Reportagem / Perfil
100 anos de Medicina: Uma perspectiva histórica [1910-2010] Parte I
Parte I
Tal como o ciclista em que o movimento é condição da sua estabilidade, a condição da sobrevivência do ser humano parece ser a evolução. Da descoberta do neurónio, por Ramón e Cajal em 1904, até à completa sequenciação do genoma humano em 2007, decorreram mais de cem anos. Durante este período, a medicina evoluiu muitíssimo mais do que em milénios de história.
Reformas no ensino médico
Em 1910, o norte-americano Abraham Flexner elaborou o famoso relatório, Medical Education in the United States and Canada, cujas conclusões e propostas irão estar na origem de importantes mudanças do ensino médico, não só nos EUA como em todo o mundo ocidental, que alteraram profundamente a praxis médica e, consequentemente, a relação doente-médico. Flexner, combinando o modelo universitário inglês com o alemão, propôs a definição dos padrões de entrada; ampliação, para quatro anos, dos cursos médicos; introdução do ensino laboratorial; o estímulo à docência em tempo integral; criação do ciclo básico e expansão do ensino clínico, especialmente em hospitais; vinculação das escolas médicas às Universidades; ênfase na pesquisa biológica como forma de superar a era empírica do ensino médico; vinculação da investigação ao ensino e o controle do exercício profissional pela profissão organizada.
No ano seguinte, iniciou-se a mais importante reforma universitária portuguesa destes cem anos, que criou as Universidades de Lisboa e Porto, e da qual emergiu uma elite de médicos, a «Geração Médica de 1911», que revolucionou o ensino médico em Lisboa. A Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa passou a Faculdade de Medicina e fundaram-se os institutos de investigação básica , articulando a assistência médica com o ensino, segundo o modelo humboldtiano da Universidade de Berlim. Dos protagonistas deste movimento destaque-se: Augusto Celestino da Costa, fundador do Instituto de Histologia e Embriologia; Henrique de Vilhena, fundador do Instituto de Anatomia; Azevedo Neves, fundador do Instituto de Medicina Legal; Aníbal Bettencourt, director do Instituto Bacteriológico depois da morte de Câmara Pestana; Sílvio Rebello, fundador do Instituto de Farmacologia; Marck Athias, fundador do Instituto de Fisiologia (com Joaquim Fontes e Ferreira de Mira); Francisco Gentil, pioneiro da Oncologia em Portugal. Desta geração, há a referir também, na clínica, os psiquiatras Júlio de Matos e Sobral Cid, e o internista António Pulido Valente, introdutor entre nós, do método anátomo-clínico, com o apoio do anátomo-patologista alemão Friedrich Wohlwill.
A 12 de Agosto de 1988, é publicada a Declaração de Edimburgo, no âmbito da Conferência Mundial para a Educação Médica, que giza algumas linhas de orientação para uma reforma do ensino médico. Nelas, ressalta a importância do investimento, não só na investigação científica mas também na cultura humanista: «Scientific research continues do bring rich rewards; but man needs more than science alone, and it is the health needs of the human race as a whole, and of the whole person, that medical educators must affirm.»
A 3 de Novembro do mesmo ano, é publicado o relatório da Iniciativa de Lisboa do «Ministerial Consultation for Medical Education in Europe», que conclui o seguinte: «The Ministerial Consultation was most encouraged by the firm decision taken by the Ministers of Education and Health of Portugal to take immediate steps to start the process for ensuring change in line with the Edinburgh Declaration and the European health for all strategy. The Ministerial Consultation proposes that all other countries should consider following this example.»
No relatório da World Federation for Medical Education, de 14 de Fevereiro de 1992, é referido o esforço feito em Portugal nesse sentido: «Contemporary medical education demands coordination between medical schools, teaching hospitals, hospitals in the government health services, health centres and primary care provision including general practitioner services. At an international meeting in Paris, called by the Organization for Economic Co-operation and Development to clarify problems relating to academic teaching hospitals, the national arrangements of the medical school/teaching hospital interface in Portugal were revised, the Portuguese case study presented by Rector Esperança Pina. […] The law 246 of 5 August 1989 established new arrangements for organizing teaching teams in all hospitals and other health services institutions with responsibilities in medical education.»
Em 1999, é apresentada a Declaração de Bolonha. O seu objectivo principal é criar na Europa um espaço educativo comum, dando ao ensino superior uma dimensão mais cosmopolita, consentânea com os valores originais da Universidade de Bolonha no século XII, em que a livre circulação estava consignada numa carta, a Constitutio Habita.
A Escola Portuguesa de Angiografia
A Escola Portuguesa de Angiografia, no contexto da qual se fizeram algumas das investigações mais importantes do mundo no campo da imagiologia, colocando Portugal nas páginas da história mundial da ciência, foi fundada em 1927 por Egas Moniz e Reynaldo dos Santos. Egas Moniz, médico, político e escritor, foi quem deu o primeiro passo ao inventar, nesse ano, a angiografia cerebral, que permitiu pela primeira vez fazer o diagnóstico topográfico das lesões intracranianas. Reynaldo dos Santos, médico e historiador da arte , inventou em 1929 a aortografia e a arteriografia dos membros, e introduziu em 1939 o «conceito de via arterial na semiologia e na terapêutica», que abriu o caminho para tudo o que se faz hoje através das artérias (introdução de drogas, instrumentos, etc.). Em 1930, o médico Hernâni Monteiro, desenvolveu uma técnica de visualização dos vasos linfáticos denominada linfoangiografia, a partir do método original da angiografia cerebral. Em 1931, Fausto Lopo de Carvalho, médico pneumologista, comunicou à Academia das Ciências de Lisboa, os resultados dos trabalhos que o levaram, juntamente com Egas Moniz e Almeida Lima, à invenção da angiopneumografia, técnica que possibilitou a visualização da circulação pulmonar. Em 1949, o médico António de Sousa Pereira (1904-1986) introduziu a portografia, que abrirá caminho às investigações dos italianos S. Abeatici e L. Campi que, dois anos depois, irão inventar a esplenoportografia, um novo método de exploração que veio facilitar o estudo pré-operatório da hipertensão portal. A primeira flebografia no ser humano com visualização da veia femoral foi feita em 1938 pelo cirurgião João Cid dos Santos. Em 1952, Eduardo Coelho, médico e humanista português, apresentou no 1º Congresso Europeu de Cardiologia, em Londres, as primeiras coronariografias no homem vivo, encerrando assim aquela que é considerada por muitos a «Idade de Ouro» da Medicina em Portugal.
Egas Moniz, prémio Nobel
Em 1935, Egas Moniz inventou a leucotomia pré-frontal, técnica cirúrgica utilizada no tratamento de certas psicoses. O tratamento tornou-se rapidamente popular em todo o mundo, abrindo o vasto campo de investigação das neurociências e da neurocultura contemporâneas. Walter Freeman e James Watts dedicaram-lhe o livro Psychosurgery: «A Egas Moniz, o primeiro a conceber e executar uma operação válida para a doença mental». Em 1949, foi galadoardo com o prémio Nobel (partilhado com Walter Rudolf Hess).
Novas terapêuticas para velhas doenças
Em 1921, os canadianos Frederick Grant Banting, Charles Best e James Collip, isolaram pela primeira vez no mundo a insulina. No ano seguinte, administraram-na a um doente diabético. A descoberta valeu a Banting o prémio Nobel da Fisiologia e Medicina em 1923.
No início dos anos 1940, duas grandes descobertas revolucionaram o conceito de risco associado às doenças infecciosas, responsáveis por elevadíssimas taxas de mortalidade em todo o mundo: a antibioterapia antimicrobiana e as vacinas (contra o tétano, a difteria, inicialmente, e depois contra a tuberculose, a poliomielite, a tosse convulsa).
A penicilina, o primeiro antibiótico a ser utilizado com sucesso, foi descoberta em 1928 por Alexander Fleming, médico microbiologista inglês, mas só iria ser comercializado mais tarde, em 1941.
Em 1943, Selman Abraham Waksman, bioquímico ucraniano descobre a estreptomicina, o primeiro antibiótico eficaz contra a tuberculose, uma das doenças mais devastadoras da humanidade. A descoberta valeu-lhe o Nobel de Fisiologia e Medicina em 1952.
Quanto às vacinas estas acabaram mesmo por ser objecto de regulamentação e legislação, principalmente a partir dos anos de 1960. A profilaxia passou assim a ser uma responsabilidade não só individual, mas também colectiva. A vacinação massiva de grandes populações, promovida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) a partir do anos 60 permitiu a redução significativa da incidência, (ou até mesmo a ideia de erradicação), de algumas doenças devastadoras, como a tuberculose, que, no entanto, está agora a emergir, um pouco por todo o lado, sob a forma de estirpes multirresistentes, para as quais os tuberculostáticos tradicionais já não são eficazes.
A varíola, que vitimou em todo o mundo um grande número de pessoas, parece actualmente erradicada, graças ao programa de vacinação da OMS. O último caso registado de varíola ocorreu na Somália em 1977.
Mas há doenças que têm sido negligenciadas, como é o caso da malária ou da lepra (doença de Hansen), que por afectarem populações de zonas pobres do globo, interessam pouco as empresas que sustentam a investigação. Felizmente, a situação começa a melhorar com o desenvolvimento de alguns países da América do Sul, como o Brasil, e em África, como Angola, ou, no continente asiático, a China e a Índia. Em Portugal, tem-se assistido, nos últimos anos, a um interesse crescente dos investigadores por este tipo de doenças no Instituto de Higiene e Medicina Tropical.
Durante os anos de 1960 e 1970, o suíço Werner Arber e os americanos Daniel Nathans e Hamilton O. Smith descobrem que os enzimas de restrição ou endonucleases possuem a propriedade de dividir a cadeia de nucleotídeos do DNA em fragmentos, contendo, cada um deles, determinados genes. A bactéria preferida para obtenção do DNA recombinante é a Escherichia coli, com a qual foi possível obter insulina e que é hoje utilizada na produção de vacinas, como as da hepatite B. A descoberta, que conduziu à criação da engenharia genética, valeu-lhes o prémio Nobel em 1978.
Em 2008, foi atribuído o prémio Nobel da Fisiologia e Medicina ao virulogista alemão Harald zur Hausen pela descoberta do papel do vírus do papiloma no cancro do colo do útero em 1983. É o renascer do conceito germinal da doença oncológica, abandonando durante muito tempo.
(Continua na próxima edição)
Manuel Valente Alves
Director do Museu de Medicina da FMUL
valentealves@fm.ul.pt
Tal como o ciclista em que o movimento é condição da sua estabilidade, a condição da sobrevivência do ser humano parece ser a evolução. Da descoberta do neurónio, por Ramón e Cajal em 1904, até à completa sequenciação do genoma humano em 2007, decorreram mais de cem anos. Durante este período, a medicina evoluiu muitíssimo mais do que em milénios de história.
Reformas no ensino médico
Em 1910, o norte-americano Abraham Flexner elaborou o famoso relatório, Medical Education in the United States and Canada, cujas conclusões e propostas irão estar na origem de importantes mudanças do ensino médico, não só nos EUA como em todo o mundo ocidental, que alteraram profundamente a praxis médica e, consequentemente, a relação doente-médico. Flexner, combinando o modelo universitário inglês com o alemão, propôs a definição dos padrões de entrada; ampliação, para quatro anos, dos cursos médicos; introdução do ensino laboratorial; o estímulo à docência em tempo integral; criação do ciclo básico e expansão do ensino clínico, especialmente em hospitais; vinculação das escolas médicas às Universidades; ênfase na pesquisa biológica como forma de superar a era empírica do ensino médico; vinculação da investigação ao ensino e o controle do exercício profissional pela profissão organizada.
No ano seguinte, iniciou-se a mais importante reforma universitária portuguesa destes cem anos, que criou as Universidades de Lisboa e Porto, e da qual emergiu uma elite de médicos, a «Geração Médica de 1911», que revolucionou o ensino médico em Lisboa. A Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa passou a Faculdade de Medicina e fundaram-se os institutos de investigação básica , articulando a assistência médica com o ensino, segundo o modelo humboldtiano da Universidade de Berlim. Dos protagonistas deste movimento destaque-se: Augusto Celestino da Costa, fundador do Instituto de Histologia e Embriologia; Henrique de Vilhena, fundador do Instituto de Anatomia; Azevedo Neves, fundador do Instituto de Medicina Legal; Aníbal Bettencourt, director do Instituto Bacteriológico depois da morte de Câmara Pestana; Sílvio Rebello, fundador do Instituto de Farmacologia; Marck Athias, fundador do Instituto de Fisiologia (com Joaquim Fontes e Ferreira de Mira); Francisco Gentil, pioneiro da Oncologia em Portugal. Desta geração, há a referir também, na clínica, os psiquiatras Júlio de Matos e Sobral Cid, e o internista António Pulido Valente, introdutor entre nós, do método anátomo-clínico, com o apoio do anátomo-patologista alemão Friedrich Wohlwill.
A 12 de Agosto de 1988, é publicada a Declaração de Edimburgo, no âmbito da Conferência Mundial para a Educação Médica, que giza algumas linhas de orientação para uma reforma do ensino médico. Nelas, ressalta a importância do investimento, não só na investigação científica mas também na cultura humanista: «Scientific research continues do bring rich rewards; but man needs more than science alone, and it is the health needs of the human race as a whole, and of the whole person, that medical educators must affirm.»
A 3 de Novembro do mesmo ano, é publicado o relatório da Iniciativa de Lisboa do «Ministerial Consultation for Medical Education in Europe», que conclui o seguinte: «The Ministerial Consultation was most encouraged by the firm decision taken by the Ministers of Education and Health of Portugal to take immediate steps to start the process for ensuring change in line with the Edinburgh Declaration and the European health for all strategy. The Ministerial Consultation proposes that all other countries should consider following this example.»
No relatório da World Federation for Medical Education, de 14 de Fevereiro de 1992, é referido o esforço feito em Portugal nesse sentido: «Contemporary medical education demands coordination between medical schools, teaching hospitals, hospitals in the government health services, health centres and primary care provision including general practitioner services. At an international meeting in Paris, called by the Organization for Economic Co-operation and Development to clarify problems relating to academic teaching hospitals, the national arrangements of the medical school/teaching hospital interface in Portugal were revised, the Portuguese case study presented by Rector Esperança Pina. […] The law 246 of 5 August 1989 established new arrangements for organizing teaching teams in all hospitals and other health services institutions with responsibilities in medical education.»
Em 1999, é apresentada a Declaração de Bolonha. O seu objectivo principal é criar na Europa um espaço educativo comum, dando ao ensino superior uma dimensão mais cosmopolita, consentânea com os valores originais da Universidade de Bolonha no século XII, em que a livre circulação estava consignada numa carta, a Constitutio Habita.
A Escola Portuguesa de Angiografia
A Escola Portuguesa de Angiografia, no contexto da qual se fizeram algumas das investigações mais importantes do mundo no campo da imagiologia, colocando Portugal nas páginas da história mundial da ciência, foi fundada em 1927 por Egas Moniz e Reynaldo dos Santos. Egas Moniz, médico, político e escritor, foi quem deu o primeiro passo ao inventar, nesse ano, a angiografia cerebral, que permitiu pela primeira vez fazer o diagnóstico topográfico das lesões intracranianas. Reynaldo dos Santos, médico e historiador da arte , inventou em 1929 a aortografia e a arteriografia dos membros, e introduziu em 1939 o «conceito de via arterial na semiologia e na terapêutica», que abriu o caminho para tudo o que se faz hoje através das artérias (introdução de drogas, instrumentos, etc.). Em 1930, o médico Hernâni Monteiro, desenvolveu uma técnica de visualização dos vasos linfáticos denominada linfoangiografia, a partir do método original da angiografia cerebral. Em 1931, Fausto Lopo de Carvalho, médico pneumologista, comunicou à Academia das Ciências de Lisboa, os resultados dos trabalhos que o levaram, juntamente com Egas Moniz e Almeida Lima, à invenção da angiopneumografia, técnica que possibilitou a visualização da circulação pulmonar. Em 1949, o médico António de Sousa Pereira (1904-1986) introduziu a portografia, que abrirá caminho às investigações dos italianos S. Abeatici e L. Campi que, dois anos depois, irão inventar a esplenoportografia, um novo método de exploração que veio facilitar o estudo pré-operatório da hipertensão portal. A primeira flebografia no ser humano com visualização da veia femoral foi feita em 1938 pelo cirurgião João Cid dos Santos. Em 1952, Eduardo Coelho, médico e humanista português, apresentou no 1º Congresso Europeu de Cardiologia, em Londres, as primeiras coronariografias no homem vivo, encerrando assim aquela que é considerada por muitos a «Idade de Ouro» da Medicina em Portugal.
Egas Moniz, prémio Nobel
Em 1935, Egas Moniz inventou a leucotomia pré-frontal, técnica cirúrgica utilizada no tratamento de certas psicoses. O tratamento tornou-se rapidamente popular em todo o mundo, abrindo o vasto campo de investigação das neurociências e da neurocultura contemporâneas. Walter Freeman e James Watts dedicaram-lhe o livro Psychosurgery: «A Egas Moniz, o primeiro a conceber e executar uma operação válida para a doença mental». Em 1949, foi galadoardo com o prémio Nobel (partilhado com Walter Rudolf Hess).
Novas terapêuticas para velhas doenças
Em 1921, os canadianos Frederick Grant Banting, Charles Best e James Collip, isolaram pela primeira vez no mundo a insulina. No ano seguinte, administraram-na a um doente diabético. A descoberta valeu a Banting o prémio Nobel da Fisiologia e Medicina em 1923.
No início dos anos 1940, duas grandes descobertas revolucionaram o conceito de risco associado às doenças infecciosas, responsáveis por elevadíssimas taxas de mortalidade em todo o mundo: a antibioterapia antimicrobiana e as vacinas (contra o tétano, a difteria, inicialmente, e depois contra a tuberculose, a poliomielite, a tosse convulsa).
A penicilina, o primeiro antibiótico a ser utilizado com sucesso, foi descoberta em 1928 por Alexander Fleming, médico microbiologista inglês, mas só iria ser comercializado mais tarde, em 1941.
Em 1943, Selman Abraham Waksman, bioquímico ucraniano descobre a estreptomicina, o primeiro antibiótico eficaz contra a tuberculose, uma das doenças mais devastadoras da humanidade. A descoberta valeu-lhe o Nobel de Fisiologia e Medicina em 1952.
Quanto às vacinas estas acabaram mesmo por ser objecto de regulamentação e legislação, principalmente a partir dos anos de 1960. A profilaxia passou assim a ser uma responsabilidade não só individual, mas também colectiva. A vacinação massiva de grandes populações, promovida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) a partir do anos 60 permitiu a redução significativa da incidência, (ou até mesmo a ideia de erradicação), de algumas doenças devastadoras, como a tuberculose, que, no entanto, está agora a emergir, um pouco por todo o lado, sob a forma de estirpes multirresistentes, para as quais os tuberculostáticos tradicionais já não são eficazes.
A varíola, que vitimou em todo o mundo um grande número de pessoas, parece actualmente erradicada, graças ao programa de vacinação da OMS. O último caso registado de varíola ocorreu na Somália em 1977.
Mas há doenças que têm sido negligenciadas, como é o caso da malária ou da lepra (doença de Hansen), que por afectarem populações de zonas pobres do globo, interessam pouco as empresas que sustentam a investigação. Felizmente, a situação começa a melhorar com o desenvolvimento de alguns países da América do Sul, como o Brasil, e em África, como Angola, ou, no continente asiático, a China e a Índia. Em Portugal, tem-se assistido, nos últimos anos, a um interesse crescente dos investigadores por este tipo de doenças no Instituto de Higiene e Medicina Tropical.
Durante os anos de 1960 e 1970, o suíço Werner Arber e os americanos Daniel Nathans e Hamilton O. Smith descobrem que os enzimas de restrição ou endonucleases possuem a propriedade de dividir a cadeia de nucleotídeos do DNA em fragmentos, contendo, cada um deles, determinados genes. A bactéria preferida para obtenção do DNA recombinante é a Escherichia coli, com a qual foi possível obter insulina e que é hoje utilizada na produção de vacinas, como as da hepatite B. A descoberta, que conduziu à criação da engenharia genética, valeu-lhes o prémio Nobel em 1978.
Em 2008, foi atribuído o prémio Nobel da Fisiologia e Medicina ao virulogista alemão Harald zur Hausen pela descoberta do papel do vírus do papiloma no cancro do colo do útero em 1983. É o renascer do conceito germinal da doença oncológica, abandonando durante muito tempo.
(Continua na próxima edição)
Manuel Valente Alves
Director do Museu de Medicina da FMUL
valentealves@fm.ul.pt