Espaço Aberto
Sobre aquilo a que chamam a bênção ou, como diria Jim Morrison, ‘This is the end, my friend’
Em alturas como esta, os textos sobre a ocasião tendem a ser como as novelas da TVI. Demasiado longos, demasiado lamechas e com muito pouca verdade. Em alturas como esta, de recapitulação e síntese, a tentação é de lembrar apenas o que de melhor aconteceu. Como escrever uma fita. O tempo escasseia e foge. Estudo, trabalho, jantares, encontros, estágio, tese de mestrado, o Papa vem e o Papa vai. E, no meio de tudo isto, como se tivéssemos tempo para parar e pensar, alguém nos vai enchendo as mãos de pedaços de pano e espera que consigamos escrever, em meia dúzia de linhas, o que vivemos em seis anos. E, quando pensamos no que escrever, quando pensamos no que dizer, vêm sempre as costumeiras ocasiões que, daqui a vários anos, gostaríamos de ler para nos recordar como o curso foi incrivelmente prazeiroso do princípio ao fim. A uns, deixamos emocionadas dedicatórias de amor e amizade eterna – mesmo que saibamos que a eternidade dura, em muitos casos, poucos meses. A outros, desejos de felicidade e lembranças de uma qualquer altura ébria em comum – que, sejamos sinceros, foi a forma que arranjámos para enfrentar grande parte do curso. Raramente nos lembramos que, nestas alturas, somos como novelas. Tudo foi belo, tudo foi fácil. Não foi. Sofremos. Todos. Tivemos medo. Duvidámos. Pouco importa, porque chegámos ao fim. O que, em abono da verdade, também não é feito heróico, outros o fizeram antes de nós, muitos deles melhor. É por isso que não acho especial encanto a esta data. A sociologia tende a ser curiosa. Falamos a pessoas que durante anos raramente dignámos cumprimentar e uma qualquer aura de grupo parece fazer-nos sentir pertença de qualquer grupo imaginário de finalistas. Talvez no facebook. O que menos me importa é a bênção, a queima ou o que ela significa. Interessa-me que durante seis anos tenha rido e chorado (sim, eu sei, um homem não chora. Damned), sofrido e ultrapassado. Que tenha errado, muito e demasiado. Que, chegado ao fim, o saldo seja, para além de positivo, eterno. Mais que uma fita. No dia da bênção, o que menos importa é a bênção, mas a forma como chegámos lá. Individualmente. Importa-me menos o que temos todos em comum por termos acabado um curso, mas o que não podemos tornar de todos porque ninguém o teria feito assim. Há coisas que não se escrevem numa fita, que não se põem num texto porque chegámos ao fim de um curso. Há coisas que merecem ser vividas. Ou, como diria Kurt Cobain, esse poeta da desgraça que lembramos vezes de menos, ‘I’d rather be hated for what i am, than loved for what i’m not.’
Gustavo Jesus
gustavonjesus@gmail.com
Gustavo Jesus
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