Eles são o sangue novo que corre nas artérias deste corpo vivo que é o Centro Académico de Medicina de Lisboa (CAML). E por isso aceitaram o desafio do Gabinete de Apoio ao Estudante da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e mobilizaram-se numa campanha que tem ajudado a salvar vidas. Todos os anos. Todos os dias.
Enquanto abre e fecha a mão, ajudando o bombear o sangue para fora do seu corpo, o olhar da Helena fixa-se nos cartazes da parede desta Unidade de Dadores Benévolos de Sangue do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte. Procuramos o que lhe reteve a atenção e descobrimos a frase “Acreditar é essencial mas ter a atitude é o que faz a diferença”.
Não sabemos o que sente ao ler esta mensagem, a Helena é reservada, mas sabemos que ela faz a diferença, assim como a sua mãe, que sempre foi dadora. Assim como os colegas que a antecederam e os que a precederam. Estão a agir, estão a salvar vidas.
Enquanto faz a sua dádiva, dois outros estudantes fazem a triagem clínica para saber se estão aptos. Conheceram-se na recepção aos novos alunos e ficaram amigos. Os dois respondem pelo nome de João, os dois são filhos de dadores de sangue, os dois estão deslocados para estudar Medicina em Lisboa, apesar de virem dos dois extremos do nosso País, Algarve e Minho.
Falharam a convocatória no primeiro ano, por medo, confessam, mas em 2022 quiseram ajudar. Está-lhes no sangue, já dizia a campanha, dirigida aos estudantes, mas aberta a quem quiser fazer parte das fileiras de gente solidária.
Apenas 10 minutos
Ambos estão aptos, mas é preciso fazer subir a tensão arterial ao João Frade, explica a enfermeira Sandra. Edite Santos, que aqui está desde a abertura desta unidade, tira um café e entrega ao aluno. Continua a explicar-nos que foi preciso “fazer casa”, porque no início se viessem três pessoas por dia “era uma festa”. Fizeram-na tão bem que, no ano pré-pandemia, chegaram a recolher mais de 30 unidades por dia neste espaço, onde viu alguns namoricos acontecer. “Agora vêem cá mostrar os filhos, dar-nos um beijinho, se por acaso vieram aqui, para além do dia da dádiva”.
Fala com orgulho dos 24 anos que tem de Santa Maria, onde pensava que só aguentaria 1 semana. Veio à experiência, mas a equipa de Cirurgia acolheu-a tão bem que ganhou amor a esta camisola e à casa. Passou por vários Serviços, ainda tem gravado na memória o cheiro a sangue dos blocos e, talvez por isso, prefere este serviço. “Há estudantes dadores que agora são médicos”.
Enquanto fala reclina as marquesas no ângulo certo (45 graus, para evitar desmaios) e prepara o material para a enfermeira fazer a colheita rapidamente. Lá fora, já há mais alunos à espera. Os sacos são biocompatíveis e oscilam numa espécie de balança, para que sangue e anticoagulantes se misturarem evitando que se forme “um bife”, explica.
Em 10 minutos, sem dor nem nenhuma reacção, o corpo destes três estudantes entrega 450 mililitros de sangue, cada um, o volume que se pode colher sem prejudicar o dador. Às 16 horas estas unidades serão transportados em malas térmicas até ao Instituto Português do Sangue e da Transplantação.
Um saco mãe salva até três vidas
Depois de analisado e validado, o sangue é centrifugado, permitindo separar os seus três principais componentes – em cima fica o plasma, amarelo, em baixo ficam os glóbulos vermelhos e no meio fica uma faixa rosada onde estão as plaquetas.
Se apertarmos gentilmente o conteúdo do “saco mãe, conseguimos separar os componentes sanguíneos, glóbulos, plaquetas e plasma para cada um dos sacos satélites.
Cada um pode ir para um receptor diferente e por isso se diz que cada dádiva pode, em última análise salvar três vidas.
100 unidades de sangue por dia
O ano passado, registaram-se mais de 310 mil dádivas, de mais de 204 mil dadores. Destes quase 35 mil fizeram-no pela primeira vez.
A Helena Oliveira, o João Dores e o João Frade foram dos primeiros dadores do primeiro dia da campanha Ajudar Está-te no Sangue, que começou a 21 de novembro e se estende até 7 de dezembro. A iniciativa partiu dos estudantes da FMUL, que são o sangue novo de um Hospital, onde diariamente são precisas 100 unidades deste líquido precioso, para cirurgias, acidentes, tratamentos, neoplasias e casos de prematuridade.