Foi desta forma que o Professor da FMUL, Óscar Dias, começou a apresentação sobre o nascimento da Sala da medicina no Museu Nacional de História Natural e da Ciência, MUNHAC. Um espólio diverso que está em exposição e que merece ser visto.
Na manhã de sábado a conversa centrou-se na história e na evolução da otorrinolaringologia, da qual o cicerone é especialista no Hospital de Santa Maria.
Foi numa manhã de sábado que muitas caras da FMUL e do HSM se encontraram num sítio não muito óbvio: Museu Nacional de História Natural e da Ciência. A razão? O Professor Óscar Dias, otorrinolaringologia e professor na faculdade de medicina foi convidado para dar uma aula sobre a história e a evolução da otorrinolaringologia, durante os séculos XIX e XX.
Foram muitos os que assistiram, tantos que foram precisas cadeiras extra para sentar todos, muitos são alunos da FMUL, o que deixou o Professor Óscar Dias visivelmente satisfeito.
No hall do museu o Professor aguardava que todos chegassem e, de seguida, fomos encaminhados para uma sala onde estavam expostos minérios.
Uma mesa, um computador e um projetor eram tudo o que o Professor precisava para passar a mensagem. Entusiasmo não faltava!
Como é que tudo começou?
Para percebermos esta sinergia é preciso andar para trás no tempo. Em 2015-2016 deu-se início a uma colaboração com o Museu da Universidade de Lisboa e com a Biblioteca da FMUL. O objetivo era dar vida a património de cerca de 1 século de existência, proveniente da Clínica Universitária de ORL. O que se passou de seguida é fascinante porque da premissa para se fazer um livro, com o levantamento do material existente, que contasse a história da evolução desta área da medicina, surgiu um enorme interesse por parte dos estudantes, que acabaram por desenvolver tópicos, material audiovisual e trabalhos de Mestrado na cadeira de ORL. Para serem avaliados, foram convidados jurados representantes da Biblioteca e do Património Museológico da FMUL, do Museu da Universidade, da faculdade de Letras e especialistas de ORL, acabando por ganhar uma dimensão que já não cabia na Faculdade.
O espólio foi catalogado seguindo as normas do Museu da Ulisboa e a coleção passou a ser referenciada a partir de 2016 no livro da Ulisboa- Museus, Coleções e património. Meio caminho estava feito!
Em 2018 foi apresentada a primeira versão do E- Museu de ORL na Sala de Medicina com o apoio da AEFMUL. Com a contribuição de várias empresas que ofereceram desde mesas interativas, a outras ferramentas, a existência de uma Sala de Medicina neste museu, tornou-se possível e hoje é uma realidade que pode ser visitada.
“Rossa boca” ou entrada da gruta
É no primeiro andar que existem vários armários com exposições variadas desde modelos feitos em cera que ilustram doenças venéreas e dermatológicas a estojos com materiais médicos de várias especialidades. É impossível olhar para a panóplia de ferramentas e não sentir algum arrepio. Não há dúvida que a ciência evoluiu muito e o bem-estar que isso trouxe é inequívoco!
A verdade é que, por exemplo, antes da existência da anestesia geral havia quem não morresse do mal, mas sim da cura. Alguns atos médicos eram feitos a sangue frio, outros ainda estavam a meio caminho de serem eficazes e causavam muito sofrimento. Foi graças à persistência, à tentativa, ao estudo e à observação de muitos que não se ficaram pela repetição do que já era conhecido que se permitiu chegar até aqui.
Um deles é Câmara Pestana que em 1894 ficou encarregue pela administração do hospital de S. José do estudo e tratamento da difteria. Terá sido quem primeiro efetuou uma traqueotomia numa criança doente, injetando o soro antidiftérico e salvando-a.
O espelho frontal eletrificado nasceu da observação dos capacetes dos mineiros que inspirou um médico. A lanterna que tinham na parte da frente e que lhes permitia iluminar o caminho, foi adaptada ao espelho frontal, tornando-o no espelho frontal iluminado e permitindo agora ter acesso a “rossa boca” ou “entrada da gruta” como era conhecida a cavidade bocal. Este novo instrumento tornou visível a garganta e permitiu operar com maior rigor, com menos dificuldade.
O ouvido, pequeno e de difícil acesso permaneceu um mistério. Não se percebia o que acontecia nas zonas às quais não se tinha acesso. Mas uma das estruturas era conhecida e ganhou nome do latim kokhlia, que significa caracol, e percebe-se porquê!
A cóclea, tão importante por causa dos aparelhos auditivos usados em casos de surdez. É aqui que todas as vibrações se transformam em impulsos elétricos que chegam ao cérebro e são descodificados. As vibrações são convertidas em impulsos elétricos no caracol e através da estimulação das células ciliadas. Quando há destruição destas células, há perda de audição. À medida que envelhecemos isso é inevitável, mas tal como qualquer outro órgão, se bem tratada e preservado, permanece em boas condições. O professor Óscar Dias reforçou esta ideia e por isso apresentou um flyer com informação prática e útil, feita numa linguagem acessível, para ser distribuída por todos, nomeadamente pelas crianças. Quanto mais cedo perceberem que têm de proteger o ouvido, durante mais tempo preservam a capacidade auditiva. Há também um vídeo feito pelas alunas de MIM, Ana Crucho, Catarina Lopes e Joana Manaças, através do projeto I-NERD que conta muito bem a importância e os cuidados a ter com o ouvido.
O nariz outra estrutura escondida e com uma anatomia de difícil acesso, que se foi desvendando graças ao aparecimento do espelho e do espelho angular e por aí adiante. A eletricidade e o vídeo revolucionaram e permitiram que não haja zonas escondidas. Hoje quando o médico investe numa cirurgia ele sabe o local, o tamanho e a formação exata do que procura e isto tornou a prática médica mais minuciosa, mas complexa, mas mais previsível e, menos invasiva para o paciente.
A descoberta da anestesia geral, dada de forma quase impercetível para o doente foi talvez o passo dado na terra, equivalente ao que foi dado por Neil Armstrong. Permitiu cirurgias e tratamentos de muitas doenças que até então não tinham como ser travadas.
Permitiu também tornar tudo mais funcional e menos agressivo. No seculo XIX havia umas estruturas metálicas onde eram colocadas compressas embebidas em clorofórmio que adormeciam as pessoas. No século seguinte as máscaras negras, de borracha tinham a mesma função e foram utilizadas em massa para as cirurgias às amígdalas. Gerações foram adormecidos desta forma até chegarmos à inoculação indolor praticada nos hospitais em todo o mundo.
Olhar para dentro do ouvido foi mais fácil com a invenção do auriscópio em 1865, mas o espéculo pneumático permite aumentar a pressão no ouvido e isso faz com o tímpano mexa. Torna o conhecimento mais alargado. Mais tarde aparece o otoscópio que melhora a visão em várias zonas. A lupa monocular dá origem ao microscópio cirúrgico e a observação da fisiologia dos pássaros permite chegar à cirurgia funcional do ouvido. Incrível!
As cordas vocais foram um mistério durante séculos e foi um professor de canto que as observou pela primeira vez. A endoscopia de contacto é onde chegámos. Uma camara na ponta da sonda permite observar tudo o que existe no interior. Mas para aqui chegarmos, já percebemos que todas as invenções em diversas áreas deram um contributo.
E para fechar o circuito, vamos perceber que até as pedras, estão ligadas à medicina. Antes de se perceber que uma folha de prata colada num vidro resultava num espelho, a imagem era refletida na água, num lago, numa bacia. Apenas pouco conseguiam chegar ao “espelho” possível da época e que era feito de uma pedra, negra, muito brilhante que permitia que a imagem fosse refletida. Essa pedra chama-se obsidiana e existe um exemplar em exposição, que migrou da Ilha Terceira. Não foi usada na medicina, que se saiba, mas quando a descoberta do verdadeiro espelho, como o conhecemos hoje, aconteceu, a medicina beneficiou disso.
O espelho é sem dúvida uma invenção que deu um kick off na medicina em várias áreas. Com o espelho foi possível chegarmos a este conceito; “Vamos espreitar o ouvido, o nariz e a garganta” que foram o mote da conversa no sábado de manhã no Museu Nacional de História Natural e da Ciência.
E que maneira melhor há de passar o tempo, se não a aprender de forma descontraída e tranquila?
O convite partiu do MUNHAC integrado nas Jornadas Europeias do Património 2023.
Dora Estevens Guerreiro
Equipa Editorial
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