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Álcool aos “Xutos e Pontapés” no Ciclo de Palestras da AEFML
Zé Pedro, dos “Xutos e Pontapés”, falou na primeira pessoa durante a palestra “O Álcool e a Saúde”, acompanhado pelo Prof. Doutor Rui Tato Marinho (ex Presidente da Associação Portuguesa para o Estudo do Fígado e Hepatologista do Hospital de Santa Maria) e pela Dr.ª Manuela Sousa, (pelo Centro de Acolhimento “Olá Jovem”).
Esta última palestra integrada no “Ciclo de Palestras da Associação de Estudantes da Faculdade de Medicina de Lisboa”, aconteceu no passado dia 2 de Junho de 2010, foi dedicada a um tema suficientemente interessante para cativar estudantes, clínicos e leigos, uma vez que as causas associadas ao consumo nocivo de álcool constituem um problema cada vez mais prevalente e de importância fulcral, tanto ao nível social como na prática clínica.
O Prof. Doutor Rui Tato Marinho, atribuindo o curioso título “Os benefícios do Álcool” à sua apresentação, trouxe a debate a principal causa de mortalidade em Portugal na faixa etária da maioria dos presentes na sala.
Embora esteja, actualmente, muito ligado na prática às consequências do consumo de bebias alcoólicas ao nível da doença hepática, como patologista, não veio falar sobre os malefícios do consumo, mas propôs-se focar apenas três pontos considerados muito importantes no actual Plano Nacional de Redução dos Problemas Ligados ao Álcool. Iniciou porém a sua intervenção salientando e deixando bem claro, logo de início, que não tem nenhum conflito de interesses com o álcool, assumindo-se até como apreciador de algumas bebidas.
No momento em que definiu a grandeza do problema realçou no entanto que, segundo as suas próprias palavras - «Portugal é um país que vive banhado em Álcool», ou seja, um dos países onde o consumo per capita é dos mais representativos, tendo atingido o 8º lugar a nível mundial e situando-se geograficamente num continente com a impressionante média de 11 litros/ano por habitante.
Ainda que a doença de fígado não seja unicamente causada pelo exagerado consumo de bebidas alcoólicas, esse comportamento de risco conjuntamente com as hepatites (particularmente a C e a B) torna-a uma das mais letais na Europa, causando cerca de oito vezes mais óbitos do que o S.I.D.A.
Actualmente a tendência é para a chamada “feminização do alcoolismo”, sendo que também se caracteriza por uma maior prevalência da prática do consumo esporádico excessivo ou binge drinking (5 a 6 bebidas no homem e 4 a 5 bebidas na mulher, geralmente destiladas e durante um espaço de tempo limitado, usualmente aceite como 2 horas ou menos).
Este consumo de risco corresponde a um padrão que provoca dano se persistir; e que aumenta o risco de várias doenças, acidentes, lesões, transtornos mentais ou de comportamento, podendo levar à morte precoce do indivíduo. Tem consequências adversas muito piores do que o alcoolismo crónico a que estávamos habituados, pois está intimamente relacionado com o aumento da violência, das mortes na estrada, do suicídio, dos comportamentos sexuais de risco, das paragens cardíacas por arritmias e muitas vezes com o coma alcoólico.
Uma das propostas do actual Plano Nacional de Redução dos Problemas Ligados ao Álcool é precisamente reduzir a taxa de alcoolémia nos jovens ou nos profissionais, porém há vários pontos passíveis de lançar alguma polémica neste documento, salientando-se a questão da aplicação da taxa de alcoolémia de 0,2 aos jovens, a questão da idade dos 18 anos como limite inferior de idade para início do consumo e a questão da publicidade directa e indirecta às bebidas alcoólicas.
Na prática pode-se dizer que, de acordo com um dos gráfico apresentados, a diferença entre o consumo de 1 para 2 “shots” é que o risco de morte na estrada aumenta 7 a 8 vezes (de 700% a 800%) nos rapazes e para o dobro nas raparigas, pelo que os resultados influem na decisão de alterar a lei dramaticamente.
A questão da idade mínima baseou-se igualmente em decisões ponderadas com base em estudos científicos. A idade mais segura será a dos 21 anos mas, sem extremismos, podem-se aceitar outras idades.
Uma das conclusões apresentadas foi o facto de que quem inicia o consumo de álcool durante a adolescência (nomeadamente a partir dos 13 ou 14 anos) tem maior probabilidade de vir a sofrer consequências na idade adulta, destacando-se o risco do desenvolvimento de dependência. De acordo com a tendência revelada, passar dos 16 para os 18 anos, como idade mínima em que o consumo de álcool é permitido, seria uma forma de se reduzir esse risco.
Os limites propostos à publicidade têm eco noutros países como o Reino Unido. Há uma curva paralela entre o investimento em publicidade e o consumo entre os jovens e por essa razão a proibição em relação à publicidade deveria seguir o mesmo percurso da que apela ao consumo do tabaco.
Nesta palestra alertou-se ainda para o facto do consumo nocivo de álcool apresentar analogamente consequências para a sociedade em geral, não se limitando unicamente a quem bebe. Os padrões nocivos e perigosos de consumo de álcool apresentam assim consequências significativas em matéria de saúde pública, tendo por essa razão efeitos negativos na sociedade sendo uma das primordiais causas de morte prematura e de doenças evitáveis.
A terminar deixou alguns conselhos indispensáveis, mais vocacionadas para a assistência, destacando-se o início do consumo de álcool apenas a partir dos 18 anos de idade; nunca se beber em caso de condução; não se consumirem mais de duas a três bebidas alcoólicas diárias e ter-se o maior cuidado em relação à informação e publicidade.
Seguidamente foi convidada a tomar a palavra a Dr.ª Manuela Sousa, especialista em Medicina Geral e Familiar, actualmente a trabalhar no Centro de Saúde da Damaia.
Em 2001, após ter concluído uma pós-graduação em Medicina na Adolescência, foi co-fundadora e, desde então, tem sido coordenadora do Centro de Atendimento à Adolescência do Concelho da Amadora denominado “Olá Jovem”, sobre o qual foi convidada para falar nesta palestra.
Para resumir, de forma sintética e abreviada, os objectivos da instituição que coordena, destacou a promoção da saúde dos adolescentes entre os 12 e os 21 anos, incutindo-lhes estilos de vida saudáveis e garantindo-lhes uma continuidade de cuidados.
Este projecto aposta muito na melhoria da acessibilidade dos adolescentes aos cuidados de saúde, uma vez que actualmente existe uma precariedade nesta área específica, onde destaca a necessidade de confidencialidade nos cuidados de saúde primários e só depois é que assumem importância a privacidade, as consultas gratuitas e as restantes componentes.
A solução passa pela abordagem “bio-psico-social” através de um grupo de trabalho a actuar através de um modelo específico e com os mesmos objectivos. O Centro “Olá Jovem” é por essa razão constituído por uma equipa multidisciplinar, a qual inclui não só médicos mas também enfermeiros, uma psicóloga e uma socióloga, que funciona numa geográfica aberta. É nesse sentido que se torna necessário ir ao encontro dos jovens na comunidade.
Em relação aos padrões nocivos e perigosos de consumo de álcool, foram ainda prestadas inúmeras informações, concluindo-se que, apesar do recente Plano Nacional de Redução dos Problemas Ligados ao Álcool, tutela não falta, o que falta é fiscalização.
De acordo com a experiência vivida no Centro “Olá Jovem”, a já referida prática do consumo esporádico excessivo ou binge drinking aos fins-de-semana, foi focado com um factor de risco, nomeadamente quanto relacionado com a prática de sexo sem precaução por parte de jovens que durante o resto da semana têm, nesse aspecto específico, um comportamento exemplar mas que, sob o efeito do Álcool, são levados a cometer as maiores atentados à sua saúde através de comportamentos de risco elevado.
Foi ainda apresentado um trabalho relativo à área projecto sobre o álcool, da autoria de 3 participantes no Centro “Olá Jovem”. Este trabalho foi liderado pela Prof. Doutora Anabela Alvejado, tendo sido denominado ao tema “Os Jovens e Noite”, com uma análise crítica sobre os comportamentos de risco ligados à diversão nocturna e algumas propostas de mudanças de atitude.
No último painel, denominado “Testemunho na Primeira Pessoa”, o guitarrista fundador da banda “Xutos e Pontapés” - Zé Pedro – propôs-se a transmitir, com a ajuda do Prof. Doutor Rui Tato Marinho, o seu depoimento sobre um passado relacionado com padrões nocivos e perigosos de consumo de álcool e narcóticos. Tendo-se revelado um comunicador excepcional, prendeu a assistência com o respectivo percurso de vida, nomeadamente até ter sido internado, há 9 anos atrás, devido a complicações de saúde, incluindo uma hemorragia interna e uma hepatite, na sequência de comportamentos de risco.
O essencial da mensagem não foi tanto no sentido dos jovens evitarem a todo o custo o consumo nocivo e perigoso rotineiro ou cultural, mas sim de apostarem na máxima cautela, através da informação de que hoje dispõem e aprenderem com as suas próprias experiências. Considerou ainda que a comum noção de que se deve experimentar tudo na vida não é a mais correcta, antes pelo contrário. Aconselhou os jovens a seleccionarem prioritariamente aquilo que lhes faz bem e até onde devem estabelecer os respectivos limites.
A sua mensagem principal foi incutir aos jovens a sabedoria para dizerem não e saberem parar, mesmo no seio do respectivo grupo de amigos. Esse será um dos trunfos essenciais para evitarem ultrapassarem os limites do aceitável. Quanto aos estímulos para o cérebro e para a compensação da rotina ou da frustração, explicou que podem ser encontradas mediante outros processos, tendo a propósito transmitido inúmeros exemplos hilariantes que deixaram a assistência muito bem disposta.
O diálogo que se seguiu serviria para esclarecer a relação médico/doente no tratamento/recuperação do alcoolismo e das consequências do consumo de risco, nocivo e perigoso (sobretudo entre os jovens), o papel dos enfermeiros e dos médicos no internamento, o exemplo dos ícones para os adolescentes, os limites que não devem ser ultrapassados, as vantagens do consumo moderado e o testemunho directo sobre a transição de um consumo desmedido para a abstinência.
Surgiu inclusivamente um estímulo para uma eventual reflexão sobre experiências como o “Rally das Tascas”, a “Semana do Caloiro” e outras actividades tradicionais da vida académica, onde o consumo nocivo de álcool é incentivado e muito popular, levando muitos estudantes a ultrapassarem os respectivos limites.
Equipa Editorial
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