“A Educação Especial decorre agora pelas mesmas vias que a Educação Regular. A escola da discriminação deu lugar à escola da Integração; a escola da homogeneidade deu lugar à escola da diversidade”. (Jiménez, 1997)
Fazendo uma viagem pela história até ao ano 1978, deparamo-nos com o surgimento do conceito de Necessidades Educativas Especiais (NEES) no Warnock Report (1978), considerando a necessidade de que o estudante com dificuldades de aprendizagem ou com alguma incapacidade para utilização dos recursos e/ou instalações da instituição de ensino tivesse ao seu dispor medidas diferenciadas que o permitissem aceder às aprendizagens, sem prejuízo pelo seu perfil de funcionamento.
Em 1994, a Declaração de Salamanca veio elaborar a ideia de inclusão, promovendo a igualdade de oportunidades para TODOS. Foi considerado que cada estudante apresenta características particulares que consistem numa diversidade de capacidades e necessidades. O sistema educativo fica assim responsável por se ajustar em termos pedagógicos, fazendo um caminho até ao estudante, tornando a sociedade mais inclusiva.
Falar do Estudante com Necessidades Educativas Especiais (ENEES) implica percebermos, antes de mais, o seu conceito. Nos termos da Lei 38/2004 de 18 de agosto, considera-se ENEES o estudante que, por motivo de perda ou anomalia, congénita ou adquirida, de funções ou de estruturas do corpo, incluindo as funções psicológicas, permanente ou temporária, apresente dificuldades específicas suscetíveis de, em conjugação com os fatores do meio, lhe limitar ou dificultar a atividade e a participação em condições de igualdade com as demais pessoas.
A maior parte das NEES são de carácter permanente, isto é não desaparecem, pelo que um estudante que tenha sido sinalizado anteriormente no seu percurso escolar, muito provavelmente será um universitário que continuará a beneficiar de medidas diferenciadas.
As necessidades educativas temporárias, por outro lado, requerem constante reavaliação para validação das necessidades, uma vez que são transitórias. Neste sentido, torna-se fundamental uma análise cuidadosa das necessidades do estudante para que não deixe de recorrer ao estatuto que lhe permitirá ter estratégias mais adaptadas ao seu perfil.
Assim sendo, as etapas de transição, como a entrada na faculdade, podem ter impacto significativo nas dificuldades dos estudantes, tenham ou não sinalização prévia, por toda a complexidade e alteração de rotinas inerentes.
Por tudo isto, as Instituições de Ensino Superior (IES) devem assegurar a inclusão dos Estudante com necessidades educativas especiais (ENEES).
A promoção da inclusão pelas IES, tem como princípio a criação de estruturas que auxiliam a desafiante transição entre o ensino secundário e o ensino superior. Estas medidas passam pela criação de recursos, estruturas e adaptações necessárias para responder às solicitações dos estudantes NEES. O Balcão incluIES constituiu um bom exemplo de uma medida importante para a realização desta ponte entre o ensino secundário e o superior, devendo ser utilizado pelos estudantes que necessitem de esclarecimentos sobre esta temática.
A este nível importa referir que as IES devem compreender a importância do contexto de aprendizagem de cada estudante NEES. Este é o ponto de partida para se encontrarem ferramentas e serviços educacionais, clínicos e sociais, de modo a potenciar as aprendizagens e a aquisição de competências nos vários contextos de vida do estudante (académico e social).
Na chegada à universidade deparamo-nos com alguns estudantes que percorreram o ensino com medidas pedagógicas diferenciadas devido à sinalização de uma necessidade educativa especial. Porém, com a entrada no ensino superior voltam a refletir se existe a necessidade de sinalizarem esta condição. Umas vezes, porque não têm conhecimento de como o podem fazer, outras vezes, porque colocam a hipótese de que já não seja necessária a manutenção de medidas diferenciadas. Observamos alguns estudantes a recorrerem ao estatuto apenas quando experienciam o insucesso. Parece-nos, pois, importante a sinalização do perfil precocemente, como medida preventiva na saúde mental e para o sucesso do estudante.
A maior parte dos estudantes sinalizados que ingressam na Universidade são estudantes com um potencial cognitivo na média ou acima da média, que podem apresentar diversos quadros clínicos como dificuldades Visuais, Auditivas, Motoras, de Aprendizagem, como a Perturbação da Leitura e/ou da Escrita (Dislexia e/ou Disortografia) e Perturbações do neurodesenvolvimento como a Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção e Perturbação do Espetro do Autismo. Estes verbalizam várias vezes que ao ingressarem na Faculdade, as dificuldades anteriormente já sentidas, como por exemplo, a organização, o método de estudo, a gestão do tempo, a interpretação de enunciadas mais abstratos, não deixam de existir, permanecem e acentuam os desafios que nada se relacionam com o perfil intelectual e capacidade de aprendizagem. São, sim, inerentes a particularidades muito concretas do seu quadro clínico.
Quando não têm uma estrutura de apoio ou deixam de ter medidas pedagógicas diferenciadas, como por exemplo o tempo extra para finalizarem os exames uma vez que o processamento da informação para a maioria destes alunos pode ser mais lentificado, alguns estudantes referem sentir-se sem "rede de suporte". Vários começam a apresentar resultados escolares que não espelham as suas competências cognitivas, manifestando marcadas dificuldades em estudar e em realizar os momentos de avaliação, com um desempenho compatível com o seu empenho no estudo e capacidades. Grande parte das situações acaba por ter impacto marcado na saúde mental e bem-estar do aluno.
ENEES: Os passos dados pela Universidade de Lisboa
Na Universidade de Lisboa existe uma política de inclusão que se compromete a fornecer oportunidades que promovam a participação dos estudantes com NEE na vida académica, social e cultural. Neste sentido, foi fundamental a elaboração do Regulamento para o Estatuto do ENEE da ULisboa.
Compete ao estudante com NEES desencadear o processo de sinalização das suas necessidades, apoiado e compreendido pela comunidade educativa e pares.
O ENEE poderá beneficiar de condições especiais de frequência, apoio social, acompanhamento personalizado, acessibilidade e/ou mobilidade nas instalações e de um regime de avaliação com formas ou condições adequadas à sua situação.
Algumas das adaptações podem ser de teor mais informal, como por exemplo, no fornecimento de uma ajuda mais detalhada a compreender como se processa uma inscrição ou até como se faz um pedido para época especial.
Para que consigamos implementar as adaptações necessárias torna-se imprescindível o conhecimento aprofundado do perfil de funcionamento inerente a cada necessidade educativa especial. Apenas, deste modo, é possível promover medidas verdadeiramente ajustadas à necessidade do estudante de modo a retirar obstáculos e facilitar um desempenho compatível com o esforço, promovendo o seu sucesso académico e igualdade de oportunidades.
No caso da nossa Faculdade, contamos, neste momento, com uma página dedicada ao Estudante NEE onde é possível encontrar diversas informações: desde a solicitação do estatuto à legislação aplicável. Esta página pretende: i) centralizar a informação relacionada com os assuntos dos Estudantes com Necessidades Educativas Especiais; ii) proporcionar canais de comunicação mais rápidos entre os Estudantes NEE e a FMUL; e iii) divulgar informação e iniciativas úteis.
Parece-nos, de igual modo, fundamental sensibilizar a comunidade discente, docente e administrativa para que os estudantes possam ter acesso a uma pedagogia diferenciada que lhes permita ficarem nivelados com os estudantes que não têm estas mesmas dificuldades.
Note-se que a inclusão não passa apenas pela IES enquanto figura, passa também, pela sua comunidade académica, sendo que os docentes têm um grande peso nesta inclusão, contribuindo para a eliminação de barreiras e preconceitos em relação às capacidades e necessidades reais destes estudantes.
Mensagem a reter
Cada estudante tem um perfil individual e as estratégias deverão ser ajustadas a cada um, apesar das guidelines orientadoras, com evidência comprovada, que existem para cada quadro clínico. Acreditamos que este apoio possa ser preventivo do bem-estar, desenvolvimento académico e socio-emocional do estudante da FMUL preparando o melhor possível os profissionais do futuro.
Novembro de 2022
Joana Marafuz (Espaço S – Gabinete de Apoio ao Estudante)
Andreia Carneiro (Gabinete de Apoio ao Estudante)
Referências Bibliográficas
- Bautista, R. (1997). Necessidades Educativas Especiais. Lisboa: Dina Livro.
- Correia, L. (2007). Alunos com NEE nas classes regulares:
Coleção Educação Especial. Porto: Porto Editora. - Dias, M. & Nunes, M. (2003). Manual de Métodos de Estudo. Lisboa: Edições Universitárias.
- Ordem dos Psicólogos Portugueses (2017). Parecer sobre iniciativas para Estudantes com NEE no Ensino Superior. Lisboa: OPP.
Quadro Legal pode ser consultado em: Estudantes com Necessidades Educativas Especiais | Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (ulisboa.pt)