases à distância (estádio IV) a sobrevida aos 5 anos é na ordem dos 10%.(15)
Luís Soares de Almeida
Clínica Universitária de Dermatologia de Lisboa
luis.soares.almeida@gmail.com
Bibliografia
1. Laennec RTH. "Sur les melanoses". Bulletin de la Faculte de Medecine de Paris 1806; 1: 24–26.
2. Esteves JA, Baptista AP, Rodrigo FG, Gomes MM. Disposição neoplásica. EM: Esteves JA, Baptista AP, Rodrigo FG, Gomes MM, eds. Dermatologia. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1992: 820.
3. Luis Soares de Almeida, Luis Requena, Arno Rütten, Heinz Kutzner, Claus Garbe, Dinis Pestana, Manuel Marques Gomes. Desmoplastic Malignant Melanoma: A Clinicopathologic Analysis of 113 Cases. Am J Dermatopathol 2008; 30: 207-215.
4. Aitken JF, Duffy DL, Green A, Youl P, MacLennan R, Martin NG. Heterogeneity of melanoma risk in families of melanoma patients. Am J Epidemiol 1994;140:961-73.
5. Elwood JM, Whitehead SM, Davison J, Stewart M, Galt M. Malignant melanoma in England: risks associated with naevi, freckles, social class, hair colour, and sunburn. Int J Epidemiol1990;19:801-10.
6. Newton JA, Bataille V, Griffiths K et al. How common is the atypical mole syndrome phenotype in apparently sporadic melanoma? J Am Acad Dermatol 1993;29:989-96. Fitzpatrick TB. The validity and practicality of sun-reactive skin types I through VI. Arch Dermatol1988;124:869-71.
7. Gallagher RP, Elwood JM, Threlfall WJ, Spinelli JJ, Fincham S, Hill GB. Socioeconomic status, sunlight exposure, and risk of malignant melanoma: the Western Canada Melanoma Study. J Natl Cancer Inst 1987;79:647-52.
8. de Vries E, Bray F, Coeberg JW et al. Malignant melanoma. Introduction. In: LeBoit P, Burg G, Weedon D, Sarasin A, eds. Pathology And Genetics of Skin Tumours. Lyon: IARC Press, 2006:52-65.
9. Elder DE, Elenitsas R, Xu X. Benign pigmented lesions and malignant melanoma. In: Elder DE, Elenitsas R, Johnson BL, Murphy GF, Xu X, eds. Lever's Histopathology of the skin. Philadelphia (PA): Lippincott Williams & Wilkins, 2009:699-789.
10. Mooi WJ, Krausz T. Pathology of Melanocytic Disorders. Great Britain: Hodder Arnold, 2007.
11. Krementz ET, Feed RJ, Coleman WP, III, Sutherland CM, Carter RD, Campbell M. Acral lentiginous melanoma. A clinicopathologic entity. Ann Surg 1982;195:632-45.
12. Takematsu H, Obata M, Tomita Y, Kato T, Takahashi M, Abe R. Subungual melanoma. A clinicopathologic study of 16 Japanese cases. Cancer 1985;55:2725-31.
13. Mohrle M, Hafner HM. Is subungual melanoma related to trauma? Dermatology2002;204:259-61.
14. Balch CM, Soong S, Ross MI et al. Long-term results of a multi-institutional randomized trial comparing prognostic factors and surgical results for intermediate thickness melanomas (1.0 to 4.0 mm). Intergroup Melanoma Surgical Trial. Ann Surg Oncol 2000;7:87-97.
15. Balch CM, Soong SJ, Gershenwald JE et al. Prognostic factors analysis of 17,600 melanoma patients: validation of the American Joint Committee on Cancer melanoma staging system. J Clin Oncol 2001;19:3622-34.
16. Balch CM. Cutaneous melanoma: prognosis and treatment results worldwide. Semin Surg Oncol 1992;8:400-14.
17. Clark WH, Jr., Elder DE, Guerry D et al. Model predicting survival in stage I melanoma based on tumor progression. J Natl Cancer Inst 1989;81:1893-904.
18. Payette MJ, Katz M, III, Grant-Kels JM. Melanoma prognostic factors found in the dermatopathology report. Clin Dermatol 2009;27:53-74.
19. Kirkham N, Cotton DW. Measuring melanomas: the Vernier method. J Clin Pathol1984;37:229-30.
20. Clark WH, Jr., From L, Bernardino EA, Mihm MC. The histogenesis and biologic behavior of primary human malignant melanomas of the skin. Cancer Res 1969;29:705-27.
21. Elder D. Lever's Histopathology of the skin. Philadelphia (PA): 2009.
22. Vihinen PP, Pyrhonen SO, Kahari VM. New prognostic factors and developing therapy of cutaneous melanoma. Ann Med 2003;35:66-78.
23. Clemente CG, Mihm MC, Jr., Bufalino R, Zurrida S, Collini P, Cascinelli N. Prognostic value of tumor infiltrating lymphocytes in the vertical growth phase of primary cutaneous melanoma. Cancer 1996;77:1303-10.
24. Kashani-Sabet M, Sagebiel RW, Ferreira CM, Nosrati M, Miller JR, III. Vascular involvement in the prognosis of primary cutaneous melanoma. Arch Dermatol 2001;137:1169-73.
25. Gentile RD, Donovan DT. Neurotropic melanoma of the head and neck. Laryngoscope1985;95:1161-6.
26. Garnier JP, Letellier S, Cassinat B et al. Clinical value of combined determination of plasma L-DOPA/tyrosine ratio, S100B, MIA and LDH in melanoma. Eur J Cancer 2007;43:816-21.
27. Balch CM, Buzaid AC, Soong SJ et al. Final version of the American Joint Committee on Cancer staging system for cutaneous melanoma. J Clin Oncol 2001;19:3635-48.
O melanoma maligno (MM) corresponde a uma neoplasia maligna de melanócitos, resistente tanto à quimioterapia como à radioterapia, pelo que o seu tratamento de eleição é cirúrgico. Em virtude do alto potencial metastático, o objectivo principal consiste no diagnóstico e tratamento na fase inicial da doença. A primeira publicação deste tumor foi efectuada pelo médico francês René Laennec em 1806.(1)
Na pele, o MM inicia-se habitualmente na epiderme a partir de mutação ocorrida em melanócito aí localizado. É denominado MM in situ enquanto se encontra confinado à epiderme, incluindo-se nesta o epitélio anexial (folículos pilosos e glândulas sudoríparas). Nesta fase, não existe risco de metastização, em virtude de o epitélio carecer de vasos sanguíneos e linfáticos.
O passo seguinte na evolução do MM corresponde à invasão da derme e é a partir deste momento que o MM se torna realmente “maligno”, uma vez que ganha a possibilidade de metastizar para tecidos e órgãos distantes.
Só em cerca de um quinto dos casos o MM tem origem em lesão melanocítica benigna prévia, como nevos congénitos, principalmente nos denominados congénitos gigantes (quando o seu maior eixo é superior a 20 cm) e também em nevos adquiridos (nevos displásicos, ou muito raramente, em nevos azuis).
Critérios de diagnóstico
O diagnóstico de MM assenta essencialmente na correlação entre a clínica e a observação microscópica de cortes histológicos representativos de todo o tumor, corados por hematoxilina e eosina (H&E), pois ainda não existe nenhum marcador imuno-histoquímico, 100% específico e sensível, para o diagnóstico de MM, que nos permita substituir o exame histológico de rotina.
O MM consiste habitualmente numa mancha hiperpigmentada, única, que evolui progressivamente para pápula e posteriormente para tumor, fazendo parte da chamada lista dos tumores negros cutâneos.(2)
A cor homogénea da lesão inicial, com o tempo, vai ganhando várias tonalidades como o negro, o castanho-escuro, o castanho-claro, o vermelho, o azul e o cinzento. Os bordos, que começam por ser regulares, vão-se tornando irregulares, assim como a superfície, que de início é lisa, pode alternar áreas atróficas (com eventual ulceração secundária) e áreas verrucosas.
No estudo de uma lesão melanocítica é classicamente utilizado o acrónimo ABCDE, cujas letras correspondem às iniciais de: Assimetria, Bordo irregular, Cor variada, Diâmetro superior a 6 mm e Elevação/evolução.
Actualmente pode realizar-se a observação das lesões suspeitas por dermatoscópio de luz polarizada (microscopia por epiluminescência), que permite um aumento de dez ou mais vezes.
Na semiologia clínica do MM que surge em lesão melanocítica prévia, deve ser valorizado não só o aparecimento de áreas de hipopigmentação, como também o prurido, a hemorragia e a ulceração.
O MM surge sobretudo em indivíduos caucasóides, com mais de 40 anos de idade, sendo raro na puberdade e excepcional nas crianças. Não se observa predomínio de qualquer um dos sexos.
Em perspectiva clínico-patológica, os MM encontram-se divididos classicamente em quatro tipos:
- MM de crescimento superficial
- MM sobre lêntigo maligno
- MM nodular
- MM acrolentiginoso.
O MM é amelanótico quando contém nenhum (ou pouco) pigmento melânico, o que dificulta o seu diagnóstico clínico. Localiza-se preferencialmente na face de idosos e está associado habitualmente com padrão histológico de desmoplasia, constituindo o grupo denominado MM Desmoplásico, que foi tema da minha tese de doutoramento.(3)
Incidência, prevalência e mortalidade
A incidência e a prevalência do MM variam com os factores de risco pessoais e ambientais.
Como factores de risco pessoais, podemos enumerar características próprias a cada indivíduo, como a história pessoal ou familiar de MM,(4) presença de potenciais lesões precursoras de MM (como grande número de nevos displásicos e até de nevos comuns(5;6), a susceptibilidade da pele ao Sol(7) e a presença de indicadores de dano actínico crónico.
Como exemplos de factores de risco do ambiente, a estadia em locais de maior exposição à radiação ultravioleta (menor latitude e maior altitude), principalmente na infância.(8)
A maior incidência de MM ocorre na população branca do continente australiano, seguida do continente norte-americano e da Europa setentrional com taxas de incidência padronizadas por idade, por 100 000 habitantes e por ano de 37.7, 16.4 e 8.4 para o sexo masculino e de 29.4, 11.7 e 10.0 para o sexo feminino, respectivamente.(9) Nos Estados Unidos da América, a incidência de MM entre a população branca é cerca de 20 vezes superior à observada na população negra.(10) Em Portugal não existem estatísticas fidedignas da sua ocorrência.
Nos casos de MM acral(11) ou das mucosas é difícil entender a acção patogénica da radiação ultravioleta na sua origem. Os MM subungueais representam cerca de 20% dos MM observados nas pessoas de pele escura, incluindo nestas as populações orientais, enquanto correspondem a 2% na população branca.(12) Num estudo de 406 MM subungueais publicado em 2002,(13) a localização preferencial do MM foi no 1.º dedo, tanto das mãos (58% no dedo polegar), como dos pés (86% no hallux). Estes autores sugerem como causa mais provável deste tipo de MM o traumatismo.
Factores de prognóstico
Clinicamente podemos afirmar que são variáveis de pior prognóstico:
• Idade – MM com a mesma espessura têm habitualmente um comportamento mais agressivo nos doentes com mais de 60 anos.(14)
• Localização anatómica – MM da cabeça e pescoço e do tronco estão associados com uma maior taxa de metástases e de mortalidade do que o MM acral.(15) Quando os MM ocorrem na cabeça, o couro cabeludo é a localização associada com o pior prognóstico.(16)
• Sexo – Habitualmente os MM com a mesma espessura têm um comportamento mais agressivo nos homens do que nas doentes do sexo feminino.(17)
• Ulceração – Habitualmente associada a um volume tumoral maior e, portanto, a um pior prognóstico.(18)
O estudo histológico da totalidade da peça excisada permite-nos estudar as variáveis histológicas com interesse prognóstico:
• Nível de Breslow - corresponde à espessura do MM em mm medida na vertical entre o topo da camada granulosa e a célula tumoral localizada mais profundamente.(19) Isoladamente é a característica mais importante na previsão do tempo de sobrevida de doentes com MM exclusivamente cutâneo.(15)
• Nível de Clark corresponde ao grau de invasão tumoral e divide-se em 5 níveis sendo o nível I quando a lesão se encontra confinada à epiderme e seus anexos (MM in situ), nível II quando se limita à derme papilar, III na transição entre a derme papilar e a reticular, nível IV quando atinge a derme reticular, até ao nível V que corresponde à invasão tumoral do panículo adiposo.(20) A percentagem de doentes com sobrevida livre de doença aos 10 anos é de acordo com os 5 níveis de 100%, 96%, 86%, 66% e 53%, respectivamente.(21)
• Ulceração define-se como uma solução de continuidade no epitélio que recobre o tumor, com evidência de reacção do hospedeiro, para se poder excluir a que resulta do traumatismo da biópsia. Está demonstrado que a ulceração agrava o prognóstico em inúmeras análises multivariáveis já publicadas.(22)
• Regressão corresponde à “destruição” de partes do MM por linfócitos memória, que se pensa terem metastizado primariamente para um gânglio regional e que “regressaram” ao tumor. Faz-nos também pensar que o tumor já teria tido uma espessura maior, numa fase prévia ao recrutamento das células inflamatórias.(15)
• Índice mitótico expressa-se em baixo, médio e alto, de acordo com o número de mitoses por mm2, quando são: inferiores a 1, entre 1 e 4 e mais de 4 mitoses, respectivamente. A presença de mitoses na derme está associada a uma diminuição da sobrevida. Quando o número de mitoses é igual ou superior a 6, o risco de metastização é 12 vezes superior ao de um doente em cujo tumor não se observa qualquer mitose.(17)
• TIL ou tumor infiltrating lymphocytes corresponde à presença de linfócitos infiltrando o tumor (entre ou em contiguidade com as células tumorais) e mostrou ter um significado prognóstico independente.(23) O prognóstico é melhor quando existe uma reacção inflamatória intensa, definida como uma banda linfocitária densa, por baixo do tumor ou infiltrando difusamente o próprio tumor. Inversamente, a ausência de infiltrado inflamatório está associada a um pior prognóstico. O volume do infiltrado linfocitário é inversamente proporcional à espessura do MM primário, sendo habitualmente escasso nos tumores que são invasivos em profundidade.
• Invasão linfo-vascular corresponde à presença de células tumorais não só dentro dos vasos linfáticos ou sanguíneos, como também na sua parede (junto às células endoteliais) e está associada a um pior prognóstico.(24)
• Neurotropismo corresponde à observação microscópica de células tumorais malignas no espaço perineural dos nervos. O neurotropismo pode ser intraneural, perineural ou ter aspectos de diferenciação neural, simulando células de Schwann. A extensão do MM ao longo de nervos cranianos periféricos pode ser uma complicação de alguns MM da cabeça e pescoço, principalmente da variedade desmoplásica. Denominam-se então MM neurotrópicos e podem estar associados com infiltração local, recidivas múltiplas e metástases para o SNC.(25)
• Satelitose corresponde à presença de focos tumorais, isolados do tumor principal, localizados a menos de 5 cm da lesão primária. Quando os focos tumorais surgem na mesma região anatómica, mas a uma distância superior a 5 cm denominam-se metástases em trânsito. A presença de satelitose é um indicador de mau prognóstico, pois corresponde ao estádio IV do sistema de classificação da American Joint Commission on Cancer Staging Committee(AJCC), mesmo quando as metástases são apenas microscópicas.(26)
Os aspectos do tumor primário (T) – espessura em mm (= 1.0, 1.01-2.0, 2.01-4.0, > 4.0), juntamente com a presença ou ausência de ulceração, o n.º de mitoses por mm2 e o nível de Clark (II/III e IV/V); a presença e o número das metástases ganglionares (N) e a presença e a localização das metástases à distância (M), para determinar o estádio baseado nestes três atributos (TNM). O aumento sérico da enzima desidrogenase láctica ou LDH, tem igualmente interesse como sinal de mau prognóstico.(26)
Informação recolhida pelo AJCC concluiu que os MM finos (de espessura igual ou inferior a 1 mm) têm um excelente prognóstico com uma sobrevida superior a 90% aos 5 anos, em contraste com os MM espessos (de espessura superior a 4 mm) que estão associados a um pior prognóstico, com cerca de 45% de sobrevida aos 5 anos.(15;27)
Além da espessura, outros factores são relevantes para o estabelecimento do prognóstico. Foi assim proposta pela AJCC a separação dos doentes com MM, em subgrupos de prognóstico semelhante, com interesse no tratamento e na investigação.
Esta classificação, baseada na associação das informações clínicas e histopatológicas, permite a separação dos doentes em estádios, entre 0 e IV, com prognósticos distintos. O estádio 0 corresponde ao MM in situ; os estádios I e II aos MM primários exclusivamente cutâneos; o estádio III corresponde à metastização ganglionar, sendo o factor mais relevante, não o tamanho dos gânglios envolvidos, mas sim o seu número (1, 2 ou 3 e, 4 ou mais); o estádio IV corresponde à fase de MM com metástases à distância (pele e tecido celular subcutâneo, pulmão e qualquer outro órgão ou quando o valor do enzima desidrogenase láctica – LDH se encontra elevado).
A sobrevida aos 5 anos para os doentes com MM primários diagnosticados nos estádios entre 0 e II é de cerca de 80%, se comparada com uma sobrevida de 35% quando os gânglios linfáticos estão invadidos (estádio III). Quando existem metástases à distância (estádio IV) a sobrevida aos 5 anos é na ordem dos 10%.(15)
Luís Soares de Almeida
Clínica Universitária de Dermatologia de Lisboa
luis.soares.almeida@gmail.com
Bibliografia
1. Laennec RTH. "Sur les melanoses". Bulletin de la Faculte de Medecine de Paris 1806; 1: 24–26.
2. Esteves JA, Baptista AP, Rodrigo FG, Gomes MM. Disposição neoplásica. EM: Esteves JA, Baptista AP, Rodrigo FG, Gomes MM, eds. Dermatologia. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1992: 820.
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