As doenças cardiovasculares são a principal causa de morte no mundo e Portugal não é exceção, mas sabe-se também que 80 por cento dessas doenças, são possíveis de prevenir. Perante estes números é legítimo perguntar o que é que não está a funcionar?
Como podemos contribuir de forma mais eficiente, para a promoção da literacia e saúde cardiovascular na sociedade? Como podemos sensibilizar, esclarecer, disponibilizar informação, ferramentas e os meios necessários para um maior conhecimento e uma efetiva mudança de atitudes na população? Estas foram apenas algumas das perguntas feitas por um grupo vasto de profissionais que se reuniram no Dia Mundial do Coração. O objetivo era o de dar resposta a estas e outras perguntas, na tentativa de ultrapassar obstáculos e tornar mais eficiente e eficaz as mensagens que queremos passar enquanto agentes de saúde. Crianças, jovens, adultos e população sénior estão todos convocados! É necessário que a mensagem chegue até eles, mas sobretudo que seja entendida, pois só assim pode ser assimilada e aplicada no seu dia a dia, até se tornar um hábito e o que queremos é que seja um hábito saudável.
Todos aspiramos a uma vida longa, feliz e saudável e a comunidade científica tem feito o seu melhor para o tornar possível. Mas o nível de literacia dos cidadãos constitui também um importante fator no modo como estes são, ou não, capazes de tomar decisões relacionadas com a sua saúde. De acordo com a Organização Mundial de Saúde, as doenças cardiovasculares representam a principal causa de morte e morbilidade à escala global, incluindo Portugal, embora aproximadamente 80% destas doenças pudessem ser evitadas com base na prevenção.
Foi com este desafio em mãos que, no passado dia 29 de setembro, Dia Mundial do Coração, o Centro Cardiovascular da Universidade de Lisboa (CCUL) e a Agência Nacional para a Cultura Científica e Tecnológica (Ciência Viva), organizaram a iniciativa “Por um coração saudável: À procura de uma comunicação eficaz para a prevenção de doenças cardiovasculares”. Um debate informal, multidisciplinar e ao estilo de World Café, que reuniu em torno da mesma mesa especialistas na área da saúde, educação, comunicação, gestão de ciência, jovens estudantes e pacientes, com um objetivo comum: identificar desafios e encontrar soluções concretas para promover a saúde cardiovascular.
A promoção da literacia cardiovascular nas escolas, o contributo dos centros de saúde, as estratégias de ação local para a promoção da saúde cardiovascular, a prevenção e reabilitação secundária dos doentes cardiovasculares, e o papel da comunicação social, constituíram os cinco temas em foco neste debate.
Depois de uma breve sessão de boas-vindas no novo Edifício Reynaldo dos Santos, os convidados foram cuidadosamente distribuídos pelos 5 grupos de trabalho. Compostos por um total de 7 a 11 participantes, de diferentes instituições e áreas profissionais, o primeiro objetivo na formação dos grupos foi garantir a multidisciplinaridade, a diversidade de pensamentos, conhecimentos e integração de diferentes perspetivas na discussão de um problema comum.
Contando com o apoio de um moderador, que conduziu o grupo no sentido de manter o foco, conectar ideias, e aprofundar o debate, o princípio deste método é garantir que todos participantes são protagonistas na comunicação, na idealização de soluções e criação de propostas concretas para a resolução de um problema comum.
Após as devidas apresentações, os participantes em cada grupo de trabalho identificaram um problema concreto, no âmbito do tema em destaque. Definido o problema, cada grupo elaborou duas propostas de trabalho, com vista à resolução do desafio identificado. As propostas foram depois apresentadas ao plenário, e eleitas por votação coletiva. O presente documento faz um resumo destas propostas, cujo objetivo é, agora, que se possam transformar em ambiciosos projetos-piloto.
Além dos contributos significativos para o tópico em causa, a iniciativa serviu para testar formatos de envolvimento e participação em questões complexas que exigem uma colaboração entre ciência e sociedade.
Promoção da Literacia Cardiovascular nas Escolas
Rita Pereira | Investigadora, CCUL, FMUL (moderadora)
Ana Cipriano | Estudante universitária, FMUL,
Ana Luísa Santos | Chefe de divisão do ensino secundário, DGE
Ana Paz | Professora e adjunta de direção, AE Restelo
Ana Raquel Rodrigues | Estudante universitária, FMUL, AEFML
Catarina Ribeiro | Estudante universitária, FMUL, AEFML
Pedro Alves da Silva | Médico interno de cardiologia, CHULN,
Rita Oliveira | Diretora editorial, Raiz Editora
Rodrigo Bernardo | Estudante universitário, FMUL, AEFML
Teresa Serafim | Bióloga coordenadora de manuais escolares, Raiz Editora
Este grupo de trabalho discutiu o papel das escolas e da educação formal para a promoção da literacia e da saúde cardiovascular nas escolas, com especial atenção focada nas crianças e jovens. O grupo privilegiou a questão da alimentação, e discutiu diferentes opções para a mudança efetiva de hábitos alimentares, envolvendo a comunidade escolar e a comunidade local.
Os participantes focaram a discussão na seguinte questão:
“Como aplicar os conteúdos adquiridos na escola à vida dos alunos, das famílias e comunidade?”
Foram levadas a votação duas propostas:
- O desenvolvimento de projetos na escola que possam envolver os diferentes atores da sociedade (22 votos);
- A promoção de iniciativas na comunidade local, maioritariamente dirigidas a lojistas e alunos (23 votos);
A proposta vencedora foi discutida em plenário, tendo resultado em duas sugestões de ação concretas:
- Sensibilizar os alunos através da realização de visitas de grupos escolares a Hospitais e Centros de Saúde locais, de forma a promover o contato mais próximo com a difícil realidade dos profissionais de saúde e doentes cardiovasculares.
- Organizar reuniões estratégicas, nas instalações das escolas, e com a participação de diferentes intervenientes, de forma a envolver os lojistas na procura de alternativas alimentares mais saudáveis, sem que isso represente um prejuízo ao seu negócio. Foi ainda sugerida a criação de um “selo de qualidade”, dirigido a todos os estabelecimentos de restauração aderentes a esta causa.
Prevenção e Reabilitação Secundária do Doente Cardiovascular
Rita Pinto | Fisiologista do exercício e investigadora, CCUL, FMUL, CRECUL (moderadora)
Ana Monteiro | Fisioterapeuta e Prof. de Meditação, CCUL, FMUL, CRECUL
Ana Pinto | Nutricionista e investigadora, Lab. Nutrição, FMUL
Clarissa Faria | Médica cardiologista, HPV,
Joana Moura | Enfermeira Especialista em Saúde Comunitária e Pública, ASFE
Manuela Abreu | Médica cardiologista e psiquiatra, CHULN, CCUL, FMUL
Pedro Mota | Doente cardiovascular, CRECUL
Vítor Brazia | Doente cardiovascular, CRECUL
O grupo de trabalho discutiu a importância dos Centros de Reabilitação Cardiovascular no acompanhamento e processo de recuperação de autonomia do doente. Embora existam cerca de 25 Centros de Reabilitação Cardiovascular, constituídos por equipas multidisciplinares e distribuídos pelo território nacional, a informação encontra-se dispersa e pouco difundida. É por isso necessário tornar a informação disponível, centralizá-la, facilitar a sua consulta, e o acompanhamento direto aos doentes. Foi também discutida a necessidade de abordar diferentes preocupações, destinadas a diferentes públicos.
Os participantes focaram a discussão na seguinte questão:
“como dar a conhecer os programas de reabilitação cardiovascular?”
Foram levadas a votação três propostas:
- Organização e divulgação de um “guia prático” destinado a doentes, famílias e profissionais de saúde, disponibilizado simultaneamente em sítio da internet (31 votos);
- Criação de uma personagem simbólica, com capacidade de difusão através dos diferentes meios de comunicação social (9 votos);
- Atuar através da comunidade escolar, difundindo informação que possa ser passada às famílias (0 votos).
A proposta vencedora foi discutida em plenário, tendo resultado duas sugestões de ação concretas:
- O guião deve integrar as perguntas mais frequentemente realizadas, a localização e o contacto dos Centros de Recuperação Cardiovascular; num primeiro contacto, este guião deve ser entregue em mão, privilegiando o contacto pessoal e a personalização.
- Embora a informação possa, numa primeira fase, ser recolhida e disponibilizada pelo grupo de trabalho em questão, é necessário planear a operacionalização, trabalhando em conjunto com uma entidade oficial que possa assegurar a continuidade e gestão do projeto; foram identificados potenciais parceiros de interesse como a Sociedade Portuguesa de Cardiologia, a Fundação Portuguesa de Cardiologia e a Direção Geral de Saúde.
O Papel dos Meios de Comunicação Social na Promoção da Literacia em Saúde Cardiovascular
Dora Estevens Guerreiro | Jornalista, FMUL (moderadora)
Dulce Brito | Médica cardiologista e investigadora, CHULN, CCUL, FMUL
Dulce Salzedas | Gabinete de Comunicação, CHULN
Paula Oliveira | Investigadora, CCUL, FMUL
Pedro Marques | Jornalista e assessor de comunicação, CHULN
Simão Ribeiro | Estudante universitário, FMUL, AEFML
Embora o tema da saúde desperte a atenção geral do público, as “mensagens” relacionadas com a promoção da saúde cardiovascular parecem ter um impacto reduzido. Mensagens demasiado extensas, formais, científicas e pouco apelativas podem estar na origem desta falta de interesse. O grupo focou-se, por isso, na necessidade de tornar estas mensagens mais atrativas, mais curtas, claras e focadas, com capacidade de atrair o público e gerar um maior interesse global. Foi discutida a necessidade de colmatar o fosso entre as equipas científicas e de comunicação; a necessidade de criar formatos de conteúdos facilmente difundíveis; a ideia de integrar diferentes técnicas e figuras públicas; e a possibilidade de criar conteúdos e versões adaptadas a diferentes públicos-alvo e faixas etárias. Foi discutida a relevância da comunicação interna entre equipas da mesma instituição, a relevância dos meios de comunicação próprios e o “salto” para uma dimensão mais ampla, através dos meios de comunicação de massa.
Os participantes focaram a discussão na seguinte questão:
“como podemos tornar as mensagens para a promoção da saúde cardiovascular mais eficientes, claras e apelativas?”
Foram levadas a votação duas propostas:
- Fortalecer a comunicação interna, e promover a utilização dos canais próprios como um meio de comunicação com o exterior (28 votos);
- Priorizar os meios de comunicação em massa, como forma de comunicação pública (12 votos);
A proposta vencedora foi discutida em plenário, tendo resultado duas sugestões de ação concretas:
- Melhorar a linha de comunicação entre os clínicos / investigadores e as equipas de comunicação institucionais, com o objetivo de desconstruir a linguagem técnica e científica, tornando-a acessível e apelativa a um maior número de pessoas; foi enfatizada a importância “abrir as portas” dos centros de investigação e dos centros clínicos às equipas de comunicação institucionais, de forma a criar uma ligação mais próxima, de conhecimento e partilha mútua.
- Otimizar a utilização dos canais de comunicação próprios, da Faculdade de Medicina e do Hospital, reconhecidos pela sua credibilidade, de forma a chegar a um maior número de pessoas (redes sociais, circuito audiovisual dos hospitais, etc.); foi também referida a importância de criar consistência e uma identidade própria na transmissão das mensagens, por exemplo através da criação de um “minuto do coração”.